Por Breno Procópio, Comunicação Observatório das Metrópoles
No livro “O Metrô do Rio de Janeiro: interesses, valores e técnica em projetos estruturais de desenvolvimento urbano”, lançamento do Observatório das Metrópoles, a pesquisadora Eliane Guedes faz uma reconstituição histórica do processo de decisão para a construção do Metrô-RJ, analisando questões-chave para a decisão – como os diferentes traçados, a construção e o financiamento – e a trajetória institucional percorrida. O livro figura como relevante contribuição para pensar as políticas de transporte e mobilidade urbana em um período de redemocratização do Brasil.
O livro “O Metrô do Rio de Janeiro: interesses, valores e técnica em projetos estruturais de desenvolvimento urbano” é mais um lançamento da Coleção “Metrópoles: teses e dissertações” do INCT Observatório das Metrópoles. O trabalho é resultado da tese de doutorado da arquiteta Eliane Guedes na FAU/USP, sob a orientação do profº Ricardo Toledo Silva.
A pesquisa faz uma reconstituição histórica do processo de decisão para a construção e implementação do sistema metroviário da cidade do Rio de Janeiro, processo de durou mais de cinco décadas. Guedes mostra no livro que entre a primeira proposta consistente (1928) e a decisão formal para a implantação do sistema (1968) decorreram 40 anos. “E mesmo após a aprovação, a construção não aconteceu de imediato. Mais tempo e mais negociações foram necessárias para que, em 1979, apenas 4 km estivessem em operação”, afirma.
Mas quais os desafios para a construção de um metrô em uma das principais cidades do país? Quais os grupos de interesse envolvidos na decisão de sua construção? Como o país pensava as políticas de transporte na época? E em que medida essas decisões ainda ecoam nos problemas de mobilidade que enfrentamos hoje em dia. Segundo Eliane Guedes, o livro não tem o objetivo de esclarecer as práticas contemporâneas de decisão relacionadas às políticas de transporte, por exemplo; o trabalho busca estabelecer sim um registro histórico e crítico de um período que se encerra nos anos 1980, com o processo de redemocratização do país, resgatando o conhecimento das práticas desenvolvidas durante o período de cunho autoritário de tomada de decisões.
ENTREVISTAS HISTÓRICAS
Um dos destaques do livro é a pesquisa de campo realizada no início dos anos 1980, imediatamente após a consumação do processo decisório. Eliane Guedes conta que realizou entrevistas, naquele período, com os representantes dos principais grupos de atores envolvidos com o processo decisório do Metro-RJ, como agentes públicos, dirigentes da Cia do Metrô do Rio de Janeiro, representantes de entidades de classe, representantes da imprensa, representantes dos Produtores de Material Ferroviário, representantes do Mercado Imobiliário, representantes da Construção Civil, entre outros. “
“As entrevistas visaram reconstituir o processo de decisão do Metrô-RJ, construindo um entendimento da cidade do Rio de Janeiro, dos deslocamentos urbanos, de questões-chave da decisão – os diferentes traçados, a construção, o financiamento – e da trajetória institucional percorrida. Os resultados a que se chegou são muito diferentes, e muitas vezes contraditórios, daqueles contemplados pela literatura corrente e é aí que repousa o interesse deste trabalho”, explica Guedes.
HIPÓTESES
Quais foram os determinantes do processo de decisão e implantação do Metrô-RJ? As hipóteses centrais colocadas pela pesquisa buscam responder a essa questão:
1. O Metrô-RJ não foi concebido como uma solução para um problema de deslocamento, mas como um produto, isolado dos demais modos de transporte.
2. Esse produto não foi significativo para a sociedade como um todo durante todo o período de maturação do empreendimento. A ideia só foi aceita e implementada quando um ou mais agentes de interesse dominaram o processo de decisão pela implantação do empreendimento e conseguiram encaminhar sua aprovação formal e sua construção.
De acordo com Eliane Guedes, a formulação das hipóteses indicou alguns possíveis interessados que, teoricamente, poderiam ser os grupos mais favorecidos pela construção de sistemas metroviários, a serem investigados prioritariamente:
• os agentes imobiliários;
• os produtores de materiais de transporte;
• a população em geral e
• a burocracia técnica do governo.
“Para que as hipóteses pudessem ser comprovadas utilizou-se, como modelo de análise, a técnica de compartimentação da sociedade urbana do Rio de Janeiro em diferentes grupos de agentes sociais e econômicos, possíveis atores do processo de decisão, e, em seguida, procedeu-se à análise de seus interesses e comportamentos, acreditando-se que a decisão final foi o resultado de uma determinada conjunção de forças”, argumenta.
ANÁLISE
O livro mostra que os grupos sociais ou econômicos não influenciaram ou foram determinantes na decisão de construir o Metrô-RJ. Guedes afirma que a decisão maior para a implantação de do empreendimento se deu num momento em que foram reunidas as condições políticas e institucionais propícias, independentemente das vontades locais. “Embora houvessem estudos técnicos que embasaram a decisão maior pela implantação do Metrô-RJ, não foi a necessidade do sistema por parte da cidade e de seus habitantes, nem a racionalidade do mesmo e sua adequação técnica, que levou à decisão. Prevaleceram critérios alheios aos interesses dos atores locais, tendo sido sim, uma decisão diretamente ligada à esfera federal e cuja razão, podemos agora afirmar, esteve ligada muito mais ao planejamento mais geral do país, associado a uma ideologia centralizadora e autoritária de nacionalização e desenvolvimento”, afirma a pesquisadora e completa:
“Pode-se afirmar que a decisão do Governo Federal de liberar recursos para a construção do Metrô-RJ esteve integralmente inserida numa opção de política nacional, de grande abrangência, que pouco considerou os interesses e necessidades locais. No caso específico, esses recursos poderiam ter sido utilizados para as tão necessárias melhorias no sistema de trens de subúrbios, que apresentavam uma situação de degradação de grande intensidade, com um parque antigo e super-utilizado, mas o Governo Federal optou pelo Metrô-RJ como uma obra de grande visibilidade e que pudesse ser o elemento modernizador do setor ferroviário”.
