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Mobilidade urbana e direito à cidade: Lúcio Gregori fala sobre transporte coletivo e Tarifa Zero

As manifestações de Junho de 2013 contra a elevação da tarifa de ônibus, iniciadas pelo Movimento Passe Livre (MPL), puseram o transporte público e sua regulação na pauta do debate sobre cidades e políticas urbano-regionais. Esse é o ponto de partida do artigo de Mariana Fix, Giovani E. Ribeiro e André D. Prado para a Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Os autores entrevistaram Lúcio Gregori, proponente da Tarifa Zero em São Paulo, com o objetivo de compreender essa proposta, formulada nos anos 1990, e seus desdobramentos. A análise mostra o apoio e resistência à aprovação da proposta, sua formulação técnica, os jogos de interesses nela envolvidos e as modalidades de financiamento que a viabilizariam.

O artigo “Mobilidade urbana e direito à cidade: uma entrevista com Lúcio Gregori sobre transporte coletivo e Tarifa Zero”, de autoria de Mariana Fix, Giovani Espíndola Ribeiro, André Doca Prado, é um dos destaques da RBEUR (v. 17).

Segundo os autores do artigo, a entrevista foi realizada na residência de Lúcio Gregori, em 6 de maio de 2015. Lúcio Gregori foi secretário de Serviços e Obras e, posteriormente, secretário de Transportes na gestão Erundina (1989-1992), no município de São Paulo, diretor técnico da Empresa de Planejamento da Grande São Paulo (EMPLASA) entre 1976-1979, gerente de programação e controle da Companhia do Metropolitano de São Paulo (1968-1970), diretor de planejamento da Empresa Municipal de Urbanização de São Paulo (EMURB) e superintendente de planejamento territorial da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) (1984-1986).

A Rede INCT Observatório das Metrópoles divulga o trabalho para apoiar o debate sobre mobilidade urbana, relacionando à luta pelo Direito à Cidade contra a hegemonia do transporte individual privado que prevalece nas políticas públicas de transporte no Brasil.

Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais pertence a ANPUR, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, fundada em 1983, que aglutina e representa programas de pós-graduação e centros de ensino e/ou pesquisa das áreas do planejamento urbano e regional, do urbanismo, da geografia, da economia, da administração pública, das ciências sociais, do direito, do desenvolvimento regional, entre outras.

O conteúdo da revista se dirige a um público multidisciplinar de professores, pesquisadores, estudantes e profissionais do campo do planejamento e dos estudos urbanos e regionais. Além de chamadas temáticas a revista mantém um fluxo contínuo de submissão de textos e resenhas para publicação. Criada em 1999, em versão impressa e com periodicidade semestral, a revista se consolidou como principal periódico na área de Planejamento Urbano e Regional.

INTRODUÇÃO

Por Mariana Fix, Giovani E. Ribeiro e André D. Prado

As manifestações de Junho de 2013 contra a elevação da tarifa de ônibus, iniciadas pelo Movimento Passe Livre (MPL), puseram o transporte público e sua regulação na pauta do debate sobre cidades e políticas urbano-regionais. Ainda que momentaneamente, a crise de (i)mobilidade, que afeta as grandes metrópoles e inúmeras cidades brasileiras, ganhou espaço na agenda política e nas universidades.

Entrevistamos Lúcio Gregori para conhecer melhor sua experiência como gestor público, especialmente no período em que esteve à frente da Secretaria Municipal de Transportes (1989-1992), quando propôs a Tarifa Zero para os ônibus da cidade de São Paulo. Buscamos compreender o surgimento dessa proposta e seus desdobramentos, as reações de apoio a ela e as resistências à sua aprovação, sua formulação técnica e os jogos de interesses nela envolvidos, bem como as modalidades de financiamento que a viabilizariam e as características do transporte como negócio e das empresas que atuam no setor.

Além de compartilhar o olhar de quem já esteve em cargos executivos relacionados a políticas de mobilidade, Gregori nos apresentou suas propostas, principalmente aquelas que se referem à remuneração e regulação das empresas de ônibus. Sua crítica é, ao mesmo tempo, radical, no sentido de buscar a raiz dos problemas, e prática, ao propor soluções.

