Com o objetivo de traçar um panorama das ocupações de imóveis vazios ou abandonados e destacar a falta de políticas públicas de habitação na área central da capital fluminense, o INCT Observatório das Metrópoles (IPPUR/UFRJ) e a Central de Movimentos Populares (CMP) produziram o Relatório de Pesquisa “Panorama das Ocupações na Área Central do Rio de Janeiro”. A publicação também visa chamar a atenção para a necessidade de visibilizar as ocupações como uma forma de reivindicação por direitos, confrontando a cidadania desigual e marcada por privilégios das elites.
As transformações na área central do Rio de Janeiro, especialmente a Operação Urbana Consorciada do Porto Maravilha, resultaram em mudanças significativas para a região portuária, mas também ameaças à permanência da população de baixa renda. Após os megaeventos sediados na cidade na última década e em meio à crise econômica, política e social, o projeto Porto Maravilha enfrentou instabilidade, com poucos investimentos e empreendimentos privados. Apesar da aprovação do Plano de Habitação de Interesse Social da Zona Portuária em 2015, nenhuma medida foi efetivamente implementada. Complementando um cenário de acirramento das dificuldades de sobrevivência da população que historicamente vive, mora e trabalha na região central, nos últimos anos novas ameaças se configuraram, especialmente a partir do projeto Reviver Centro, em suas duas “etapas” inauguradas em 2021 e 2023. No bojo do projeto, diversas medidas de repressão ao trabalho de ambulantes e de despejo de ocupações estão sendo realizadas pelo poder público.
Segundo os organizadores da publicação, Bruna Ribeiro, Bruno Frazão, Orlando Alves dos Santos Junior e Tarcyla Fidalgo, as ocupações expressam uma forma de cidadania insurgente, nos termos formulados por Houston (2013), como uma reivindicação por direitos, no caso o direito à moradia, que confronta a cidadania desigual e marcada por privilégios das elites, manifestada na manutenção de imóveis vazios no Centro do Rio de Janeiro que não cumprem a sua função social.
O levantamento das ocupações na área central é focado em ocupações para fins de moradia promovidas (i) por grupos de moradores vinculados a movimentos populares organizados nacionalmente e/ou localmente, ou (ii) por grupos de moradores que se organizaram especificamente para ocupar imóveis vazios/abandonados, mas que não possuem vínculos orgânicos com movimentos sociais organizados, o que não impede que relações mais ou menos orgânicas sejam estabelecidas entre estes no desenvolvimento da ocupação.
Foram consideradas ocupações os imóveis anteriormente vazios/abandonados que passaram a ser ocupados para fins de moradia, sem o uso da violência armada para a entrada dos moradores, e que se caracterizam por uma gestão coletiva parcial ou total, sem pagamento de aluguel. Em outras palavras, não se estabelece uma relação locador/locatário, com todos os moradores com o mesmo direito à posse e uso do imóvel.
No levantamento, a área central foi delimitada compreendendo os bairro da Área de Planejamento (AP 1), também conhecida como centro expandido, que envolve os bairros: Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Caju, Centro, Rio Comprido, Catumbi, Cidade Nova, Estácio, São Cristóvão, Mangueira, Benfica, Vasco da Gama, Paquetá e Santa Teresa.
Referente a metodologia, foram utilizadas informações de duas fontes de dados. Primeiro, a base de dados do projeto “Cartografias Jurídicas: mapeando conflitos fundiários urbanos na cidade do Rio de Janeiro”, que realiza, desde 2018, o levantamento dos conflitos fundiários na cidade junto ao Núcleo de Terras da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (NUTH – DPERJ). A segunda foi o levantamento de campo realizado no âmbito desta pesquisa, a partir de informações obtidas junto aos movimentos de moradia e também dos(as) moradores(as) das próprias ocupações.
A estrutura do documento está organizada conforme abaixo:
- Introdução;
- As Ocupações de Moradia na Área Central do Rio de Janeiro;
- Heterogeneidade e Vulnerabilidade das condições de habitabilidade;
- Ocupações promovidas por movimento populares organizados;
- Ameaças de despejo e intervenções urbanas emergenciais;
- Considerações finais.
No final, os organizadores destacam a questão da reparação ao Povo Negro que historicamente ocupou a região:
É notável como estatisticamente a população negra e pobre ocupa um lugar importante, e por vezes invisível, de vulnerabilidade dentro do território da região central conhecido como “Pequena África”, o que mostra a necessidade e a urgência do debate sobre a reparação ao Povo Negro no direito à Moradia. Embora existam possíveis encaminhamentos para esta conjuntura, a realidade de centenas de famílias ainda exige mudanças mais radicais e aceleradas, uma vez que segurança e dignidade deveriam ser direitos garantidos de forma universal, não apenas para um seleto grupo da sociedade. É por essa razão que tem sentido interpretar as ocupações como formas de cidadania insurgente, reivindicando o direito à moradia dos seus ocupantes.
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