Este artigo analisa políticas públicas visando a recuperação ambiental de córregos urbanos, como novo paradigma na gestão dos recursos hídricos. O texto aborda o padrão de urbanização da cidade de São Paulo que resultou na degradação de seus recursos hídricos e o alcance das políticas públicas voltadas à sua recuperação. Acesse o dossiê “Águas Urbanas” da Revista Cadernos Metrópole nº 33.
O artigo “Governança da água e inovação na política de recuperação de recursos hídricos na cidade de São Paulo”, de Pedro Roberto Jacobi, Ana Paula Fracalanza e Solange Silva-Sánchez, é um dos destaques do Dossiê “Águas urbanas”, da Revista Cadernos Metrópole nº 33.
Abstract
The degradation of urban rivers and creeks in large cities has stimulated the proposition of different public policies. This article analyzes public policies targeted at the environmental recovery of urban creeks as a new paradigm in the governance of water resources. The text approaches the urbanization pattern of the city of São Paulo, which has produced the degradation of its water resources, and the reach of public policies that aim at their recovery. In a context of contaminated creeks, floodplains occupied by squatter settlements, and lack of collection and treatment of sewage, policies for the environmental recovery of the water network can transform these creeks into important providers of ecosystemic services. Policies of recovery of urban rivers and creeks have a recognized innovative potential and can contribute to build a more sustainable city.
Keywords: municipality of São Paulo; water governance; environmental degradation; recovery of water resources; linear parks.
Introdução
A cidade de São Paulo é o maior município da Região Metropolitana de São Paulo, com mais de onze milhões de habitantes. Sua estrutura hidrográfica é formada por 82 bacias contidas integralmente em seu território e outras 21, contidas apenas parcialmente no município. Os principais cursos d´água totalizam mais de cem afluências dos rios Tietê, Pinheiros, Tamanduateí, além das bacias que drenam as represas Guarapiranga e Billings, na região sul do município (São Paulo, 2012).
O padrão de estruturação urbana que se estabeleceu no município provocou uma significativa degradação de seus recursos hídricos, com a ocupação intensiva e irregular de áreas de mananciais e fundos de vale. Além de ter resultado em uma elevada impermeabilização do solo urbano e na contaminação dos cursos d´água em razão da ausência de uma rede adequada de coleta e tratamento de esgotos, a ocupação dessas áreas ambientalmente frágeis colocou em situação de risco aqueles que ocupamas margens dos córregos da cidade (Rolnik e Nakano, 2000).
O crescimento da cidade e os sucessivos planos e programas de intervenção urbana, como o “Plano de Melhoramentos do Rio Tietê”, de 1922 e “Plano de Avenidas” de Prestes Maia, de 1930, resultaram em grandes modificações da rede hídrica original, com a canalização e retificação de cursos d´água e aterramento de várzeas. As várzeas dos rios Tietê, Pinheiros e Anhangabaú, que até a década de 1920 ainda se constituíam em grandes vazios urbanos, foram aterradas e urbanizadas.As obras de retificação do Rio Pinheiros previamo aproveitamentohidrelétrico, com a transposição de suas águas e construção das barragens dos rios Grande e Guarapiranga; a retificação do Tietê possibilitou a construção das vias marginais ligando o centro aos novos bairros que surgiam (São Paulo, 2004a). A paisagem natural, caracterizada pelos meandros dos rios, pelas extensas áreas de várzea foi sendo substituída por canais retilíneos, vias de fundo de vale, como é o caso da Avenida Nove de Julho.
Modificações no ambiente, tais como a impermeabilização do solo, a alteração nos leitos e nas margens dos rios e a diminuição da cobertura vegetal nas cidades, são fatores que podem provocar alterações no ciclo da água. Uma situação exemplar desse fenômeno é a dimensão assumida pela transformação das enchentes em inundações, problema esse decorrente de alterações no espaço geográfico urbano.
A abordagem aqui desenvolvida tem como foco analítico o conceito de governança, que se baseia na premissa de ser resultado da ação de múltiplos atores, dentre os quais o Estado que, sem dúvida, é o mais importante. Configura-se assim o exercício deliberado e contínuo de desenvolvimento de práticas cujo foco analítico está na noção de poder social que media as relações entre estado, sociedade civil e agentes econômicos, e que podem ampliar os mecanismos de democracia participativa.
O tema governança” insere-se nas novas tendências da administração pública e de gestão de políticas públicas, principalmente quando se considera a possibilidade de incluir novos atores sociais no processo decisório no intuito de promover melhoria na gestão e avançar na democratização desses processos. Adota-se, portanto, uma visão que identifica todos os esforços relacionados com a construção social para articular teorias, agendas, sujeitos e potencialidades, construção de alianças e cooperação, além de acumular energia para romper com as abordagens verticais e estanques das atividades humanas e transcender aquelas que se baseiam na supremacia do mercado (Jacobi,2012). Desse modo, configura-se um processo no qual se torna implícita a disseminação de alguns dos poderes centrais para instâncias do setor público, mais próximas da escala local decisória, e menos hierarquizadas, o que determina a inclusão de novos agentes, instituições e estruturas no processo decisório.
Portanto, criam-se as condições para uma participação concertada entre vários representantes da sociedade civil na condução política e tomada decisória, em oposição à tradicional perspectiva top-down da administração centralizada. A abordagem da governança ambiental tem uma história recente, ganha impulso a partir de meados da década de 1980 e refere-se a formas de governar os recursos naturais envolvendo diferentes atores – governo, empresariado e o espectro ampliado da sociedade civil. Abre-se um estimulante espaço para repensar as formas inovadoras de gestão, na medida em que fazem parte do sistema de governança: o elemento político, que consiste em balancear os vários interesses e realidades políticas; o fator credibilidade, instrumentos que apoiem as políticas, que façam com que a população identifique nas ações e decisões políticas a solução de seus problemas; e a dimensão ambiental.
O processo de governança envolve múltiplascategorias de atores, instituições, inter-relações e temas, cada um dos quais suscetível a expressar arranjos específicos entre interesses em jogo e possibilidades de negociação, expressando aspectos de interesse de coletividades, com ênfase na prevalência do bem comum (Jacobi, 2012).
A literatura sobre o tema enfatiza a governança da água, como a realizada por meio da participação, envolvimento e negociação de multiatores (multi-stakeholders), da descentralização, transferindo poder para o governo local (empowerment), da unidade de gestão por bacia hidrográfica, por exemplo, e de mecanismos para resolução dos conflitos (Solanes e Jouralev, 2006; Castro, 2007).
Ao utilizar o conceito de governança, associam-se à implementação socialmente aceitável de políticas públicas, novos atores sociais na construção de agendas participativas,´de modo que a gestão passa a considerar novas relações entre sociedade, estado, agentes econômicos, direito, instituições, políticas e ações governamentais. No Brasil, as diferentes engenharias institucionais e transformações em curso nos organismos colegiados mostram que a implantação efetiva dos diversos instrumentos de participação pode mudar os padrões de governança, estabelecendo novas mediações entre estado e organizações da sociedade civil, baseadas no aprimoramento de suas relações democráticas.
Poderão representar uma possibilidade efetiva de transformação da lógica de gestão da administração pública, abrindo um espaço de interlocução muito mais complexo, que amplia o grau de responsabilidade de segmentos que sempre tiveram participação assimétrica na gestão pública.
Acesse o artigo completo na edição nº 33 da Revista Cadernos Metrópole.