Neste artigo da Revista e-metropolis, Antônio Tadeu R. de Oliveira analisa as migrações internas no Brasil a partir dos deslocamentos que ocorreram nas últimas décadas. Sob uma ótima marxista, o autor vê a migração como respostas a processos históricos, sociais e demográficos inscritos no marco das relações sociais e de produção capitalista e de acumulação do capital no país.
O artigo “Buscando apreender o comportamento recente das migrações internas no Brasil”, é um dos destaques da edição nº 19 da Revista eletrônica e-metropolis.
Antônio Tadeu R. de Oliveira é pesquisador em Informações Geográficas e Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e professor visitante no Departamento de Sociologia II, Universidad Complutense de Madrid.
Abstract
This article aims to suggest the incorporation of theoretical approach that treats of the dependent capitalism, from the Marxist perspective, in search of the seizure of the behavior of internal migratory movements in Brazil, in the post-1980. Is as relevant and complement the set of approaches that landed that the change of the phenomenon of internal migration in the country would be associated to spatial redistribution of economic activities, the diseconomies of agglomeration, and productive restructuring, especially for important clues pointing in association of population displacements with the more general movement of capital. Understand that the passage of a pattern of reproduction of the capital to another is associated with the dimension of power, represented by the role of the State in the form of economic integration in the global circuit of capital. The precariousness of employment relationships and the subordinate mode as the country integrates into the global economy would help explain the role of internal migrations in the strategy of reproduction of individuals.
Keywords: Internal Migration, migration flows, capital reproduction pattern, dependent capitalism.
INTRODUÇÃO
Por Antônio Tadeu R. de Oliveira
O presente artigo, a partir do entendimento que as migrações respondem a processos históricos, sociais e demográficos inscritos no marco das relações sociais e de produção capitalistas e que representam, fundamentalmente, o exercício da “liberdade” que a força de trabalho tem, ou não, de mover-se no espaço em busca de sua reprodução, pretende sistematizar, sem desconsiderar a importância das estratégias de reprodução das famílias, das redes sociais e dos aspectos sociais e culturais que conformam o ato de migrar, um conjunto de abordagens teóricas que possam ajudar a iluminar a apreensão do comportamento recente da mobilidade interna no país, colocando para reflexão essa possibilidade em olhar o fenômeno migratório.
Apenas para situar o ponto de partida do olhar aqui proposto, temos que os processos de mobilidade espacial, mesmo antes de o capitalismo se afirmar como modo de produção, já respondiam aos efeitos da transição para as novas relações de produção que viriam a se instaurar.
Marx (1973), ao tratar daquilo que denominou acumulação originária, apontava os reflexos desse fenômeno nos deslocamentos populacionais. Esse processo foi marcado pela expropriação da terra dos antigos lavradores, que se viram obrigados a se submeterem às ordens dos novos “patrões” ou a se deslocarem para tentar sua reprodução em outro lugar (OLIVEIRA, 2009).
Ainda tratando dessa fase de transição, Marx aponta que a descoberta, saque, exploração e escravização de novos territórios na América, Ásia e África estão no alvorecer da era de produção e expansão capitalista. Tudo isso com uma força avassaladora, sob a proteção do Estado, bem como da sociedade organizada, fazendo avançar a passos largos o processo de transformação do regime feudal de produção para o regime capitalista (MARX, 1973).
Nesse período, o Estado tratou de produzir cartilhas que visavam regular a mobilidade espacial da população, pondo em movimento aqueles indivíduos tidos como “vagabundos”, para que fosse aproveitada a sua força de trabalho pelo capital e tratava de impedir a mobilidade daqueles que já estavam de algum modo inserido nas novas relações de produção (GAUDEMAR, 1981, CASTEL, 1998).
Entre outras, destacam-se duas dimensões, trazidas por Marx (1973), que se contrapõem ao pensamento liberal: i) o grau de liberdade na tomada de decisão sobre migrar ou não migrar daquelas populações campesinas; e ii) o relevado destaque do papel do Estado no processo de transição de um modo de produção a outro. Esses elementos se chocam frontalmente com abordagens teóricas que definem o ato de migrar como uma escolha individual e racional, baseada em avaliações nas vantagens e desvantagens, ou seja no custo-benefício do deslocamento, tendo o mercado como fator de equilíbrio e regulador do processo decisório da migração.
Marini (2012, p.47) observa que “a história do subdesenvolvimento latinoamericano é a história do desenvolvimento do sistema capitalista mundial (…)” e que sua vinculação ao mercado mundial data da sua incorporação ao sistema capitalista em formação, quando da expansão mercantilista no século XVI. Acrescenta ainda que a dominação imposta pela Inglaterra aos países ibéricos fez com que prevalecesse o controle daquele país na exploração dos territórios americanos. Nos três primeiros quartos dos século XIX, os países latino-americanos passam a participar de forma mais ativa no mercado mundial, produzindo matérias-primas e consumindo parte da produção leve europeia. Tudo isto num quadro de afirmação do capitalismo industrial na Europa.
Esses processos em maior ou menor grau iriam se repetir em outros espaços, à medida que a transição para as relações de produção capitalistas ia se configurando. No caso brasileiro, os ciclos econômicos do açúcar, mineração, café, borracha etc., são exemplos desse tipo de exploração das colônias, cabendo enfatizar que todos esses processos associados a cada um dos ciclos mencionados não respondiam à lógica da produção da força de trabalho como parte integrante do circuito de reprodução do capital.
Para que a abordagem teórica aqui proposta faça algum sentido, além de estar ancorada em evidências empíricas, é necessário buscar algum fio condutor em construções, que, a nosso ver, foram bem-sucedidas na apreensão do fenômeno migratório interno no Brasil, sobretudo num momento de intensificação das relações de produção capitalistas. Nesse sentido, tentar dialogar com o que propunha Singer (1980) como modelo explicativo para as migrações internas, justamente no período no qual se intensificava a urbanização e industrialização no país, pode ser um ponto de apoio importante.
Em seguida, serão apresentados, para o período pós-anos 1970, alguns dados que reforçam a mudança no comportamento dos deslocamentos internos, bem como algumas abordagens que tentavam compreender essas transformações no padrão migratório.
Posteriormente, a partir da observação da distribuição espacial das atividades econômicas e da população nos países da América do Sul e Caribe, aliado à teoria do capitalismo dependente, tentaremos identificar algum sentido entre o papel reservado aos países em desenvolvimento na divisão internacional do trabalho, nessa etapa de acumulação do capital, e a sua correlação com a dinâmica migratória interna no Brasil.
Leia o artigo completo “Buscando apreender o comportamento recente das migrações internas no Brasil” na edição nº 19 da Revista eletrônica e-metropolis.
Última modificação em 09-02-2015