Mudanças demográficas ocorridas nas últimas três décadas contribuíram para o aumento da renda domiciliar per capita da população do país, segundo Camila Sakamoto (Unicamp/2014). O Observatório das Metrópoles divulga os resultados da dissertação de Sakamoto para mostrar o papel da dimensão demográfica na análise do projeto “Transformações na Ordem Urbana das Metrópoles Brasileiras”. Na RM do Rio de Janeiro, mudanças nos arranjos familiares no período (2000-2010), aliados a fatores econômicos, possibilitaram também o aumento da renda domiciliar per capita.
A dissertação “Mudanças na composição das famílias e impactos na distribuição de rendimentos: um comparativo entre áreas rurais e urbanas no Brasil”, vinculada ao Instituto de Economia (IE/Unicamp) e de autoria da pesquisadora Camila Strobl Sakamoto, foi divulgada no dia 19 de maio pelo Jornal da Unicamp.
Segundo o estudo, nas áreas urbanas a elevação da renda total das famílias foi de 38% entre 1981 e 2011, enquanto nas áreas rurais a ampliação foi de 95,2% no mesmo período. Entre os fatores que concorreram para a melhora da renda per capita estão a maior participação de casais sem filhos e de pessoas que vivem sozinhas e a queda participativa de casais com filhos pequenos nos arranjos familiares.
De acordo com Sakamoto, o fato de a renda do brasileiro ter crescido no período considerado não é uma novidade, visto que essa progressão vem sendo constatada pelos indicadores econômicos disponíveis. Tal avanço, diz a economista, é consequência de uma série de fatores, entre os quais o contexto macroeconômico favorável, a ampliação das políticas sociais de transferência de renda e as mudanças demográficas. Sendo que os aspectos demográficos não têm sido muito considerados no Brasil nesse tipo de análise.
Essas mudanças, acrescenta Camila, vão além da queda da taxa de fecundidade, elemento mais comumente analisado em variados estudos. “Outro ponto importante a ser levado em conta são as mudanças que ocorrem no interior das famílias. É interessante investigar as mudanças na organização dos arranjos familiares da população que interferem nas condições de obtenção e de distribuição da renda de um determinando domicílio. Vale lembrar que, ao deixar de sustentar um filho, que se torna independente, uma família tem a sua renda impactada de forma positiva, o que pode fazer com que ela eventualmente deixe um determinado estrato socioeconômico e migre para outro, superior”, detalha a economista.
A pesquisadora baseou o seu estudo nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), promovida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme a PNAD, entre 1981 e 2011 a participação de pessoas morando sozinhas na área urbana aumentou de 0,7% para 2% entre os homens e de 0,8% para 2,3% entre as mulheres. Ademais, o número de casais sem filhos cresceu tanto numa área quanto na outra, passando, respectivamente, de 4,2% para 9,4% e de 3% para 9,9%. “A partir da metodologia utilizada pelo estudo, inferiu-se que as mudanças participativas dos diferentes tipos familiares dentro da população urbana contribuíram com um aumento de R$ 57 na renda per capita, enquanto que na área rural esse aumento foi de R$ 30”, informa Camila.
Em sua pesquisa, a economista investigou, ainda, os impactos das mudanças demográficas sobre cada extrato de renda. Ela apurou que, também nesse aspecto da análise dos efeitos das mudanças na composição familiar, os benefícios não foram distribuídos de maneira igualitária entre as camadas mais ricas e mais pobres da população. Ou seja, os 10% mais ricos tiveram a renda ampliada, enquanto a renda dos 40% mais pobres não apresentou a mesma dinâmica.
Leia a matéria completa sobre o estudo de Camila Sakamoto no Jornal da Unicamp.
Mudanças demográficas na Metrópole do Rio de Janeiro (2000-2010)
Mudanças demográficas ocorridas ao longo das três ultimas décadas e ampliadas no período 2000-2010, foram observadas na análise da composição das unidades domésticas e contribuíram significativamente para o aumento da renda domiciliar per capita na região metropolitana do Rio de Janeiro. É o que mostra o estudo “Estrutura urbana, mudanças nas unidades domésticas e desigualdade de renda na região metropolitana do Rio de Janeiro (2000/2010)”, de autoria da pesquisadora Rosa Ribeiro, que integra o projeto “Transformações na Ordem Urbana das Metrópoles Brasileiras” cujos resultados serão divulgados através de publicação de livros sobre cada uma das 15 principais regiões metropolitanas do país (previsão 2º semestre de 2014).
