Em 2008 a Região Metropolitana da Grande Vitória registrou taxa de 80 homicídios por 100.000 habitantes, concentrando 66% dos 1.903 homicídios do Espírito Santo naquele ano. Quais os motivos que conformaram esse território urbano em um espaço de alta criminalidade? Esse é o ponto de partida da obra “Geografia do Crime e Arquitetura do Medo”, do professor Pablo Lira, que analisa como a violência influencia a construção, composição e organização espacial da cidade contemporânea. O livro conta agora com uma segunda edição disponível para download no site do Observatório das Metrópoles.
O livro “Geografia do Crime e Arquitetura do Medo” integra o selo “Coleção Metrópoles” do INCT Observatório das Metrópoles, voltado para a difusão dos nossos resultados de pesquisas relacionados às principais regiões metropolitanas brasileiras. A publicação, lançada em 2014, contou com financiamento da Lei Rubem Braga, da Secretaria Municipal de Vitória, e apoio da Vale e da Andesa (ONG).
O livro conta com o prefácio da profª. Eneida Maria Souza de Mendonça (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/UFES); Apresentação de Renato Sérgio de Lima (Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública); e Prefácio de Cláudio Luiz Zanotelli (Departamento de Geografia da UFES) e Posfácio de João José Barbosa Sana (atuou como Secretário de Segurança Urbana do Município de Vitória).
Pablo Lira é um pesquisador da área da Segurança Pública. Graduado em Geografia e mestre em Arquitetura e Urbanismo, além de professor universitário, é integrante do Instituto Jones Santos Neves e coordenador do Núcleo Vitória do INCT Observatório das Metrópoles.
DEPOIMENTOS
“A violência e a cidade são tratadas historicamente no livro, com o intuito de debater a longevidade de ambas, mas também de apresentá-las como irradiadoras de suas potencialidades”. (Eneida Maria Souza Mendonça)
“Creio que o livro tem o potencial de ser uma das obras de referência para os estudos urbanos e possui o mérito de se constituir em um balanço de quase todas as principais e atuais questões postas ao debate sobre violência e espaço urbano no Brasil. O texto faz uma ponte importante com os estudos sobre metrópoles e pobreza e os complementa comm uma elegante análise da violência, muitas vezes tida como um campo autônomo de estudos”. (Renato Sérgio de Lima)
“Esse livro merece ser lido e ser refletido por todos aqueles interessados em compreender a construção contemporânea de nossas cidades, suas estruturas, processos, formas e funções e o admirável mundo novo, para não dizer o contrário, que estamos produzindo na indiferença a mais total” (Cláudio Luiz Zanotelli)
“O trabalho do Prof. Pablo Lira nos permite pensar propostas adequadas à formulação de Planos de Segurança e Convivência Cidadã, para o Espírito Santo e para o Brasil. Boa leitura a todos!”. (João José Barbosa Sana)
MUDANÇAS NA GRANDE VITÓRIA: INDUSTRIALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO
Em seu estudo Pablo Lira faz uma análise da “Geografia do crime” no Espírito Santo e sua relação com as instâncias urbanas, com destaque para a instância que ele chama de “arquitetura do medo”. Nela, envolvem-se formas (características da arquitetura urbana em função da violência, com edificações reforçadas com grades, câmeras, alarmes e cercas elétricas), funções da cidade, estruturas econômicas, sociais e culturais, além de processos urbanos como de segregação.
O livro mostra que o problema da criminalidade violenta da RM da Grande Vitória – assim como do Brasil – se deve em partes aos processos tardios de industrialização e urbanização. Segundo Pablo Lira, a súbita transformação da estrutura econômica implicou em alterações na estrutura demográfica, como a intensificação dos fluxos migratórios destinados ao centro urbano capixaba.
Isso propiciou um incremento abrupto no número de pessoas que se fixavam na Grande Vitória em busca de novas oportunidades de emprego. Com base nos registros censitários do IBGE, constata-se que taxa de variação populacional entre 1960 e 1970 no Espírito Santo registrou um aumento de 13%. Em Cariacica, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória o referido acréscimo populacional foi de respectivamente 156%, 88%, 60%, 123% e 60%. Do início da década de 60 ao início década de 70 os demais municípios capixabas apresentaram redução de 2% na taxa de variação populacional.