No Brasil, a hegemonia do transporte individual privado é tanto reiterada quanto contestada, configurando, desse modo, um campo de disputa material e simbólico. Como resposta anticíclica à crise financeira mundial de 2008, o governo Lula (Partido dos Trabalhadores (PT), 2003-2010), ao garantir crédito fácil e barato aos consumidores e desonerações fiscais às montadoras, conseguiu resultados do ponto de vista macroeconômico, mantendo o nível de emprego e renda sem grandes impactos inflacionários. Manteve-se não somente o emprego, mas também o elevado lucro da indústria automobilística, à custa de uma importante renúncia fiscal: “[…] deixamos de recolher impostos no valor de R$ 26 bilhões desde o final de 2008 e US$ 14 bilhões foram enviados ao exterior, para as matrizes das empresas que estão no Brasil aliviando a crise que estas estavam vivendo na Europa e Estados Unidos” (AFONSO apud MARICATO, 2013, p. 46).

Do ponto de vista urbano, tais políticas significaram uma avalanche de carros nas ruas. Passamos de 2,25 milhões de veículos emplacados, em 2003, para 5,88 milhões, em 2011, segundo dados do Denatran2. Considerando-se apenas o período entre 2009 e 2011, o número de veículos emplacados cresceu 24%. Como resultado, observamos o surgimento de congestionamentos em cidades pequenas e médias e o aumento do tempo gasto em deslocamentos nas grandes metrópoles (IPEA, 2013).

Em 2011, a taxa média de ocupação do carro em São Paulo era de 1,4 ocupante por carro, ou seja, 28% de ocupação para carros com cinco lugares (VOITCH, 2011). Um transporte público de qualidade, que motivasse os cidadãos a trocar o modal individual privado pelo coletivo público, atuaria no sentido de democratizar os espaços da cidade, começando pelas ruas e avenidas. O preço da tarifa do sistema de transporte, com seus constantes aumentos acima da inflação, tem atuado no sentido contrário, excluindo pessoas. Estas passaram a trocar trechos que faziam em modais coletivos pelo modal privado motorizado ou mesmo por viagens a pé, quando não podem pagar pelo transporte, como mostram diversos estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (CARVALHO; PEREIRA, 2011; 2012; CARVALHO et al., 2013).

A hegemonia do automóvel contribui para a difusão da ideia de que a mobilidade é assunto privado. Na contramão dessa ideologia, movimentos sociais afirmam a mobilidade urbana como condição para o exercício de outros direitos. Por isso, a tarifa zero é apresentada como

[…] o meio mais prático e efetivo de assegurar o direito de ir e vir de toda população nas cidades […]. Essa ideia tem como fundamento o entendimento de que o transporte é um serviço público essencial, direito fundamental que assegura o acesso das pessoas aos demais direitos, como, por exemplo, a saúde e a educação (Disponível em: <http:// tarifazero.org/tarifazero/> Acesso em: 20 nov. 2015).

Dito de outro modo,

[…] as condições de mobilidade urbana são uma catraca que restringe a efetivação do di- reito à cidade em seus mais variados aspectos. Primeiro, ao restringirem a possibilidade de circulação na cidade àqueles que têm condições de pagar por seus deslocamentos, não permitem que as pessoas acessem livremente a cultura, a educação e a saúde. Segundo, impedem a apropriação política da cidade, tanto porque é mais difícil ir a qualquer

atividade política quando se tem que pagar por isto quanto pelo fato de a restrição de circulação dificultar a troca de experiências políticas (LEGUME, 2015, s/p).

Em dezembro de 2014, em São Paulo, o usuário pagante era responsável por financiar 63% do sistema, o empregador, 12%, o município, 23%, e outras fontes (multas, publicidade, taxas de recarga, aluguéis), 2% (SÃO PAULO, 2015). Como pensar a Tarifa Zero nesse contexto? Essa é uma importante questão que Gregori e outros defensores de tal proposta nos ajudam a compreender melhor.

A mobilidade urbana deve possuir fundos próprios, em vez de recair, em última instância, sobre o passageiro, como é feito no sistema atual. Nas principais cidades europeias, por exemplo, o financiamento é, em grande medida, de responsabilidade do Estado, assumindo a forma de subsídios públicos. Algumas opções possíveis de financiamento no sistema tributário brasileiro foram tratadas na entrevista, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), a Municipalização da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre combustíveis e o Regime Especial de Incentivos para o Transporte Coletivo Urbano e Metropolitano de Passageiros (REITUP). Se a Tarifa Zero é, no limite, uma reforma tributária, é importante que haja uma estrutura tributária que permita ao município arrecadar os recursos necessários à prestação do serviço de forma progressiva, incidente sobre a população de maior renda, que tem maior capacidade de contribuição.

Leia o artigo completo na  RBEUR.

 

Publicado em Artigos Científicos | Última modificação em 06-07-2016 20:35:02