Brasil: os limites do urbano para o desenvolvimento
Por Breno Procópio, Gestor de Comunicação do Observatório das Metrópoles
As recentes tragédias ocorridas no Rio de Janeiro e em outras cidades revelam um dos principais problemas a ser enfrentado pelo país nos próximos anos: o desafio de reformar o velho urbano a fim de gerar condições para o seu desenvolvimento, ou seja, crescimento econômico sustentável no tempo com diminuição das desigualdades de riqueza, e geração de bem-estar e oportunidades. Se por um lado, o Brasil alcançou o patamar de sexta maior economia mundial, tendo como resultado a geração de empregos e o aumento de renda; do outro, casos emblemáticos como o do Rio evidenciam o colapso urbano, fruto da ausência de políticas públicas eficientes e de planejamento urbano duradouro. A pergunta que fica é se a cidade – e sua velha infraestrutura e fragilidade institucional em termos de gestão urbana – poderá ser o limite para o desenvolvimento econômico do novo Brasil?
A sociedade brasileira tem visto, nos últimos anos, um grande processo de inclusão social via mercado – aliado aos programas de transferência de renda. Essa redução da desigualdade via renda permitiu que milhares de brasileiros entrassem na tão falada “Nova Classe Média” – ou seja, suas famílias atingiram um extrato de renda intermediário, deixando a pobreza para trás. Relacionado a isso, observou-se a diminuição do desemprego, a expansão do número de postos com carteira de trabalho assinada, o maior acesso ao crédito e, como conseqüência desses movimentos, o aumento do poder de consumo da população.
No aspecto demográfico, a pressão populacional de décadas anteriores também se reduziu. Análise do Observatório das Metrópoles mostra que nos anos 1990, a taxa de crescimento populacional do país foi de 1,63% ao ano. Na década de 2000 (2000 a 2010) essa taxa caiu para 1,17%. Em relação ao percentual da população em idade ativa (15 a 64 anos) sobre a população total, em 2001 o valor era de 65,2%; em 2009 já era de 68%. Esse indicador expressa que o Brasil vive um período de maior capacidade produtiva, o chamado “bônus demográfico”, já que um maior número de brasileiros está realizando alguma atividade, produzindo, gerando poupança. Resta saber se esse potencial será aproveitado? Se o Brasil urbano oferecerá condições para a sociedade se desenvolver?
Os primeiros indícios apontam que não. Nos últimos 18 meses, uma série de tragédias e acidentes expôs a precariedade da infraestrutura e do planejamento urbano do estado e da cidade do Rio de Janeiro. No começo de 2011, a região serrana do estado sofreu a maior tragédia climática do País, com um saldo de mais de 900 mortos e 345 desaparecidos. Os municípios de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Areal e Bom Jardim ficaram sob água e lama, e registraram mais de 20 mil pessoas desalojadas e desabrigadas por conta das chuvas. Segundo dados do Sistema Nacional de Defesa Civil (Sindec), o total de danos somou R$ 614,6 milhões, excluindo do cálculo Nova Friburgo. Considerando cada município, os prejuízos alcançaram em Areal (R$ 44,7 milhões), Bom Jardim (R$ 54,4 milhões), Petrópolis (R$ 4,6 milhões), São José do Vale do Rio Preto (R$ 23,2 milhões), Sumidouro (R$ 27,4 milhões) e Teresópolis (R$ 460,2 milhões).
Na época, o governo federal prometeu verbas bilionárias aos municípios e ao estado, num total de cerca de R$ 4,5 bilhões para ações emergenciais. No entanto, seis meses após a tragédia, o TCE promoveu pesquisa para avaliar o total de recursos efetivamente disponibilizados para a região e a soma alcançou R$ 409,3 milhões. Deste total, foram liberados dos cofres federais apenas R$ 156,9 milhões; do Estado do Rio de Janeiro, R$ 216,2 milhões; e de recursos municipais (totalizando as sete prefeituras) R$ 5 milhões, mais doações que chegaram a R$ 31 milhões.
Outra grande tragédia devido às chuvas aconteceu no estado de Santa Catarina. Em janeiro de 2009, mais de 130 pessoas morreram e 78 mil ficaram desalojadas ou desabrigadas; 16 municípios registraram as mortes e 1,5 milhão de pessoas foram atingidas pela chuva no estado. Em Minas Gerais, a cada ano, os estragos causados pelas chuvas também se repetem. Dados divulgados pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec-MG) mostra que, em janeiro de 2012, foram registradas 15 mortes e mais de 12 mil pessoas estavam desalojadas no estado.
