O site The Intercept Brasil produziu a reportagem especial “Ruralistas no poder” no qual mostra que, atualmente, a serviço do agronegócio, o governo Temer ataca terras e direitos indígenas. A matéria vai além e mostra a força que o agronegócio vem ampliando no país — trazendo depoimentos de analistas e grupos indígenas, estes os mais afetados pela luta pela terra no interior do país. O INCT Observatório das Metrópoles divulga a reportagem para ampliar o debate sobre a questão fundiária brasileira no contexto da MP 759 apresentada pelo governo federal em dezembro de 2016. A proposta representa de fato mais uma ofensiva conservadora-liberal do presidente Temer, já que extingue os critérios que asseguram o interesse social da propriedade; rompe com regimes jurídicos de acesso à terra e de regularização fundiária de assentamentos urbanos — tais como ocupações e favelas; e altera as regras de venda de terras e imóveis da União e da Política Nacional de Reforma Agrária.
Diante desse contexto, A Rede INCT Observatório das Metrópoles assinou, em fevereiro de 2017, a carta pública “MP 759 — A desconstrução da Regularização Fundiária no Brasil”, juntamente com 88 organizações e movimentos sociais, dentre elas o Fórum Nacional de Reforma Urbana, o Instituto Socioambiental (ISA), a ActionAid, o Instituto Pólis e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). O objetivo da carta é convocar movimentos sociais e a sociedade civil para apoiar a luta pela Reforma Urbana e Rural do país, exigindo do Governo Federal a retirada da MP 759 da pauta do Congresso, e construindo um amplo debate nacional sobre o tema.
A seguir um trecho da série “Ruralistas no poder”.
Leia a reportagem completa no site do The Intercept Brasil.
O AGRO É ANTI-INDÍGENA — THE INTERCEPT BRASIL
O antropólogo Márcio Meira foi presidente da Funai entre 2007 e 2012, período em que o órgão anuiu com o licenciamento da usina de Belo Monte e de outras hidrelétricas muito impactantes para os índios da região, como Teles Pires e São Manoel, na bacia do Tapajós. Ele conta que “quando era presidente da Funai, já estava claro que ressurgia com força uma ‘onda’ anti-indígena na sociedade brasileira, originada sobretudo nos herdeiros das velhas elites agrárias que promovem sua investida mais recente nos territórios do Centro-Oeste e da Amazônia.”
Para Meira, mudanças estruturais na economia alimentaram essa hostilidade: “O que vimos recentemente foi o encolhimento da produção industrial, ao mesmo tempo que cresciam a produção agropecuária e a exportação de commodities agrícolas. O Brasil foi se tornando cada vez mais dependente da economia gerada pelo agronegócio”, diz, detalhando como o ruralismo passou a ditar a pauta governamental para dar continuidade ao histórico esbulho do patrimônio indígena.
Em nota publicada em junho de 2013, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), que naquela época era presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), alimentava a narrativa de conflito ao afirmar que “militantes ideológicos, que aparelharam a Funai e se associaram ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a ONGs nacionais e estrangeiras estimulam os índios a invadir terras produtivas”.
A ruralista, que acabou nomeada ministra da Agricultura por Dilma em 2014, afirmou ainda que “a CNA apoia a iniciativa de construção de uma nova política indigenista, submetida não apenas à Funai, mas também a outros ministérios e órgãos do governo federal. É inconcebível que questão deste porte fique ao arbítrio de um único órgão, aparelhado por uma militância associada a objetivos ideológicos e comerciais, alheios ao interesse nacional”.
A visão ruralista verbalizada em 2013 pela senadora Katia Abreu está se concretizando hoje.
ÍNDIOS, OS PRIMEIROS “GOLPEADOS”
O ataque contra os direitos indígenas tem se intensificado no atual governo não-eleito de Michel Temer. Entretanto, Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental (ISA), reconhece que o ponto de inflexão na pauta indígena ocorreu antes: “Houve ruptura na política indigenista entre Lula e Dilma, mas há continuidade e aprofundamento do retrocesso do governo afastado de Dilma para o de seu vice, Temer”.
Ao assumir o governo, no final de abril de 2016, Michel Temer deixou claro que retribuiria o apoio recebido de ruralistas, essencial para sua chegada ao poder. Logo de início, o presidente não-eleito anunciou a reversão dos atos de reconhecimento de terras indígenas assinados no apagar das luzes do governo Dilma. Era só um prenúncio do que viria a seguir.
No final do ano, mesmo se arrastando em um pântano de impopularidade e acusações de corrupção, o governo Temer anunciou um esboço de normas para alterar o procedimento administrativo de demarcação de Terras Indígenas. As normas propostas também permitiriam que o direito originário dos índios à terra fosse flexibilizado em troca de indenizações financeiras. Na prática, esse tipo de medida “acabaria com demarcações de terras indígenas” e foi considerada por índios e ONGs ligadas à questão “uma aberração sem precedentes”.
A reação dos indígenas foi suficiente para que a proposta fosse abortada mas, em 18 de janeiro de 2017, o Ministério da Justiça publicou a Portaria 68, que, na prática, implementava medidas anunciadas na proposta anterior. Novamente, houve forte rechaço da sociedade, e o governo recuou. Mas não sem antes dar mais uma amostra dos desencontros que marcam a atual gestão em vários campos. Com diferença de poucas horas, enquanto Temer declarava, em evento com ruralistas, apoio explícito à nova normativa, o ato 68 era formalmente revogado.
A novela triste seguiu quando, logo em seguida, o Ministério da Justiça promulgou a Portaria 80, uma versão suavizada da anterior, mas que mantém importante alteração no procedimento de reconhecimento de terras indígenas com a criação de um Grupo Técnico Especializado (GTE).
Até então, a atribuição de identificar e delimitar terras indígenas, um processo técnico, era de competência exclusiva da Funai. Porém, com a Portaria 80, esse encargo passa, por meio do GTE, a ser arbitrado também por outros órgãos com interesses contrários aos indígenas e por técnicos que não os com formação de indigenista especializado. Segundo a advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambiental, as mudanças teriam “a clara finalidade de re-analisar os trabalhos da Funai e interferir politicamente em estudos técnicos”.