A Grande Vitória, bem como todo o estado, não possuía infraestrutura básica que suportasse tamanho fluxo migratório, composto por pessoas originárias do norte do Rio de Janeiro, leste de Minas Gerais, sul da Bahia e, sobretudo, oriundas do interior decadente do Espírito Santo. O intenso êxodo rural observado na segunda metade do século XX implicou em alterações nas estruturas demográfica, social e espacial. Em um curto período de tempo, o percentual da população urbana capixaba passou de 29,2%, em 1960, para 79,5%, no ano 2000.
“Foi nesse contexto que se agravaram mais intensamente os problemas sociais e, conseqüentemente, a violência passou a destacar a aglomeração da Grande Vitória em contraste com o resto do estado. Tomando novamente o homicídio como indicador comparativo, constata-se como a partir da segunda metade da década de 80 a aglomeração da Grande Vitória apresentou uma significativa concentração de homicídios. Antes desse período as taxas do Espírito Santo, da Grande Vitória e dos demais municípios capixabas evidenciaram comportamentos semelhantes, isto é, aumento médio de 15 assassinatos para cada grupo de 100.000 habitantes em 1980 para 30 homicídios por 100 mil habitantes em 1988”, argumenta Pablo.
Veja essa reportagem da RecordNews no qual Pablo Lira aborda a arquitetura do medo.
ESTRUTURAS URBANAS E CRIMINALIDADE VIOLENTA
Vitória é um dos municípios capixabas que apresentam os maiores níveis de desigualdade econômica, de acordo com o índice de Gini (ONU/PNUD, 2005). Os contrastes da distribuição de renda, expressos pelo mapa das classes salariais, confirmam a forma pela qual a sociedade se organiza no espaço segregado e como isso pode influir na incidência dos crimes.
A partir do recorte da desigualdade, Pablo Lira analisa o aumento da criminalidade violenta com indicadores vinculados às estruturas urbanas da Grande Vitória, como indicadores da estrutura econômica, distribuição da população segundo gênero, faixas etárias, níveis de instrução, serviços, equipamentos e infraestrutura urbanas, entre outros aspectos.
“Partindo do pressuposto de que o sistema da violência encontra-se arraigado a fatores urbanos e socioeconômicos, esta pesquisa visa identificar, por meio da correlação de variáveis criminais, informações socioeconômicas e dados referentes à distribuição espacial de equipamentos e serviços coletivos, eventuais fatores urbanos que podem, reciprocamente, estar influindo na dinâmica criminal da cidade de Vitória. Com isso, pretende-se também fornecer subsídios para a proposição de políticas públicas e estratégias de prevenção, controle e combate à violência”, argumenta o autor.
ARQUITETURA DO MEDO
Outro argumento do livro é que o aumento gradativo da criminalidade violenta, constatado nas últimas três décadas, nas principais cidades brasileiras, tem influenciado um rearranjo na morfologia urbana.
Segundo Pablo Lira, constata-se que, nas últimas décadas, o medo social vem influenciando a consolidação de um novo padrão de desenho arquitetônico da cidade. “Espaços privados incorporam uma série de elementos em suas formas, a saber, muros altos, grades, guaritas, cercas elétricas, torres, alarmes, circuito de vídeo-monitoramento, entre outros. Isso se torna explicitamente perceptível em bairros ocupados por camadas sociais mais privilegiadas e, principalmente, em espaços residenciais. Não que outros espaços, como ambientes comerciais, estejam isentos das representações da arquitetura do medo, mas são as casas e condomínios que adotam com vigor os elementos da arquitetura do medo”, afirma.
Nesse sentido, o medo do crime nesses ambientes impulsiona os proprietários a adotarem uma série de medidas funcionais de autoproteção para prevenir danos a sua integridade e de sua família e danos ao seu patrimônio.
“A proposta do livro é lançar luz também sobre essa questão da arquitetura do medo. E estimular a construção de espaços propícios à convivência cidadã. É uma reflexão sobre o modo como estamos construindo as cidades nos dias de hoje”, defende Pablo.
Saiba mais sobre o livro “Geografia do Crime e Arquitetura do Medo”.