Incêndio na Comunidade do Moinho/São Paulo (Divulgação – Comunidade do Moinho)
Moradores do Moinho: incêndios, identidades destruídas e direito à moradia
No dia 17 de setembro, aproximadamente 80 barracos foram atingidos pelas chamas na Favela do Moinho, região central de São Paulo. A tragédia deixou mais de 300 pessoas sem moradia e uma vítima fatal. O incêndio foi o segundo a atingir aquela comunidade em menos de um ano; em 2012 foram registrados 34 casos parecidos em favelas da capital paulista. Por esse motivo, os moradores do Moinho divulgam carta aberta exigindo da Prefeitura atendimento adequado às famílias atingidas e dos vereadores de São Paulo a continuidade da CPI dos Incêndios. No fundo, a suspeita de que muitos dos incêndios possam ser criminosos, a fim de “facilitar” a remoção de comunidades e a liberação das áreas para empreendimentos.
A Carta Aberta da Comunidade do Moinho conta com o apoio da União dos Movimentos de Moradia (UMM), da Frente de Luta por Moradia (FLM) e da Central de Movimentos Populares (CMP). O INCT Observatório das Metrópoles também subscreve o documento. Nele, os moradores contam que em dezembro de 2011 a comunidade foi atingida por um incêndio de grandes proporções, que destruiu mais de 400 moradias. Na época, foi pactuado um atendimento emergencial correspondente ao pagamento de aluguel até a conclusão das unidades habitacionais para atendimento definitivo, conforme o “Termo de Compromisso de Atendimento Habitacional” assinado pela SEHAB, Defensoria Pública, Ministério Público e Escritório Modelo.
Passados nove meses desse incêndio, mais uma vez o fogo consumiu várias moradias da comunidade do Moinho no dia 17 de setembro de 2012. O resultado foi a perda de uma vida, e mais de 80 famílias que moravam sob o viaduto Orlando Gurgel passaram a ficar desalojadas, vivendo em situação provisória, aguardando uma solução por parte da Prefeitura.
De acordo com a carta, o sistema de prevenção de incêndios instalado pela Prefeitura no Moinho não funcionou: o hidrante estava sem mangueiras e sem a chave para o acionamento da água, obrigando “os moradores a arrancarem as mangueiras que abasteciam suas próprias moradias para conter o incêndio”. Também não foram entregues roupas de segurança nem colocados extintores no local.
A divulgação do documento tem como objetivo exigir da Prefeitura de São Paulo o atendimento às famílias atingidas, como também pressionar os vereadores da capital a dar continuidade à CPI dos Incêndios, que realiza audiência pública nesta quarta-feira (26/09).
Leia a Carta Aberta dos Moradores do Moinho aqui.
Incêndios em São Paulo: coincidência ou ação criminosa
De acordo com o Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, houve 34 incêndios em favelas do estado em 2012. Um dos últimos incidentes na Favela do Piolho (ou Sônia Ribeiro) resultou na destruição das casas de 285 famílias, somando um total de 1.140 pessoas desabrigadas por conta dos incêndios em favelas.
O evento não é novo: em quatro anos foram registradas 540 ocorrências. Por conta desses números, foi criada em abril de 2012 uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Municipal de São Paulo para investigar os incêndios. No entanto, a CPI continua parada. A pergunta a se fazer é simples: os incêndios em comunidades foram coincidência ou ação criminosa? Existem interesses por trás dessas ocorrências? E em que áreas foi registrado o maior número de incêndios.
Para o coordenador-geral da Central de Movimentos Populares do Estado de São Paulo (CMP-SP), Raimundo Bonfim, é muita coincidência a existência de uma onda de incêndio em favelas paulistanas em um momento de enorme valorização imobiliária. “E os incêndios ocorrem justamente nas proximidades das operações urbanas, nos locais mais cobiçados pelo mercado imobiliário. A prefeitura de São Paulo argumenta que tantos incêndios aconteceram em um período tão curto por causa do tempo seco e da baixa umidade do ar. Mas nos demais municípios da região metropolitana também existem favelas. Lá também há tempo seco e baixa umidade do ar. Esses fenômenos só provocam incêndio nas favelas da capital?”, argumenta Bonfim.
