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Artigo escrito por Luísa Pinto
Publicado originalmente no jornal Público

A Rede H – Rede de Estudos sobre Habitação fez um levantamento das medidas excepcionais tomadas por seis países europeus e encontrou diferenças. A Organização das Nações Unidas (ONU) pede aos governos que aproveitem a oportunidade para criarem “sistemas habitacionais sustentáveis e resilientes”.

Foto: Nuno Ferreira Santos (Reprodução jornal Público).

Ficar em casa é estar na linha da frente no combate aos efeitos da COVID-19. Se a habitação é um direito instituído nas leis fundamentais dos países europeus, agora é também uma necessidade para ajudar a combater a pandemia. Mas como muitas outras armas, também esta está distribuída de forma desigual. Não só há muitos cidadãos que não têm condições de cumprir de forma adequada essa recomendação de ficar em casa, porque não a têm (muito menos a cumprir isolamentos profilácticos que obrigam a casas de banho extra) ou porque têm situações económicas tão precárias, e às vezes informais, que sairão inevitavelmente penalizados adicionalmente com a crise trazida pela COVID-19.

Foi a pensar no futuro, e nas consequências desta pandemia na população mundial, que a relatora especial das Nações Unidas para Direito à Habitação, Leilani Farha, publicou a 8 de abril um relatório com linhas orientadoras que devem ser tidas em conta pelos países de todo o mundo. Nessas linhas encontram-se muitas das medidas que foram tomadas na Europa, como a suspensão de despejos ou as moratórias nos créditos à habitação. Mas também se encontra a especial preocupação que a relatora da ONU deixa nos apelos que faz para que, passando a emergência pública e a crise sanitária, o já frágil acesso à habitação por parte de muitos cidadãos não saia prejudicado.

Os Estados devem garantir que todas as medidas de emergência adoptadas para conter o vírus, e impedir que indivíduos e famílias percam as suas casas, estabeleçam as bases para a realização do direito à habitação quando a pandemia terminar. Esta é uma oportunidade para garantir que os sistemas habitacionais futuros são sustentáveis ​​e resilientes diante da próxima crise global”, pediu Leilani Farha.

Colocados perante o mesmo tipo de problemas e preocupações, os governos avançaram com respostas a vários tempos. A Rede H – Rede de Estudos sobre Habitação procurou fazer um levantamento sistemático das medidas adoptadas por seis países europeus à crise de COVID-19, todas com impacto directo nas políticas de habitação: despejos, arrendamento, crédito à habitação, habitação pública e medidas para os sem-abrigo. O resultado deste levantamento identifica algumas semelhanças, mas também muitas diferenças nas respostas encontradas.

As diferentes abordagens revelam distintos modos de actuação e ideologias políticas, mas decorrem também de contextos de partida diversificados. Com diferentes regimes de arrendamento e de sistemas de apoio social, há países que consideram ter já uma rede de segurança suficientemente abrangente que basta reforçar, enquanto outros têm de criar mecanismos de raiz para garantir o básico”, escrevem os investigadores, no levantamento a que o Público teve acesso. “De repente, torna-se evidente o que há muito é sabido: que a habitação condigna é uma condição central à saúde de quem a habita (e, por isso, à saúde de todas e todos) e um direito constitucional que a sociedade terá de garantir”, escrevem os investigadores e activistas, membros da Rede H, fundada em fevereiro deste ano e onde constam nomes como João Ferrão, Simone Tulumello, da Universidade de Lisboa, Nuno Travasso e Aitor Varea Oro, da Universidade do Porto, ou Christine Auer, da Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES) em Portugal.

Na síntese das medidas em cinco áreas-chave apuradas em Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, Reino Unido e Irlanda, o Público procurou juntar medidas excepcionais em França sobre este tema, mas a opção do governo francês foi simplesmente reforçar as prestações sociais pagas a todas as famílias e que deverão ajudar as pessoas a continuar a suportar as rendas e as prestações nos créditos.

