O INCT Observatório das Metrópoles divulga o relatório “A Governança Metropolitana da Europa”, pesquisa produzida em parceria com os professores João Seixas e Rosa Branco, da Universidade de Lisboa, que teve como objetivo levantar os principais problemas da evolução dos territórios metropolitanos europeus, focando nos diferenciais entre as forças e necessidades dos novos espaços e sistemas meta-urbanos, e os seus atuais e hipotéticos espaços de ação estratégica e política. O estudo propõe uma tipologia da evolução política metropolitana das grandes cidades europeias, bem como uma reflexão conjunta dos seus projetos sociopolíticos metropolitanos.
O relatório “A Governança Metropolitana da Europa” contou também com o levantamento do projeto “A construção de projetos metropolitanos. Experiências internacionais de sistemas de governança metropolitana (2010)”, produzido pela pesquisadora Sol Garson (Observatório das Metrópoles/IPPUR/UFRJ), financiado pela FAPERJ.
O trabalho desenvolvido por João Seixas e Rosa Branco analisa a evolução das grandes urbes da Europa ocidental, especialmente nos aspectos políticos-institucionais de 16 metrópoles concretas.
Leia a seguir trecho do capítulo “Questões-chave da Governança Metropolitana Europeia”.
Questões-Chave da Governança Metropolitana Europeia
C1. Modelos de governança metropolitana
A evolução dos modelos de governança metropolitana, nomeadamente os Europeus e Norte-Americanos, pode ser analiticamente estruturada em torno de três tipos de modelos, cada um no âmbito de uma fase histórica distinta – embora todos eles reconhecendo ‘a questão metropolitana’.
Cada um destes modelos tem concepções distintas da questão metropolitana, muito especialmente no âmbito do que significa a governança de um sistema poliédrico e não unívoco – incluindo as suas bases políticas e democráticas (Tomás, 2009).
A. A escola da reforma (reform school) incidiu sobretudo na década de 1960, até meados da década de 1970. Baseava-se na elevada capacidade do Estado em controlar e regular as principais questões metropolitanas, notavelmente as de planejamento e de redistribuição, e com base nos princípios de igualdade e de eficiência de serviço público no território, qualquer que ele fosse.
É claramente uma escola de base de ‘governo’ e ‘institucionalista’, criando-se estruturas metropolitanas autônomas, com amplas competências e forte legitimidade política, preferencialmente de eleição direta pelos cidadãos. Não abolindo a escala do governo local, ou do município, mas reforçando as capacidades territoriais da escala de ação política metropolitana – a chamada solução two-tier. Embora bastante compreensível, este foi um modelo muito atacado quer pelos governos centrais quer pelos governos locais, ambos vendo nas novas entidades, um sério concorrente ao seu protagonismo político.
B. A escola da escolha pública (public choice school) desenvolve-se na década de 1980. Baseia-se na premissa que uma lógica de competitividade entre os diferentes territórios e municípios de um dado sistema urbano, produzirá não só uma qualificação dos serviços públicos proporcionados, mas também uma forma mais clara de escolha de cada cidadão face ao território por si preferente. Dito de outra forma, defende-se neste modelo a fragmentação institucional como elemento virtuoso de qualificação dos territórios, para além do enaltecimento das escolhas individuais.
Nestas lógicas, não tem qualquer sentido a existência de autoridades metropolitanas, pugnando põe princípios de igualdade de serviço público e de solidariedade institucional. Os municípios ganham muito mais autonomia e competências quase absolutas de gestão territorial. Poderão não obstante constituir-se autoridades metropolitanas ou intermunicipais, para a resolução de determinadas problemáticas comuns e de evidente gestão conjunta – mas tal deve ser decisão colegial e voluntária dos próprios municípios, em possíveis acordos de geografia variável. Este modelo foi amplamente defendido por sistemas valorizadores da democracia liberal. Mas originou com o tempo importantes dilemas: em questões de investimento público excessivo e disperso, não estrategicamente integrado; em questões ambientais como as do consumo do solo, da forte urbanização e do urban sprawl; enfim em questões socioeconômicas ligadas a alguma guettização de problemas sociais ou fortes externalidades negativas derivadas da fragmentação das atividades e mobilidades humanas.
C. A escola do novo regionalismo (new regionalism school) consolida-se a partir de 1990, e até hoje. Procura integrar as virtudes dos modelos de reforma institucional com as dos modelos de public choice. Face à profunda complexificação dos sistemas metropolitanos, dá-se o reconhecimento relativamente amplo do crescente policentrismo destes, bem como de uma crescente interdependência entre os diferentes territórios intrametropolitanos, por conseguinte da necessidade de estratégias integradas de planejamento e de ação, em determinadas escalas e prioridades.
Esta nova visão apela à instauração de mecanismos flexíveis de coordenação vertical (agências setoriais, por exemplo) bem como de estruturas de colaboração horizontal (parcerias, estruturas de planejamento estratégico, etc.), sem deixar de dar relevância à proximidade política. O novo regionalismo procura ser não demasiado centralista como era o modelo de reforma, nem demasiado autonomista como era o modelo de public choice; procura incluir os diferentes atores, em formas de ação e colaboração mais complexas, mas também mais consensuais, cooperantes e multi responsáveis. É um modelo que defende assim o primado de um novo conceito sociopolítico: a governança (Jouve e Lefévre, 1999). Em permanente construção, necessita como tal de atento monitoramento, ou de instrumentos de accountability. Será esta a sua principal área de questionamento: como estruturar eficazes e abertos instrumentos de accountability em regimes flexíveis e de primado da governança.
Para além dos períodos históricos concretos em que cada um destes três modelos teve a preponderância, o mais relevante para os dilemas levantados à questão metropolitana contemporânea, coloca-se no que cada um deles representa (Tomás, id.). A perspectiva reformista defende instituições metropolitanas com fortes competências e de eleição direta. As perspectivas da Public Choice defendem que a cooperação não se pode forçar e que a fragmentação institucional é positiva. O ‘novo regionalismo’ reconhece a necessidade de reformas institucionais, sobretudo para as escalas supramunicipais, em franca necessidade de pensamento integrado e estratégico; mas por outro lado defende soluções flexíveis e adaptáveis, em processos semi-institucionalizados.
Estes três modelos são obviamente ‘modelos idealizados’ ou teóricos. Os mais diversos processos de reforço das capacidades e escalas de ação desenvolvidos nas diferentes áreas metropolitanas Europeias, embora se possam ter baseado mais num modelo do que noutro, têm tido, sobretudo, processos mistos, relativamente adaptados consoante as evoluções dos processos ideológicos e de negociação.
Acesse o relatório completo “A Governança Metropolitana na Europa” aqui.