Lançamento Dossiê: Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro
Altair Antunes Guimarães vivia na Ilha dos Caiçaras, perto da Lagoa Rodrigo de Freitas, quando em 1969 foi expulso da comunidade com sua família. Em meados da década de 90, ele é novamente removido agora da Cidade de Deus para a construção da Linha Amarela. Em 2012, Altair enfrenta novo processo de remoção em Vila Autódromo, o terceiro em quatro décadas. Sua história é a síntese da forma como o poder público intervém no espaço ocupado por famílias de baixa renda no Rio de Janeiro – uma lógica segregadora que vem se repetindo ao longo da história e que agora volta com toda força legitimada pelos grandes eventos esportivos.
O Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas promove, nesta quinta-feira (19/4), o lançamento oficial do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro”. Na mesa, mediada por Marcelo Edmundo da Central dos Movimentos Populares, estarão presentes a relatora Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, o professor do IPPUR/UFRJ, Orlando Santos Júnior, e o presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo, Altair Antunes Guimarães.
Coordenado e produzido pelo Comitê Popular Rio, o documento contou com a colaboração de vários parceiros: Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), Central dos Movimentos Populares (CMP), Centro dos Direitos Econômicos e Sociais (CDES), Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN/IPPUR), Instituto Mais Democracia, Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro/IFCS-UFRJ), Fórum Popular do Orçamento do Rio de Janeiro, Justiça Global, historiador Luiz Antônio Simas e pesquisadores do INCT Observatório das Metrópoles.
O dossiê é dividido em eixos temáticos relacionados às áreas de investimento e intervenção do poder público para a preparação da cidade do Rio de Janeiro para a Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. Dentre os eixos, estão a Moradia, a Mobilidade, o Trabalho, a Segurança Pública, o Esporte, a Informação e Participação, o Orçamento e Finanças, as Iniciativas de Resistência e as Propostas do Comitê Popular Rio.
Durante o lançamento, o Comitê Popular Rio irá distribuir o documento a todos os presentes.
Serviço:
Quinta-feira, 19 de Abril, às 18h30
Auditório do Clube de Engenharia – Av. Rio Branco 124, 25° andar – Centro, Rio de Janeiro
Para mais informações, acesso o Comitê Rio.
“O poder de decisão do Rio Olímpico é da iniciativa privada e não do poder público”
O Comitê Popular Rio realizou o pré-lançamento do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro” no dia 16 de abril, na sede do IPPUR/UFRJ. O encontro contou com a participação do professor e pesquisador do Observatório das Metrópoles e relator nacional da Direito à Cidade da Plataforma Dhesca, Orlando dos Santos Júnior, e do deputado estadual e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ, Marcelo Freixo.
O professor Orlando dos Santos Jr. falou sobre o projeto Rio Olímpico e da meta do poder público em tornar a cidade mais competitiva, o oposto de um desenvolvimento com mais integração social e com respeito à dignidade humana. “O que se vê nos preparativos para os megaeventos no Rio é que os impactos das intervenções urbanas são de grandes proporções e envolvem diversos processos de exclusão social, com destaque para as remoções. Além disso, tem-se instaurado um processo de elitização e mercantilização da cidade, com um novo padrão de relação entre Estado, agentes econômicos e sociais marcado pela negação das esferas públicas democráticas de tomada de decisão. Verifica-se ainda ações autoritárias que definem o que chamamos de uma cidade de exceção – com decretos, medidas provisórias, leis dotadas ao largo do ordenamento jurídico e longe do olhar do cidadão, assim como uma emaranhado de portarias e resoluções que constroem uma institucionalidade de exceção”, afirmou.
Orlando Jr. destacou que o objetivo do Comitê Popular Rio é chamar a atenção das autoridades sobre o legado oculto para a cidade do Rio de Janeiro, ou seja, a construção de uma cidade ainda mais desigual com a exclusão de milhares de famílias e a apropriação da maior parte dos benefícios por poucos agentes econômicos e sociais.
Para o deputado estadual Marcelo Freixo, o esporte e o futebol – no caso da Copa do Mundo de 2014 – estão sendo usados como argumento para a elitização da cidade. “É muito importante entender as remoções a partir dessa concepção de cidade-empresa. Porque as remoções para os megaeventos estão ocorrendo no sentido da zona Oeste, sendo que essa região tem um terço da população do Rio de Janeiro e oferece menos de 10% dos empregos da cidade. Quer dizer, não precisamos nem usar o discurso da solidariedade de quem é removido, mas sim entender que a cidade inteira será afetada com esse processo. Porque a população transferida para a zona Oeste terá que se deslocar diariamente para a região central e outras áreas, causando mudanças na vida de todo mundo”, explicou.
“Esse modelo de cidade-empresa é vitorioso, mas não contempla a perspectiva de uma cidade para todos, porque o Rio de Janeiro nunca foi tão caro, nunca teve tanta violência e poder autoritário como agora. Podem argumentar que agora o Estado é mínimo. Mas não podemos esquecer que em todo lugar que o modelo do estado mínimo se tornou vitorioso, ele precisou ser um estado máximo de repressão, do discurso da ordem e do controle desta população que está fora do processo de cidadania. O Estado mínimo é sempre acompanhado do discurso contra a pobreza e de criminalização dos movimentos sociais”, afirma Freixo.
O deputado argumentou ainda que todos os instrumentos vigentes de uma democracia começam a ser desrespeitados, ou seja, as leis começam a serem flexibilizadas para a execução do projeto Rio Olímpico – sejam os licenciamentos ambientais e a não conformação dos Planos Diretores, fora o superfaturamento de obras e a ausência de transparência do processo. “É a lógica da cidade-empresa que é vendida como o que há de mais moderno no mundo; porém, nesse modelo o poder público inexiste, o poder público sucumbe porque ele vira uma agência regulamentadora dos grandes interesses privados. O norte passa a ser o interesse privado e a Prefeitura vira um balcão de negócios, sendo que o processo despolitiza a política para que os planos sejam aprovados”, defende Marcelo Freixo e conclui: “Eu sempre cito o exemplo do Maracanã para falar dessa relação do poder público com a iniciativa privada. Em 2007, o estádio passou por uma reforma que tinha como previsão inicial R$ 67 milhões – no final custou R$ 300 milhões de dinheiro público. Em 2010, o Maracanã foi colocado a baixo para nova reforma para a Copa com previsão de R$ 700 milhões; até o momento já se gastou R$ 1,5 bilhão – sendo que as construtoras envolvidas são a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Delta. A mesma Delta que está sendo acusada de envolvimento em muitos processos de corrupção. A mesma Delta que viaja de jatinho com o governador do estado, sendo que o governador tem o papel aqui de garantir os contratos da Delta, garantir os seus negócios. Quer dizer, é fundamental perceber qual o projeto de cidade por trás da Copa e das Olimpíadas – porque os eventos esportivos servem de argumento para a implementação desse modelo”.