O coordenador da CMP-SP afirma que há análises mostrando que os nove incêndios recentes na cidade de São Paulo aconteceram em locais de grande valorização imobiliária. “Não temos dúvida em afirmar que essa onda de incêndios serve a uma política de higienização. Além dos incêndios, estamos vivenciando uma onda de reintegração de posses, despejos e remoções de favelas e de áreas debaixo de viadutos, principalmente nos locais que estão passando por um boom imobiliário”, afirma.
Segundo levantamento realizado pelo pesquisador João Fernando Finazzi, da PUC-SP (publicado PET RI PUC-SP), o município de São Paulo apresenta 1565 favelas ao longo de seu território, distribuídas, majoritariamente na região Sul, Leste e Norte. Os distritos que possuem o maior número de favelas são: Capão Redondo (5,94% ou 93), Jardim Angela (5,43% ou 85), Campo Limpo (5,05% ou 79), Grajaú (4,66% ou 73). O que significa que 21,08% de todas as favelas de São Paulo estão nessas áreas.
Somando as últimas 9 ocorrências de incêndios em favelas (São Miguel, Alba, Buraco Quente, Piolho, Paraisópolis, Vila Prudente, Humaitá, Areão e Presidente Wilson), chega-se ao fato de que elas aconteceram em regiões que concentram apenas 7,28% das favelas da cidade.
“Em uma área em que se encontram 114 favelas de São Paulo, houve nove incêndios em menos de um ano, enquanto que em uma área em que se encontram 330 favelas não houve nenhum. Algo muito peculiar deve acontecer com a minoria das favelas, pois apresentam mais incêndios que a vasta maioria. Ao menos que o clima seja mais seco nessas regiões e que os habitantes dessas comunidades tenham um espírito mais incendiário que os das outras, a coincidência simplesmente não é aceitável”, avalia o pesquisador.
João Fernando Finazzi aponta ainda que a Favela São Miguel, que leva o nome do bairro, divide sua região com apenas outras 5 favelas, representando todas apenas 0,38% das favelas de São Paulo. Assim, a possível existência de um incêndio nessa região, em comparação com todas as outras favelas da cidade é extremamente baixa. “Porém, ao pensar somente de modo abstrato, estatístico, nos esquecemos do fator principal: a realidade. O bairro de São Miguel é vizinho do bairro Ermelino Matarazzo, o qual, de acordo com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), teve a maior valorização imobiliária na cidade de São Paulo entre 2009 e novembro de 2011, 213,9%. Lá, o preço do metro quadrado triplicou”, defende.
Todas as 9 favelas citadas estão em regiões de valorização imobiliária: Piolho (Campo Belo, 113%), Comunidade Vila Prudente (ao lado do Sacomã, 149%) e Presidente Wilson (a única favela do Cambuci, 117%). Sem contar com Humaitá e Areião (situadas na Marginal Pinheiros) e a já conhecida Paraisópolis.
CPI dos Incêndios
Desde que teve início, em maio de 2012, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Incêndios em Favelas, instalada na Câmara Municipal de São Paulo em 11 de abril, sofre com sucessivas reuniões suspensas, e até agora a investigação “não começou”, de acordo com matéria da Rede Brasil Atual.
Para a relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, em notícia publicada em seu blog, o trabalho da CPI é fundamental, “já que existe a suspeita de que muitos destes incêndios possam ser criminosos, a fim de facilitar a remoção de comunidades, liberando áreas para empreendimentos, já que processos de remoção legais podem tardar anos, especialmente em favelas já consolidadas”, afirma.
Veja a seguir o vídeo sobre o incêndio na Comunidade do Moinho.