O trabalho realizado por Rosa Ribeiro, utilizando dados dos Censos Demográficos de 2000 e 2010, mostra como as unidades domésticas se distribuíam pelo espaço social da metrópole, resultando em diferentes composições de arranjos domiciliares, e procura avaliar como as mudanças demográficas e econômicas incidiram sobre as unidades domésticas das diferentes áreas que compõem esse espaço, favorecendo o aumento da renda domiciliar per capita em cada uma delas .
A divisão territorial da metrópole do Rio de Janeiro em cinco áreas tipo que constituíam diferentes espaços sociais – Superior, Médio Superior, Popular Médio, Popular Operária e Popular – foi feita a partir da construção de uma tipologia socioespacial, baseada em metodologia desenvolvida pelo Observatório das Metrópoles, que toma como referência a composição sócio-ocupacional dos diferentes territórios.
Segundo Rosa Ribeiro, as principais mudanças demográficas que influenciaram no aumento da renda domiciliar per capita na RM do Rio de Janeiro foram a queda de fecundidade e a diversificação dos arranjos domésticos que tiveram, entre outras consequências, a redução do número de seus componentes, e a presença de crianças e adolescentes até 15 anos de idade no domicílio.
Unidades domésticas e tipologia sócio-espacial
“A distribuição das unidades domésticas no território não é aleatória, como mostra a literatura sobre o tema. Além de fatores socioeconômicos como a renda domiciliar per capita e a categoria socio-ocupacional dos responsáveis pelo domicílio, fatores demográficos como a idade, a cor e o tipo de organização doméstica estão associados à sua localização no espaço da metrópole. Assim, o padrão de composição das unidades domésticas era bastante distinto entre as áreas da RMRJ”, explica Ribeiro.
Tanto no inicio quanto no final da década, a área de tipo Superior, onde em 2010, aproximadamente 42% dos responsáveis pelas unidades domésticas exerciam ocupações da categorias Dirigentes e Profissionais de Nível Superior, se destacava das demais por apresentar maior diversificação de seus arranjos domésticos. Naquele ano, apenas um terço deles era formado por casais com filho, forma mais frequente e tradicional de organização doméstica, enquanto 23,1% eram unidades unipessoais e 19,2% casais sem filho. A maioria, 52% das famílias de casal com filho, estava na fase final do ciclo de vida familiar, onde todos os filhos têm 16 anos ou mais, o tamanho das unidades domésticas era o menor, 2,6 componentes, e o número médio de crianças e adolescentes de até 15 anos no domicilio, o mais baixo 0,4.
“Na medida em que se passa dessa área para outras menos bem situadas na hierarquia socioespacial, nas quais diminuía a proporção de pessoas nas categorias socio-ocupacionais superiores e aumentava a presença das categorias de trabalhadores manuais, aumentava também a importância das famílias de casal com filho e, em consequência, a diversificação na composição dos arranjos domésticos se tornava menor”, afirma Rosa Ribeiro. Assim, nas áreas de tipo Popular Operário e Popular aquele modelo de arranjo domiciliar ainda representava 47% das unidades domésticas. Nessas áreas, encontrava-se também as maiores proporções dessas famílias na fase inicial do ciclo de vida, isto é com todos do filhos com menos de 16 anos; unidades domésticas com maior numero médio de componentes, 3,2 e maior número médio de crianças e adolescentes até 15 anos, 0,8.
“Ao longo da década, a ampliação da queda da fecundidade, o envelhecimento da população e o aprofundamento das transformações nos valores relativos à família, ao casamento, aos papéis masculinos e femininos, trouxeram inúmeras mudanças nas formas de organização dos arranjos domésticos. Em todas as áreas da RMRJ, houve maior diversificação na composição desses arranjos, traduzida em menor importância das famílias constituídas por casal com filho, e crescimento dos casais sem filho, das unidades domésticas unipessoais e de outros família. Em consequência, diminuiu o tamanho das unidades domésticas e a presença de crianças e adolescentes em todas as áreas, principalmente naquelas de tipo Popular Médio, Popular Operário e Popular. Essas mudanças irão afetar as taxas de dependência, tendo significativo impacto na divisão da renda domiciliar.