Sem-abrigo

As medidas tomadas nesta área nos seis países analisados pela Rede H foram quase sempre da responsabilidade dos poderes locais, que foram desenvolvendo iniciativas de alojamento temporário, seja em pavilhões desportivos, como em vários casos de municípios nacionais (Lisboa, Cascais, Funchal), seja em alojamentos turísticos agora disponíveis (Berlim, Dublin), entre outros. As excepções são Inglaterra e Espanha, onde há respostas ao nível central. Inglaterra criou um fundo de emergência de 3,2 milhões de libras (3,6 milhões de euros) destinados às administrações locais, com vista ao alojamento de pessoas em situação ou risco de sem-abrigo. Esta resposta tem sido encontrada, nomeadamente, em estabelecimentos turísticos disponíveis (Manchester: 1000 camas; Londres: 300 camas). Espanha passou a incluir pessoas em situação de sem-abrigo no conjunto de beneficiários do seu programa de apoio às camadas sociais mais vulneráveis, que financia o acesso à habitação até 400 euros por mês. Mais recentemente, em Portugal, a rede de Pousadas da Juventude disponibilizou-se para dar apoio na resposta à pandemia, nomeadamente ao nível dos casos de necessidade de alojamento urgente, como pessoas em situação de sem-abrigo, para as quais foram reservadas 400 camas.

Despejos

Todos os países analisados criaram formas de suspender os despejos e reforçar a garantia de acesso a uma habitação, ainda que por via de diferentes mecanismos e com distintos graus de abrangência. Na maioria dos casos, a medida abrange todas as situações, mas na Alemanha ela aplica-se apenas aos que tiveram uma perda de rendimentos significativa devido à situação de emergência e não tenham alternativa habitacional. Em Espanha, os despejos já tinham sido suspensos, temporariamente e de forma generalizada, pelo Consejo General del Poder Judicial, devido à situação criada pela COVID-19. E governo espanhol prorrogou os contratos de arrendamento de habitação permanente findos, até dois meses após o estado de emergência. Em Portugal, os despejos – e a oposição à renovação de contratos – estão suspensos enquanto estiverem em vigor as medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica.

Arrendamento

Os países que já tinham sistemas de apoio à renda destinados aos inquilinos com baixo rendimento ou em situação de carência temporária (como Alemanha, Itália ou Reino Unido) reforçaram o orçamento dos seus sistemas de apoio (aumento dos valores de subsídio, maior abrangência dos critérios de elegibilidade, novos prazos de candidatura). Portugal e Espanha avançaram com moratórias relativas ao pagamento das rendas, destinadas a agregados familiares com perda significativa de rendimentos e uma taxa de esforço com a habitação superior a 35%. Estas moratórias vêm acompanhadas por mecanismos de apoio ao pagamento do valor em falta no período posterior ao tempo de emergência, nomeadamente por via de empréstimos estatais sem juros.

No caso português, estes empréstimos – com carência de seis meses – tanto podem ser pedidos pelos inquilinos elegíveis para moratória, como pelos senhorios que fiquem em situação de carência económica devido à perda de rendimentos resultante da moratória criada. No caso espanhol, o prazo de pagamento dos empréstimos poderá ascender a 10 anos. Contudo, o regime de empréstimos só poderá ser accionado em casos em que o senhorio seja um pequeno proprietário (ou, tratando-se de um grande proprietário, em casos em que o inquilino decidir optar por este regime e não pelo que seria aplicado ao seu senhorio). Para proprietários com mais de 10 imóveis no mercado de arrendamento deverá ser o próprio senhorio a reduzir a renda em 50% ou a aceitar o pagamento do valor em falta por um período de 3 ou 4 anos.

Comparativamente, em Portugal, quando o inquilino não pede empréstimo, terá apenas um ano para regularizar a situação. Em Espanha, no caso dos agregados familiares em carência económica que venham a ter dificuldade em assegurar o pagamento posterior do valor em falta, está previsto um apoio a fundo perdido que pode ascender a 1100 euros por mês.

Crédito à habitação

Em todos os países foram criadas moratórias ao crédito à habitação, ainda que sob diferentes regimes e níveis de abrangência. De um modo geral, são moratórias de capital e juros criadas por iniciativa pública, exclusivamente destinadas aos que sofreram impacto directo devido à situação de emergência criada pela pandemia.

A excepção é a Irlanda, onde não houve acção governamental nesta matéria, tendo sido as moratórias criadas pelos próprios bancos, neste caso estritamente de capital e com condições menos favoráveis para os clientes. No pólo oposto, Itália é o único país em que esta medida envolve despesa pública, com o Estado a assegurar o pagamento de 50% dos juros devidos durante o período da moratória.

Habitação pública

Embora não tenham conseguido recolher informação para todos os casos, percebe-se que, sobretudo através da acção das entidades de administração regional ou local, foram sendo encontradas formas de apoiar residentes em habitação pública, por via da revisão dos valores das rendas ajustadas aos rendimentos auferidos durante este período, da negociação de dívidas, da criação de moratórias ou mesmo da isenção de rendas.