Skip to main content

Neste artigo do Dossiê “Trabalho e território em tempos de crise” (Revista Cadernos Metrópole nº 38), Ana Paula Ferreira D’Avila e de Maria Aparecida Bridi, fazem uma discussão que procura averiguar em que medida houve no Brasil, nos governos Lula e Dilma, uma inflexão no modelo econômico como resultado da adoção de políticas neodesenvolvimentistas, que teve na reativação da indústria naval um dos seus pilares no campo da política industrial. Essa política, além da recuperação de um importante setor econômico, buscou descentralizar a localização dos estaleiros, com investimentos em Pernambuco e no Rio Grande do Sul.

No caso do Polo Naval de Rio Grande, após evidenciar os impactos positivos desse investimento ao estruturar uma nova cadeia produtiva e seu rebatimento sobre as atividades comerciais e imobiliárias locais, as autoras destacam que, embora não com a mesma intensidade com que se verificou no Rio de Janeiro, em 2015 ocorreu um forte processo de demissões no setor, parcialmente contido no ano seguinte em função de renegociações de projetos com a Petrobras. As autoras destacam, porém, com base em entrevistas com lideranças empresariais e trabalhistas, que, para além das características sazonais que marcam a atividade naval, a manutenção das atividades na cidade depende dos reposicionamentos que a política industrial do Governo Federal sofrerá sob a nova coalizão política, particularmente no que se refere ao setor de petróleo que é o principal demandante dos estaleiros nacionais.

O artigo “Indústria naval brasileira e a crise recente: o caso do Polo Naval e Offshore de Rio Grande (RS)” é um dos destaques do Dossiê Especial “Trabalho e território em tempos de crise”, presente na nova edição da Revista Cadernos Metrópole (nº 38).

Abstract

This article analyzes the reactivation of the shipbuilding industry in Brazil in the 2000s as a result of the neo-developmentalist policy of the governments of Lula and Dilma, which immediately reflected in the creation of jobs in the sector. Based on the historical contextualization of this industry in Brazil, with the use of data provided by the Annual Social Information List (Rais), by the General Roll of Employed and Unemployed Individuals (Caged), by the employers’ association (SinavaL), and by an interview with the workers’ union (Stimmmerg) on employment and its recent hiring dynamics, we have found that, although this activity is seasonal, characterized by the hiring of workers for specific projects, the employment crisis in 2015 can be explained by the political and legal scenario that has settled in Brazil.

INTRODUÇÃO

Por Ana Paula Ferreira D’Avila e de Maria Aparecida Bridi

O crescimento econômico de um país nem sempre se reflete em desenvolvimento social, visto que o último se trata também de uma questão política. Nesse sentido, argumentamos que “a preocupação com a pobreza e a desigualdade de grandes estratos sociais é um tema relativamente novo no pensamento econômico e na elaboração política” (Mutis, 2013, p. 155). A desigualdade é, de fato, um problema social, mas tal questão “aparece e desaparece segundo os ciclos econômicos, atmosfera política e os paradigmas dominantes” (ibid.).

Segundo Ramalho e Verás de Oliveira (2013, p. 212), a partir da ascensão de Luís Inácio Lula da Silva (Lula) ao Governo Federal em 2003, houve a retomada da dimensão social por meio de um conjunto de políticas. Em virtude disso, o debate sobre desenvolvimento ressurgiu na agenda política e sociológica. Nessa direção, em termos de desenvolvimento socioeconômico, o Brasil vivenciou um período importante devido à estratégia adotada pelo governo federal, o que “não significa que ele não seja fruto de um esforço de teorização, de concepções ideológicas e de escolhas políticas” (Traspdini e Mandarino, 2013, p. 19).

O crescimento econômico, ancorado na maior regulação do Estado e voltado para o consumo de massa, gerou, mediante a política de valorização do salário mínimo e de políticas sociais, uma melhor distribuição de renda (Pochmann, 2011, p.17), assim como políticas de criação de emprego. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lança- do em 2007, no segundo mandato de Lula, culminou com o fortalecimento do discurso neodesenvolvimentista, o qual, por sua vez, ob- teve respaldo numa conjuntura internacional, que proporcionou uma base para a retomada do crescimento econômico com distribuição de renda. Assim, segundo Verás de Oliveira (2014, p. 114), o governo acabou incorporando “o pressuposto desenvolvimentista do papel indutor do Estado, mas ao mesmo tempo o circunscreveu aos limites ditados pelos compromissos macroeconômicos”.