O Brasil precisa superar o tratamento da cidade através das operações emergenciais para superar a contradição entre as tão divulgadas virtudes da economia e a nossa histórica precariedade urbana. O desafio é colocar em prática os princípios e instrumentos da reforma urbana. O desafio que se apresenta como conflito de concepções e de interesses em torno da função da cidade no desenvolvimento nacional. Com efeito, os interesses e projetos de cidade dos atuais governantes – nos três níveis – é tratar a cidade como objeto e campo de negócios econômicos que sustentam os seus projetos pessoais de poder. É fundamental planejamento global e de longo prazo, mas esta articulação de interesses quer apenas projetos pontuais e focalizados que viabilizam os negócios na cidade e os negócios com a cidade. É fundamental a regulação pública, mas o que se vê é o Estado sendo centralmente tratado apenas como habilitador dos negócios. É fundamental um planejamento metropolitano, no entanto estes interesses impõem o planejamento dos ricos municípios centrais. É fundamental enfim a aplicação efetiva do Estatuto da Cidade e dos Planos Diretores como expressão, embora esses instrumentos estejam sendo desprezados pelos governantes em favor de projetos estratégicos de governo.
O Observatório das Metrópoles, em seus trabalhos de pesquisa, vem buscando colocar em evidência este conflito. No dia 30 de janeiro de 2011, o coordenador do INCT Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, publicou o artigo “Desastres urbanos: que lição tirar?” na Revista Carta Capital (edição 630, 26 de janeiro de 2011), no qual expõe a precariedade das nossas cidades e que o espaço urbano continua sendo apropriado por formas totalmente à margem da regulação pública.
Leia “Desastres urbanos: que lição tirar?”
Na cidade do Rio de Janeiro, além dos desastres naturais, o que se vê é a sucessão de diversas tragédias urbanas, cotidianas, que explicitam o sucateamento da sua infraestrutura, e os seus limites para o desenvolvimento econômico. Segundo dados de O Globo, o Rio tem, em média, uma explosão de câmaras subterrâneas da Light a cada três meses. De acordo com o levantamento, desde 2004 foram registrados 28 casos de explosões em bueiros da Light, todos na Zona Sul e no Centro.
No período, aconteceram ainda três incêndios em galerias de distribuição de energia e nove registros de fumaça em câmaras subterrâneas da empresa, totalizando 40 ocorrências. Dezoito pessoas ficaram feridas e houve nove casos de danos a carros e prédios, sem contar os episódios de interrupção de energia. No ano de 2010, um casal de turistas americanos foi atingido quando o bueiro na esquina da Rua República do Peru com a Avenida Nossa Senhora de Copacabana explodiu. Sarah Nicole Lowry, de 28 anos, foi arremessada, com a roupa em chamas, a uma distância de cerca de oito metros. Ela teve 80% do corpo queimado, enquanto seu marido, David James McLaughlin, de 31 anos, sofreu queimaduras em 35% do corpo. Em janeiro deste ano o acidente mais grave: a explosão de um bueiro de águas pluviais no Cais do Porto, na zona Portuária da cidade, matou o funcionário Rafael Martins de Souza, da empresa Triunfo Logística, e feriu outros dois funcionários.
Em agosto de 2011, as concessionárias Light e CEG assinaram o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Estadual, que prevê a obrigatoriedade de renovação das suas instalações e redes subterrâneas até julho de 2012. A Secretaria de Conservação e Serviços Públicos da Prefeitura do Rio (Seconserva) anunciou, em janeiro de 2012, que o trabalho de vistorias em bueiros na cidade será realizado pela Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa), em parceria com as concessionárias Light e CEG. Desde o início do trabalho da Seconserva, foram realizadas 40.320 vistorias, onde foram encontrados 314 bueiros com alto risco de explosão.
A falta de fiscalização por parte do poder público resultou em outra tragédia em outubro de 2011 quando o restaurante Filé Carioca, localizado na Praça Tiradentes, região central da cidade, explodiu por conta de vazamento de gás, matando três pessoas e ferindo 17. De acordo com as investigações, a possível causa do acidente foi o armazenamento inadequado de gás. O saldo final, além da dor das vítimas e familiares, foi a mácula à imagem pública da cidade que no contexto dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 se vê envolvida em mais um acidente urbano.