ETAPAS DA PESQUISA
O livro “O Metrô do Rio de Janeiro: interesses, valores e técnica em projetos estruturais de desenvolvimento urbano” está organizado em 8 capítulos sendo que o Capítulo 1 – Teorias de planejamento e as decisões na esfera pública – a análise das decisões em grandes intervenções urbanas apresenta uma descrição e análise das principais escolas de pensamento com relação às decisões na esfera pública, em especial quanto a empreendimentos estruturais de desenvolvimento urbano. São especialmente analisadas as questões relativas à racionalidade, frequentemente discutidas nas décadas de 1950 a 1970 nos Estados Unidos e na França e seus rebatimentos no pensamento nacional, enfatizando-se a situação no período abordado por este trabalho de pesquisa – décadas de 1960 e 1970. Indica os rumos contemporâneos da teoria e da prática do planejamento e da decisão: a ampliação do conceito de legitimidade, a compartimentação da prática do planejamento e a sofisticação das formas de lidar com a informação.
O Capítulo 2 – Tipologia de atores presentes no processo decisório – modelo explicativo traz uma discussão sobre um modelo explicativo utilizado na literatura dos anos 1980 para a compreensão dos processos decisórios, adaptado para a situação do estudo de caso em questão, construindo assim uma tipologia de atores e possíveis hipóteses de comportamento face à situação considerada. A partir de uma discussão teórica, baseada em bibliografia internacional com predominância de textos contemporâneos à decisão estudada, foram apontados conceitos básicos, que orientaram estudos da lógica das decisões em transportes urbanos em várias cidades do mundo, e que orientam a formulação de hipóteses para este trabalho específico.
O Capítulo 3 – A cidade do Rio de Janeiro – aspectos político-administrativos, economia, população e evolução da ocupação urbana apresenta a cidade do Rio de Janeiro nos seus aspectos político-administrativos, economia, população e evolução da ocupação urbana, com o objetivo de contextualizar o estudo de caso deste trabalho, especialmente no período analisado, de 1960 a 1980.
O Capítulo 4 – Como se desloca a população metropolitana apresenta a evolução dos deslocamentos na cidade de maneira geral e para cada modo de transporte, ressaltando os momentos mais críticos, de forma que possa ser discutida a adequação da decisão de se implantar um sistema metroviário na cidade. É dada ênfase especial nos períodos de maturação da idéia, da decisão formal e da implantação do trecho inicial, considerando a integração entre os modos. São também descritos os principais planos e projetos de transportes urbanos, salientando a presença ou não de um sistema metroviário em cada um deles e sua importância relativa.
O Capítulo 5 – Da idéia à realização do Metrô do Rio de Janeiro marchas e contra marchas de caráter institucional aponta os principais estudos elaborados ao longo do tempo para a implantação de um sistema metroviário na cidade, considerando traçados, tecnologias e as instituições e ou indivíduos que os propuseram, chegando ao Estudo de Viabilidade que foi o elemento formal da decisão de se implantar o sistema. As iniciativas de caráter institucional são apresentadas de forma cronológica, construindo um quadro referencial que permite o entendimento dos momentos propícios à decisão.
O Capítulo 6 – A evolução do traçado, do financiamento e da construção descreve detalhadamente os diferentes traçados propostos, procurando ressaltar o caminho para a decisão com relação à localização efetivamente aprovada e implantada. Da mesma forma, foram levantados os recursos financeiros de fato alocados no sistema, desde sua concepção até a finalização das obras do trecho inicial, distinguindo recursos próprios das diversas esferas do poder executivo, bem como empréstimos e recursos ligados ao fornecimento de materiais e equipamentos. A construção do trecho inicial do sistema também foi reconstituída, de forma a distinguir possíveis interesses dos diversos setores da construção civil e da produção de materiais e equipamentos na decisão pelo sistema implantado.
O Capítulo 7 – Os principais agentes da decisão apresenta o comportamento de cada grupo de atores que poderia ter interesse na implantação do sistema, ao confrontar os fatos que efetivamente ocorreram, levantados através da pesquisa de campo, com as hipóteses de comportamento estabelecidas no capítulo 2, concebidas a partir da literatura consultada, para os produtores, consumidores e gestores da implantação do Metrô-RJ.
O Capítulo 8 – Conclusões finaliza este estudo apresentando as hipóteses centrais e secundárias que puderam ser comprovadas através dos dados empíricos e aquelas que foram refutadas. Em resumo, o trabalho comprova a hipótese de que o Metrô-RJ não foi concebido como uma solução para um problema de deslocamento, mas como um produto auto-suficiente em si mesmo, bem como a hipótese de que esse produto não foi significativo para a sociedade como um todo durante todo o período de maturação. Foi sim, uma decisão autoritária tomada na instância federal, distante das aspirações e necessidades locais, por agentes de interesse que dominaram o processo de decisão. Secundariamente, comprova-se que os produtores de materiais de transporte e a burocracia a serviço dos agentes políticos com forte viés autoritário foram forças motoras de grande expressão e ainda que os agentes imobiliários e a população em geral – tradicionais interessados nos incrementos de acessibilidade – pouco ou nada interferiram no processo de decisão pelo sistema em questão.
Faça no link a seguir o download do livro “O Metrô do Rio de Janeiro”
Última modificação em 19-03-2015