No primeiro mandato de Lula, o aumento do preço das commodities, somado às políticas distributivas, resultou em crescimento econômico satisfatório (Bresser-Pereira e Theuer, 2012, pp. 825-826). Cumpre ressaltar que, em termos de debate, tanto o desenvolvimentismo quanto o neodesenvolvimentismo são frutos de “apreensões teóricas e propostas de política econômica, limitadas aos marcos do capitalismo em seus diferentes momentos históricos e padrões de reprodução ampliada do capital” (Traspdni e Mandarino, 2013, p. 3). Podemos dizer, assim, que o neodesenvolvimentismo ou novo desenvolvimentismo são conceitos utilizados “como referência à nova leva de estudos sobre desenvolvimento, posteriores à hegemonia neoliberal” (Boschi e Gaitán, 2013, p. 325).

Os estudos sobre o neodesenvolvimentismo ou novo desenvolvimentismo (e ainda sobre o social-desenvolvimentismo), em face do novo quadro político e econômico no período pós anos 1990, destacam que houve uma retomada de uma parte do pensamento estruturalista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), mas essa revisão se deveu também ao “fracasso das políticas neoliberais que proclamaram o Estado mínimo e o poder autorregulador do mercado” da década anterior (ibid.).

Para Boschi e Gaitán (ibid., pp. 325-326), o grupo liderado por Bresser-Pereira na Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) tem em comum com a teoria cepalina a ideia do Estado como agente interventor responsável pela implementação de políticas (salário mínimo legal; transferências efetivas para os mais pobres; garantia de estabilidade de emprego; e combate à valorização cambial). Um segundo grupo situa-se na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na Associação Keynesiana Brasileira, os quais propõem ir além da questão macroeconômica, defendendo a compatibilidade entre crescimento e distribuição de renda.

Dois organismos públicos também se debruçam sobre a questão:o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é responsável por produzir e disseminar conhecimentos que dizem respeito à agenda do desenvolvimento, qual seja: a inserção externa, políticas de criação de emprego e proteção social, entre outras; e a Cepal, por sua vez, estimula a produção analítica e, em uma de suas vertentes, realiza a análise sobre os determinantes externos e internos e o papel ativo do Estado na economia política.

A “segunda geração” da Escola de Campinas constitui-se como fonte de análise crítica ao neodesenvolvimentismo. Esta enfatiza a “dimensão macroeconômica das políticas econômicas e outorga maior peso ao mercado privilegiando o estudo da relação entre desenvolvimento das forças produtivas e o mercado externo” (ibid., p. 327). Essa Escola propõe o social-desenvolvimentismo, pois entende o social como eixo central do desenvolvimento, o qual seria alcançado por meio do mercado interno e da ampliação do consumo da população excluída, situando a distribuição de renda como decorrência do desenvolvimento das forças produtivas. Combinando, portanto, a dimensão nacional e internacional (ibid., p. 328).

Assim, levando em consideração o debate teórico acima brevemente delineado, observamos que, a partir do governo Lula, o eixo social foi reinserido na agenda política por meio de uma série de políticas, dentre elas, a da valorização do salário mínimo, uma das formas de distribuir a riqueza gerada pelo país, e incentivo ao mercado interno via consumo. Em se tratando de política industrial, citamos o caso da reativação da indústria naval no Brasil e a descentralização dos estaleiros do Rio de Janeiro para outras regiões do País, tais como em Rio Grande, cidade situada ao sul do Rio Grande do Sul, e em Pernambuco, criando então novos territórios produtivos.

Interessa-nos, neste artigo, destacar um dos setores que se desenvolveu nesse período, o da indústria naval, que experimentou um boom em face do incremento das atividades petrolíferas e da descoberta do pré-sal pela Petrobras. Nessa conjuntura, surgiu a necessidade de construção de plataformas, navios e outras embarcações. O atendimento a tais demandas foi marcado pela adoção de uma política de forte conteúdo nacional, adotada pelo governo Lula. Assim sendo, a política estabelecida correspondeu à exigência de produção com percentual em torno de 60% de conteúdo nacional para o setor.

A retomada desse setor expressa o neodesenvolvimentismo (Bresser Pereira e Theuer, 2012) ou ainda o social-desenvolvimentismo (Boito Jr., 2012), que configurou o período Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2014) em seu primeiro mandato, ao implementar políticas estratégicas para o setor naval. De acordo com Bresser-Pereira e Theuer (2012, p. 826), “o governo não chegou a ser novo-desenvolvimentista do ponto de vista macroeconômico, mas o foi na política industrial e na política social”. Vejamos nas páginas que seguem a contextualização histórica desse setor, o seu incremento em uma região específica do Brasil, o Polo Naval e Offshore de Rio Grande (RS), seus reflexos no mercado de trabalho e o impacto da crise econômica e política vivenciada a partir de 2015, que se aprofunda em 2016.

Acesse o artigo completo no site da Revista Cadernos Metrópole.

 

 Última modificação em 13-04-2017 13:22:34