A realidade do transporte público na região metropolitana do Rio de Janeiro é igualmente pouco alentadora, já que a ineficiência e o sucateamento do sistema estão vinculados a um processo histórico de exclusão da população. Na tarde do dia 27 de agosto de 2011, um bondinho descarrilhou numa ladeira de Santa Teresa, bateu num muro, matando seis pessoas e ferindo 56. Um dia depois do acidente, o secretário estadual de Transportes, Júlio Lopes, disse que o motorneiro deveria ter conduzido a composição, que colidira levemente num ônibus horas antes do acidente, à oficina, o que, segundo Lopes, evitaria a tragédia. A declaração foi recebida com indignação pelos moradores de Santa Teresa, que acusaram o secretário de culpar o motorneiro pelo acidente.
O laudo final do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), da Polícia Civil, apontou que o bondinho envolvido na tragédia apresentava 23 problemas e não tinha condições de circular. Dentre as irregularidades encontradas no bondinho havia o remendo feito com arame em uma peça próxima a uma sapata de freio; dentro do sistema de ar comprimido, responsável pelo acionamento dos freios, foram encontradas óleo e água – o que, segundo o laudo, evidenciou falta de manutenção preventiva; o documento revelou ainda que peças do eixo do bonde foram fabricadas artesanalmente ou estavam soldadas ao chassi de forma grosseira. De acordo com o ICCE, o bonde tombou por falha no sistema de freios, causado por falta de manutenção adequada. Havia até uma estopa sendo usada como tampa da caixa de lubrificação. A superlotação do bonde também ficou comprovada: no momento do acidente, o bonde estava com excesso de passageiros: 62, enquanto o máximo permitido é de 40 pessoas.
A maior tragédia da história do bondinho de Santa Teresa expôs a fragilidade do sistema de transporte que atraía milhares de turistas e que sempre representou simbolicamente o Rio de Janeiro. O laudo final do ICCE apontou que o desastre foi mais do que anunciado, sendo que a omissão do governo estadual não foi menor, já que havia empenhado, em 2007 e 2008, apenas 7% do previsto no programa de “revitalização, modernização e integração de bondes”. Na semana da tragédia, o governador Sérgio Cabral (PMDB) assumiu o erro e disse que o governo iria buscar uma solução imediata e completa para o sistema de bondes. “Os dados mostram que os bondes representavam apenas 3% do volume do uso coletivo e ainda sim era muito desorganizado, com baixo número de funcionários e sem manutenção”, afirmou Cabral. Se um sistema que era responsável apenas por 3% do volume foi sucateado, o que esperar do sistema mais robusto de transporte público?
É o caso dos trens da Supervia, que ligam o centro às zonas Norte e Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Mês a mês, o que se vê no noticiário são trens descarrilhados, panes, usuários caminhando sobre os trilhos, violência e desrespeito com a população. Levantamento divulgado pelo Jornal do Brasil mostra que, desde 2009, foram pelo menos 14 ocorrências graves na linha férrea da região metropolitana do Rio, entre descarrilhamentos, atropelamentos, panes e outros problemas em um intervalo de apenas 36 meses, uma média de ao menos um acidente grave a cada 75 dias. Em janeiro de 2010, passageiros ficaram apavorados depois que um trem do ramal Japeri percorreu o trajeto entre as estações de Ricardo de Albuquerque e Oswaldo Cruz sem maquinista, episódio que ficou conhecido como o “trem-fantasma”. Em março, problemas técnicos fizeram com que um trem lotado tivesse um princípio de incêndio. Passageiros que tentavam embarcar na estação Saracuruna se revoltaram e acabaram depredando as instalações da estação. Em abril do mesmo ano, um descarrilhamento nas imediações da estação de Deodoro deixou mais de 60 pessoas feridas, algumas com gravidade, como fraturas.
