A Prefeitura de São Paulo prepara uma grande operação de remoção das famílias da favela do Moinho, a última do centro da cidade, localizada muito próxima à chamada cracolândia, nos Campos Elísios. Nesta análise, a urbanista Raquel Rolnik mostra que, em nome do combate ao tráfico de drogas, a prefeitura está classificando o conjunto de pessoas que moram, trabalham e convivem tanto nos Campos Elísios quanto na favela do Moinho como criminosos, sujeitos a desaparecer do local. E que por trás da remoção está a tentativa de desconstituir um dos territórios populares de São Paulo, em prol da abertura de uma nova frente de expansão imobiliária na cidade.
O artigo “Moinho Resiste: criminalização é usada para eliminar território popular” foi publicado originalmente no site da Raquel Rolnik (https://raquelrolnik.wordpress.com) no dia 07 de julho de 2017. A Rede INCT Observatório das Metrópoles divulga a análise com o propósito de subsidiar o debate e as reflexões sobre as transformações nas cidades contemporâneas sob o processo da chamada financeirização urbana.
MOINHO RESISTE
Por Raquel Rolnik
No começo desta semana, uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo afirmou que a prefeitura de São Paulo prepara uma grande operação de remoção das famílias da favela do Moinho, a última do centro da cidade, localizada muito próxima à chamada cracolândia, nos Campos Elísios. Desde o dia 21 de maio, aquela região está sendo alvo de várias ações do governo municipal, que decidiu dispersar os usuários de crack que se concentravam no chamado fluxo com força policial.
Supostamente, tanto a ação na cracolândia – onde cortiços e pensões foram lacrados e tiveram paredes derrubadas com gente dentro e moradores foram ameaçados de remoção – quanto o anúncio da remoção de cerca de 900 famílias do Moinho teriam como motivação o combate ao tráfico de drogas. Ainda segundo a mesma reportagem, a favela do Moinho abasteceria de crack a cracolândia. Ali foram efetuadas prisões e um rapaz de 17 anos foi assassinado. A polícia alega que ele reagiu à abordagem.
Em nome do combate ao tráfico de drogas, a prefeitura está classificando o conjunto de pessoas que moram, trabalham e convivem tanto nos Campos Elísios quanto na favela do Moinho como criminosos, sujeitos a desaparecer do local. O anúncio da remoção da favela faz parte de um conjunto de ações que querem remover dali um território popular constituído por moradores, comerciantes, agentes culturais, entre outros,que não são, obviamente, todos traficantes. Para piorar, não há nenhum projeto claro de para onde essas pessoas poderão ir depois de serem removidas.
É importante dizer que é necessário intervir nas condições de moradia da favela do Moinho, que não são nada dignas. No Plano Diretor, inclusive, a área está demarcada como Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) com o objetivo de que seja urbanizada, garantindo melhores condições de vida para quem está lá, sem a sua eliminação. Inclusive, seus moradores, fixados há mais de 20 anos no local, estão requerendo na Justiça o usucapião para regularizar sua situação fundiária, assessorados pelo Escritório Modelo da Faculdade de Direito da PUC-SP.
Não por acaso, no mesmo dia em que se anuncia a remoção do Moinho, a prefeitura coloca em consulta pública um Projeto de Intervenção Urbana (PIU) no entorno da Praça Princesa Isabel. O projeto prevê uma série de intervenções positivas para a praça e os espaços públicos do entorno: instalar wifi, arrumar calçada, arborizar, iluminar. Mas, também com o objetivo de atrair incorporadores imobiliários para a região, oferece para o mercado uma possibilidade de estabelecimento de PPPs que reestruturam a forma de ocupação da região, com a introdução de novos produtos imobiliários, como torres. O PIU tangencia a favela do Moinho.
É inequívoca a relação entre as tentativas de desconstituir o que é hoje um dos territórios populares de São Paulo, e a abertura de uma nova frente de expansão imobiliária na cidade. E para isso, a operação de criminalização, que reduz o conjunto do bairro ( e da favela) e seus moradores ao tráfico de drogas, aparece como justificativa para o uso extensivo da violência e mecanismos de extralegalidade para banir, derrubar, remover, enfim eliminar sua presença.
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