Unidades domésticas, trabalho e rendimento
Segundo a pesquisadora Rosa Ribeiro, o Rio de Janeiro foi uma das metrópoles que mais se beneficiou com o crescimento do emprego na década de 2000, como mostraram os dados analisados em um estudo comparativo sobre trabalho e rendimento nas famílias das regiões metropolitanas brasileiras no período 2002/2009 (Ribeiro. R. 2012). Nesse período, a região metropolitana do Rio de Janeiro estava entre aquelas onde mais cresceu o nível de ocupação dos componentes das unidades domésticas.
“Ao longo da década, o crescimento do emprego, associado ao crescimento econômico, ocorreu em todas as áreas da RMRJ, sendo em média de 10,7%, e com exceção da área de tipo Popular, foi bem superior ao aumento da população no mesmo período. Em todas as áreas, o aumento do nível de incorporação da força de trabalho doméstica ao mercado de trabalho, nessa região metropolitana, ocorreu principalmente por conta do aumento da inclusão dos cônjuges femininos, que passou de 39,2%, em 2000, para 56,0 % , em 2010, um aumento de 42,8%, fazendo com que seu nível de ocupação passasse a ser maior que o dos filhos de 16 anos e mais”. Isso não acontecia no início da década, explica a pesquisadora, e constituiu uma mudança na composição da força de trabalho doméstica ocupada.
Ao longo da década, o rendimento médio do trabalho, no conjunto da região metropolitana do Rio de Janeiro, teve um pequeno aumento em valores reais, passando de R$ 1650,92, em 2000, para R$ 1671,31, em 2010, uma variação de 1,2%. “Essa variação positiva tão diminuta se deve ao fato de que, desde meados da década de 1990 vinha ocorrendo uma queda do valor desse rendimento, que só começou a se recuperar a partir de 2005. Dois fatores principais contribuíram para o aumento dos rendimentos médio do trabalho na segunda metade da década, o crescimento do trabalho regulamentado e o aumento do valor do salário mínimo. Na RMRJ, tudo indica que entre esses fatores o aumento do salário mínimo tenha sido mais relevante para o crescimento do rendimento médio do trabalho uma vez que o aumento do trabalho regulamentado não foi muito intenso”.
O comportamento do rendimento médio do trabalho, ao longo da década, não foi o mesmo em todas as áreas. Em três delas houve aumento: no tipo Popular, 5,5% e nas áreas Popular Operário e Superior, 4,5%, enquanto nas outras duas, tipos Médio Superior e Popular Médio, houve pequena redução.
A proporção mais elevada de componentes das unidades domésticas com rendimentos do trabalho e o maior aumento dos mesmos na área de tipo Superior fez com que a desigualdade desses rendimentos entre essa área e as demais aumentasse ao logo da década.
Unidades domésticas e renda domiciliar per capita
O estudo mostra que o fato de ter diminuído o número de componentes das unidades domésticas na RM do Rio de Janeiro e aumentado o número de pessoas com rendimento de trabalho e de aposentadoria fizeram com que diminuísse a dependência econômica . “Essa relação que era menor na área Superior, 0,6, em 2000, e aumentava à medida em que passava desse tipo de área para outras com pior posição na hierarquia socioespacial, chegando a 1,4 nas áreas Popular Operário e Popular, diminuiu muito durante a década, principalmente nas áreas de tipo Superior, Popular Médio e Médio Superior ”, aponta Rosa Ribeiro.
Assim, enquanto entre 2000 e 2010 a renda média do trabalho aumentou 1,2% em valores reais, a renda domiciliar per capita cresceu 20,7%, o que indicaria que as mudanças demográficas contribuíram para potencializar os ganhos econômicos, no caso das unidades domésticas das áreas onde houve aumento dos rendimentos do trabalho, e de fazer com que mesmo naquelas onde houve redução desses rendimentos a renda domiciliar per capita tenha aumentado, embora com menos intensidade.
Os resultados completos do estudo de caso “Estrutura urbana, mudanças nas unidades domésticas e desigualdade de renda na região metropolitana do Rio de Janeiro (2000/2010)”, de Rosa Ribeiro, integrará o livro “Transformações na Ordem Urbana da Metrópole do Rio de Janeiro (1980-2010)” a ser publicado no 2º semestre deste ano.