O ano de 2011 também foi marcado por acidentes e desrespeito com os usuários dos trens. Em junho, um trem se chocou com um carro em uma passagem de nível no bairro de Austin, em Nova Iguaçu. Apenas um mês depois, novo acidente no ramal Japeri. Um trem que seguia da estação de Austin para a de Queimados descarrilhou e se chocou de frente com outra composição. Mais uma vez, uma tragédia foi evitada por pouco e não houve feridos. O mês mais problemático, no entanto, foi outubro, quando em dias seguidos acidentes aconteceram nos trens metropolitanos. No dia 5, dois vagões de um trem que seguia para Santa Cruz se soltaram do restante da composição e trafegaram sem controle por um trecho. O acidente provocou interrupção na circulação e grandes atrasos. Na noite do dia 6, mãe e filho morreram após serem atropelados por uma composição na altura de Manguinhos. No dia seguinte, um trem descarrilou a poucos metros da estação Japeri. Outro descarrilamento foi registrado no dia 24, no ramal Saracuruna, e os passageiros foram obrigados a caminhar pela linha férrea até a estação de Jardim Primavera. Em novembro, outros dois incidentes. No dia 3, mais um trem descarrilou, desta vez nas proximidades da estação de Anchieta, obrigando os passageiros a caminharem mais de 200 metros pelos trilhos. Já no dia 7, um passageiro acabou caindo entre no vão entre o trem e a plataforma na estação do Méier.
No dia 09 de janeiro de 2012, mais um problema com o sistema de freios em um dos trens da Supervia resultou numa onda de revolta dos usuários, acabando em atos de depredação na linha férrea e na estação Madureira. O problema atingiu cerca de 80 mil pessoas – média de passageiros que o sistema transporta durante o período de 7h às 8h 30. O secretário estadual de Transportes Júlio Lopes admitiu, após o incidente, que o serviço de trens ainda é deficiente no Rio e que a população enfrentará problemas nos trens pelos próximos dois anos – prazo em que devem acontecer algumas melhorias, como a compra de novas composições e obras nas estações. O presidente da Supervia, Carlos José Cunha, pediu desculpas à população e disse que o trem defeituoso era da série 400, os mais antigos da empresa, com 50 anos de vida útil. A empresa ainda tem 49 desses equipamentos em operação.
A questão do transporte público se caracteriza, cada vez mais, como o principal desafio nacional para a inclusão, para o acesso da maioria da sua população às redes de consumo e serviços. Apesar disso, a política do governo federal e dos estados tem valorizado, sobremaneira, o uso do automóvel como política prioritária de mobilidade urbana. No artigo “Da crise da mobilidade ao apagão urbano”, do professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e do pesquisador Juciano Rodrigues, o INCT Observatório das Metrópoles mostrou que a opção pelo transporte individual em detrimento das formas coletivas e a falta de planejamento são os fatores recorrentes da precarização do transporte público brasileiro. A realidade na maioria das nossas 15 metrópoles é que o número de automóveis aumentou em 66% entre 2001 e 2010, enquanto a população cresceu por volta de 10,7%, o resultado é o aumento em torno de 920 mil carros a cada ano.
Leia “Da crise da mobilidade ao apagão urbano”
Outro problema decorrente do aumento do número de automóveis são os congestionamentos nos grandes centros urbanos. O brasileiro que vive nas regiões metropolitanas do país gasta cada vez mais tempo no trajeto casa-trabalho. É o que mostra pesquisa realizada com os dados da PNAD, nas 10 RMs pesquisadas, ao se comparar o percentual de pessoas que demoravam mais de 1 hora para se deslocarem diariamente de suas casas até seu local de trabalho, ou vice-versa, entre 2001 e 2008, constatou-se que ocorreu um aumento em quase todas as metrópoles. Apenas em Curitiba este percentual diminuiu; em todas as outras houve aumento, e o maior deles é de 5,8 pontos percentuais, o qual ocorreu em Salvador. Nas duas maiores metrópoles, São Paulo e Rio de Janeiro, o aumento foi de 3,7 e 4,1 pontos percentuais, respectivamente.Surpreendentemente, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro é onde existe um maior percentual de pessoas que levam mais de 1 hora no trajeto casa-trabalho, mais que São Paulo, inclusive. Vale lembrar que a maior das metrópoles brasileiras tem cerca de 19,4 milhões de habitantes, enquanto a metrópole fluminense tem uma população em torno de 11,8 milhões de pessoas.
