Na última quinta-feira, dia 18, o Observatório das Metrópoles promoveu, através do seu canal no Youtube, a live “Insegurança da posse, precariedade habitacional e omissão estatal em Fortaleza: pandemia e perspectivas futuras“. A transmissão contou com a participação da pesquisadora do Núcleo Fortaleza e do Laboratório de Estudos da Habitação (LEHAB) da Universidade Federal do Ceará, Valéria Pinheiro; pesquisador do Núcleo Fortaleza e do LEHAB, Renato Pequeno; integrante da Frente de Luta por Moradia Digna, Adriana Gerônimo; representante do escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), advogado Márcio Alan Menezes e a representante da promotoria de Justiça Cível de Conflitos Fundiários e Defesa da Habitação do Ministério Público do Estado do Ceará, Giovana Melo.
Na oportunidade, foram discutidas as precariedades em relação à habitação na capital cearense no contexto da pandemia, incluindo os conflitos fundiários, além de uma análise das possibilidades de atuação frente às denúncias de violação do direito à moradia. “Nosso intuito é olhar para Fortaleza na dimensão da pandemia, mas também para os problemas que são estruturais na nossa cidade”, comentou Valéria Pinheiro. Segundo o pesquisador Renato Pequeno, que discorreu sobre Fortaleza e suas precariedades, dos 120 bairros distribuídos pela cidade, apenas oito não têm comunidades, favelas ou assentamentos urbanos precários. “Mais de um milhão de pessoas vivem em assentamentos precários em Fortaleza. Só em favelas são 800 mil pessoas. Isso mostra que a favelização tem evoluído e que há um descaso em termos de regularização fundiária”, ressaltou Pequeno.
Conforme Adriana Gerônimo, a insegurança trazida pelo do risco de uma remoção é compartilhada em diversas periferias da cidade que estão na centralidade ou não. “O capital imobiliário muitas vezes anda de mãos dadas com o governo municipal, estadual. Eles têm livre acesso a tornar a cidade um mercado e isso a desumaniza. É preciso fortalecer a promoção da renda e o acesso à economia para que as pessoas que vivem nas periferias consigam ter direito à cidade e ao bem viver”, advertiu Adriana.
A representante da promotoria de Justiça Cível de Conflitos Fundiários e Defesa da Habitação do Ministério Público do Estado do Ceará, Giovana Melo, chamou a atenção sobre o processo de urbanização, que se apresenta como uma máquina de produzir favelas e agredir o meio ambiente. “O direito à invasão é até admitido, mas o direito à cidade, não. Significa que você pode ficar aí, mas sem exigir infraestrutura, escola, saúde. É momentâneo enquanto o estado permite e isso não é política pública”, pontuou Giovana.
Para o advogado Márcio Alan, os movimentos agora terão o desafio de uma incidência orçamentária que será fundamental. “A tendência é uma queda de arrecadação nos orçamentos, tanto estadual, municipal, quanto federal, por conta das paralisações, e uma menor provisão de recursos para habitação, que já são escassos. A luta do papel de investimento do estado vai assumir um aspecto fundamental no próximo período”, observou.
Confira o registro:
Já na terça, 30 de junho, a microbiologista Natalia Pasternak, o médico da Fundação Oswaldo Cruz, José Noronha e o coordenador nacional do Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar Ribeiro, participaram da live “Saúde, Cidade e Ciência: que nexos no pós-pandemia?”. O objetivo foi debater sobre a construção de nexos teóricos e práticos entre a ciência da saúde e a ciência da cidade, visto que, assim como no século XIX, ambas se encontram novamente como campos de produção e difusão de conhecimentos estratégicos, no enfrentamento dos desafios societários do atual ciclo pandêmico e dos seus desdobramentos.
De acordo com Luiz Cesar Ribeiro, a crise do capitalismo voltado para a acumulação infinita de uma riqueza fictícia e os problemas geopolíticos que hoje se colocam são grandes desafios para o enfrentamento da COVID-19. “É um momento importante, de um lado há a conexão com a problemática urbana metropolitana, a difusão da COVID-19 e o desafio de como enfrentar a pandemia mobilizando a ciência, para que o conhecimento possa ser usado pela sociedade e atores do sistema político no enfrentamento deste desafio societário e civilizatório. Este é um momento crucial de bifurcação histórica que estamos atravessando”, ressaltou.
