A urbanização ultrapassou as fronteiras sócio-espaciais, não somente entre cidade e interior, urbano e rural, centro e periferia, mas também entre escalas urbanas, regionais, nacionais e globais. O livro “Implosions/Explosions: Towards a Study of Planetary Urbanization”, organizado por Neil Brenner, parte da hipótese radical de Henri Lefebvre da urbanização completa da sociedade com o propósito de constituir um novo modelo de urbanização, orientado para a re-apropriação coletiva e autogestão democrática do espaço planetário como trabalho da espécie humana.
O INCT Observatório das Metrópoles apresenta ao público brasileiro a resenha do livro “Implosions/Explosions: Towards a Study of Planetary Urbanization”, escrita pela pesquisadora Daphne Costa Besen, com o intuito de divulgar no Brasil os estudos internacionais focados na construção de uma nova teoria urbana mundial.
Nesse sentido, a nossa Rede de Pesquisa também abre espaço para um diálogo permanente com o Urban Theory Lab, coordenado pelo profº Neil Brenner na Harvard Graduate of Design (GSD/EUA). Além de dar continuidade aos esforços da Rede Latinoamericana de Pesquisa sobre Teoria Urbana (http://www.relateur.org/) que busca incentivar a formação de um pensamento teórico-crítico latinoamericano sobre a problemática urbana da região, promover o intercâmbio de conhecimentos e o desenvolvimento de estudos comparados relacionados às grandes cidades da América Latina.
Os estudos desenvolvidos pelo Urban Theory Lab (http://urbantheorylab.net) têm um papel relevante para o pensamento crítico em relação aos processos capitalistas de urbanização com foco na construção de uma nova Teoria Urbana mundial.
O Urban Theory Lab parte do pressuposto de que as estruturas do conhecimento urbano devem ser radicalmente reinventadas para iluminar formas emergentes de vigésimo primeiro século da urbanização. Em contraste com a distinção rural/urbano/suburbano que há muito apoiado os principais tradições de pesquisa urbana, coleta de dados e prática cartográfica, o laboratório defende que o urbano hoje representa uma condição em todo o mundo em que todas as relações político-econômicas e sócio-ambientais são enredadas, independentemente da localização terrestre ou configuração morfológica.
Esta condição emergente de meios de urbanização planetários, paradoxalmente, que até mesmo os espaços que estão bem além dos tradicionais centros de aglomeração – como pistas de navegação, redes de transporte e infraestruturas de comunicação para locais de extração, enclaves turísticos costeiros de recursos, centros financeiros offshore, agro-zonas de captação industriais e antigos espaços “naturais”, tais como os oceanos do mundo, desertos, selvas, montanhas, tundra e atmosfera estão se tornando parte integrante de uma paisagem operacional em todo o mundo para processos (capitalista) de urbanização.
Através de uma distinção conceitual entre urbanização concentrado (aglomeração) e urbanização extensiva (paisagens operacionais) – desenvolvida em colaboração com o Profº Christian Schmid, da ETH-Zurich, o Urban Theory Lab pretende investigar as geografias históricas do tecido urbano-industrial capitalista em formas que substituem os binarismos metageográficos herdados, abrindo novas perspectivas sociológicas, cartográficas e políticos sobre a condição mundial-urbano contemporânea.
RESENHA
Implosions/Explosions: Towards a Study of Planetary Urbanization
Livro editado por Neil Brenner
Neil Brenner é Professor de Teoria Urbana na Harvard Graduate School of Design (GSD) e Coordenador do Urban Theory Lab. Sua pesquisa é focada nas dimensões teóricas, conceituais e metodológicas das questões urbanas. (Mais sobre o Urban Theory Lab: http://urbantheorylab.net).
Introdução disponível em: http://urbantheorylab.net/site/assets/files/1087/utl_implosions-explosions_chapter_1.pdf
Resenha submetida por: Daphne Costa Besen (mestranda em Ciências Sociais na UERJ e colaboradora do Observatório das Metrópoles)
“Implosions/Explosions: Towards a Study of Planetary Urbanization”, livro lançado em dezembro de 2013 por Neil Brenner, é dividido em sete partes e contém textos de diferentes autores incluindo o próprio Neil Brenner, Henri Lefebvre e David Harvey. Reunindo textos clássicos e contemporâneos sobre a questão urbana, o livro explora diversas implicações teóricas, epistemológicas, metodológicas e políticas sobre as hipóteses trazidas por Lefebvre de “implosão-explosão” e urbanização planetária.