O Rio de Janeiro tem vivido, nos últimos anos, um contexto de crescimento econômico, resultado dos investimentos da cadeia do petróleo e dos investimentos decorrentes dos preparativos para a realização da Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos 2016. No entanto, a sua infraestrutura urbana tem dado sinas de alerta, acompanhada da ineficiência das políticas públicas estaduais e municipais. A maior tragédia da cidade aconteceu no começo deste ano, no dia 25 de janeiro de 2012.Três prédios do Centro do Rio desabaram próximo ao Teatro Municipal, matando mais de 15 pessoas e deixando a população carioca perplexa. Um deles, o Edifício Liberdade, era localizado na Avenida Treze de Maio e tinha 20 andares, e caiu sobre um outro prédio, de quatro pisos, onde funcionava uma loja que não estava ocupada no momento do desabamento. Já a outra construção – o Edifício Colombo, de 10 andares – ficava localizada na Rua Manoel de Carvalho. Dentre as hipóteses levantadas por especialistas para explicar o motivo do acidente, a maioria delas está associada a um possível problema estrutural e obras no prédio Liberdade são apontadas como as causas que abalaram a estrutura do edifício.
Por conta da tragédia, o Rio de Janeiro também recebeu menção negativa da imprensa internacional. A revista norte-americana “Time” publicou artigo afirmando que a capital fluminense precisa investir em manutenção para sua estrutura “decadente” a fim de sediar bem os Jogos Olímpicos.
Nesse contexto do limite da infraestrutura urbana para o desenvolvimento, o Brasil ainda enfrenta o problema da desigualdade e da exclusão de parte da sua população que vive nos grandes centros – moradores de favelas, em domicílios não ligados à rede coletora de esgoto, e com uma densidade média que, ainda em 2009, se encontrava acima de 2,6 moradores por banheiro. Segundo os últimos dados divulgados pelo Censo 2010, 88,6% dos domicílios em aglomerados subnormais (assentamentos irregulares conhecidos como favelas) estão localizados em 20 regiões metropolitanas brasileiras, sendo que as RMs de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Belém concentram quase a metade (43.7%) dos domicílios em aglomerados no total do país. Os dados mostram ainda que o Brasil possui 6.329 aglomerados subnormais em 323 dos seus 5.565 municípios. Os aglomerados subnormais concentram 6,0% da população brasileira (11.425.644 pessoas), distribuídos em 3.224.529 domicílios particulares ocupados (5,6% do total). A Região Sudeste concentrava 49,8% dos 3,2 milhões de domicílios particulares ocupados em aglomerados subnormais (23,2% em São Paulo e 19,1% no Rio de Janeiro). Os estados do Nordeste tinham 28,7% do total (9,4% na Bahia e 7,9% em Pernambuco). A Região Norte possuía 14,4% (10,1% no Pará). A ocorrência era menor nas regiões Sul (5,3%) e Centro-Oeste (1,8%).
Análise realizada pelo INCT Observatório das Metrópoles, a partir dos dados do Atlas do Saneamento 2011 (IBGE), mostra que, entre 2000 e 2008, houve aumento no número de municípios cobertos por saneamento básico em todo o País, resultado da reestruturação dos investimentos no setor a partir de 2003. Apesar da melhora, o Brasil ainda precisa avançar muito para oferecer à totalidade da sua população um serviço sanitário adequado, já que pouco mais de 3 mil municípios brasileiros, o equivalente a 55,2% do total, contam com coleta e tratamento de esgoto.
Leia “Atlas do Saneamento 2011: apenas 45,7% dos domicílios brasileiros são atendidos por rede de esgoto”
Diante de todos esses fatos e números, vê-se que os desafios são muitos para o Brasil oferecer condições ao desenvolvimento econômico, sustentável e com bem-estar à população brasileira. No centro do debate estão as cidades. Ao se pensar sobre a importância que ocupam no cenário nacional, fica difícil garantir um padrão de vida mínimo para a população sem a elaboração de políticas que visem combater a exclusão social promovida pela (des) organização das áreas urbanas. É o urbano que configura o limite para o desenvolvimento, é ele também a chave para uma ação mais democrática, inclusiva e cidadã. Sem que uma maior atenção seja dada à gestão e planejamento de nossas cidades é bem provável que o país continuará testemunhando a exclusão de uma parcela considerável de brasileiros e a lamentar anualmente as vidas perdidas nas tragédias naturais e urbanas.
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