Segundo Natalia Pasternak, atualmente, o Brasil precisa de números, dados, além de ter clareza de testes e diagnósticos, tratamentos e vacinas. “Temos um milhão e 300 mil casos confirmados e 60 mil mortes, subnotificados por falta de testagens. A transparência dos dados foi ameaçada há pouco tempo por uma agenda política que quer passar à população a impressão de que a pandemia não existe. Os nossos dados não são reais, esses números podem ser muito maiores”, alerta Natalia. Conforme a microbiologista, os testes contribuem para que os dados sejam ainda mais nebulosos e para que não tenhamos medidas de vigilância epidemiológica eficazes para conter a pandemia. “Será que não era o momento de investir mais em agentes de saúde do que em tecnologias que sabemos que não teremos dinheiro para comprar? O governo federal prefere negar a ciência que trazê-la como ferramenta”, afirma.
A pesquisadora ainda informa que as vacinas são uma solução a longo prazo e não devem ser feitas apressadamente. “Existem 140 grupos no mundo buscando uma vacina, teremos vacinas disponíveis, mas provavelmente daqui a um ano. Esta previsão de uma vacina para dezembro me assusta um pouco. E sobre os medicamentos, ainda não temos um específico. É preciso parar de oferecer panaceias para as pessoas e médicos. Em resumo, não sabemos o número real de casos, a vacina vai demorar e não temos medicamento, então é preciso, por tudo isso, que as pessoas continuem cumprindo as regras de distanciamento físico, social, prevenção, higiene, uso de máscaras e não reabrir as cidades na hora errada. A escolha do Brasil de não investir na ciência e usar a desinformação e o populismo político resulta em 60 mil mortes subnotificadas”, pontua Natalia.
O médico José Noronha revela que a saúde hoje no Brasil movimenta 9% da economia, desde os hospitais, consultórios, farmácias e fábricas de insumos para a saúde. “É um componente extremamente importante e, na Fiocruz, temos defendido a ideia de um complexo econômico industrial como parte da estratégia nacional de desenvolvimento, para que as necessidades básicas, como saúde, sejam atendidas. Essa ideia tem que fazer parte da estratégia de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, tem que estar ancorada a uma política de saúde que atenda as grandes necessidades da população e que possa garantir a movimentação do próprio dinamismo econômico do Brasil”, ressaltou.
Para Luiz Cesar Ribeiro, a COVID-19 se nutre da vida social das pessoas. “Ao lado dessa questão que a doença se nutre da vida social, a precariedade e a vulnerabilidade urbana fazem um papel ainda maior na propagação e difusão, no aumento da tragédia em função da ausência de uma boa política de saúde. É nosso dever como produtores de conhecimento pensar as estratégias de desenvolvimento científico e tecnológico para agora e para depois, bem como uma estratégia de segurança sanitária e de uma grande reforma urbana, semelhante ao new deal, que possa mudar de maneira intensa e bastante radical as condições de vida das metrópoles brasileiras”, concluiu o coordenador nacional do Observatório das Metrópoles.
Confira o registro:
Sobre os convidados
Natalia Pasternak é popularizadora da ciência brasileira. Atualmente é pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo e diretora-presidente do Instituto Questão de Ciência, organização dedicada à promoção do pensamento científico e do uso de evidências científicas nas políticas públicas.
José Noronha coordena a iniciativa de Prospecção Estratégica do Sistema de Saúde Brasileiro “Brasil Saúde Amanhã”, da Fundação Oswaldo Cruz, uma rede multidisciplinar de pesquisa que explora os horizontes de médio e longo prazo para a formulação e definição das políticas sociais.
Luiz Cesar Ribeiro é doutor em arquitetura e urbanismo e professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenador nacional do Observatório das Metrópoles, rede de pesquisa sobre o urbano-metropolitano presente em 16 metrópoles brasileiras.