Por muito tempo a questão urbana foi um ponto crítico de grande debate entre pesquisadores preocupados com a natureza das cidades e dos processos de urbanização. A maioria das abordagens do século XX tomaram uma entidade comumente rotulada como “the city” (a cidade) como sua unidade primária de análise e local de investigação. Assim, também encontramos muitos termos em oferta para rotular a unidade “city-like” em questão – metrópole, conurbação, cidade-região, área metropolitana, megalópole, zona de megalópole – e essas expressões têm refletido também as mudanças de fronteiras, morfologias e escalas de assentamentos humanos. Mas, além dos desacordos e das mudanças de paradigmas que afligiram a teoria urbana e a pesquisa durante o século passado, um consenso básico persistiu: a problemática urbana é pensada para ser incorporada no seu centro, em cidades – concebida como tipos de assentamentos caracterizados por certas características indicativas como tamanho, densidade e diversidade social, que as fazem qualitativamente distintas do mundo social da non-city, caracterizadas pelo subúrbio e meio rural localizados além ou fora delas.
O livro reúne uma série de contribuições para a questão urbana que vão além dos escritos que convencionalmente lemos sobre essa epistemologia. Seus capítulos articulam os elementos de uma maneira diferente da tradicional para entendermos a problemática da teoria urbana, e de modo geral, conceituar a marca e operacionalidade de processos urbanos na paisagem planetária. O objetivo é avançar uma corrente de pesquisa urbana que lance dúvidas sobre entendimentos estabelecidos do urbano como uma condição sócio-espacial restrita, nodal e autocontida em favor de condições territorialmente diferenciadas e morfologicamente variáveis. Construído com vários conceitos, métodos e mapeamentos, e em especial, a abordagem de Henri Lefebvre, o livro aspira desbancar a divisão urbano/não-urbano, que por muito tempo ancorou a epistemologia da pesquisa urbana, e nessa base, desenvolver uma nova visão de teoria urbana sem um outside.
Ao fazer isso, os pesquisadores preservam a centralidade analítica de aglomeração para a problemática da teoria urbana, mas a interpretam como apenas uma dimensão e expressão morfológica da forma capitalista da urbanização. Como essa realidade anterior não-urbana está cada vez mais subordinada e operacionalizada por um processo de abrangência da urbanização capitalista, o significado do urbano deve ele mesmo ser fundamentalmente re-imaginado tanto na teoria quanto na prática.
Em surpreendentes formulações, Lefebvre caracteriza a generalização da urbanização capitalista como um processo de “implosão-explosão”, expressão introduzida para iluminar os links mutuamente recursivos entre formas capitalistas de aglomeração e amplas transformações de território, paisagem e ambiente. As contribuições para esse livro são então construídas nas hipóteses de Lefebvre e análises subsequentes. Os autores sugerem maneiras as quais a teoria da urbanização completa está sendo atualizada tanto em escala planetária quanto em territórios específicos, regiões e lugares. Como muitos dos capítulos incluídos nesse livro sugerem, essa urbanização ultrapassou as fronteiras sócio-espaciais, não somente entre cidade e interior, urbano e rural, centro e periferia, metrópole e colônia, sociedade e natureza, mas também entre escalas urbanas, regionais, nacionais e globais, criando assim novas formações de uma paisagem urbana em que seus contornos são difíceis de teorizar e mapear utilizando as abordagens dos estudos urbanos.
O conceito de “implosão/explosão” é útil neste esforço porque oferece uma teoria completa e uma cartografia diferenciada do nosso momento emergente de global-urbano. Os autores do livro continuam preocupados com os processos de aglomeração, suas mudanças de papéis em regimes de acumulação de capital, e suas expressões em diversas formas morfológicas e configurações espaciais.
Na maior parte das vezes, seja nos estudos urbanos, teoria social ou sociologia histórica, a urbanização se refere ao processo do crescimento das cidades. E, de fato, é o conceito de urbanização que sustenta a afirmação de que uma “era urbana” começou recentemente devido à mudança da maioria da população global do interior para as cidades. Dessa forma, um novo entendimento sobre urbanização, que teorize sobre as relações entre processos de aglomeração e suas paisagens operacionais, incluindo a intensificação das formas de uso da terra, coordenação logística e luta sociopolítica é necessário. Logo, por meio de uma variedade de estratégias metodológicas, os autores desse livro oferecem ferramentas úteis para essas análises, explorando a dinâmica da implosão-explosão.
Concluindo, parece mais urgente do que nunca que se desenvolva teorias, análises e cartografias que situem tais paisagens operacionais – uso da terra; regimes de trabalho e relações de propriedade; formas de governança; impactos ecológicos e tecidos sociais em constante mudança – dentro do nosso entendimento da condição urbana contemporânea. O livro tem a intenção de avançar esse projeto com a esperança de que um novo entendimento sobre a urbanização possa se provar útil para as lutas atuais: a favor de um novo modelo de urbanização orientado para a re-apropriação coletiva e auto-gestão democrática do espaço planetário como trabalho da espécie humana.
Publicado em Notícias | Última modificação em 02-10-2014 15:40:15