Turismo em Lisboa (Crédito: Diário de Notícias/Reprodução)
Neste artigo da Revista Cadernos Metrópole nº 39, o pesquisador Luiz Mendes busca identificar as forças motrizes importantes da financeirização do ambiente construído e do setor imobiliário que estão na raiz da onda de gentrificação turística que está ocorrendo em Lisboa na última década. A análise descreve a virada neoliberal recente na política urbana em Portugal, responsável por ter criado as condições para um urbanismo austeritário, legitimando a ideologia da necessidade “natural” e “inevitável” da turistificação nos bairros históricos de Lisboa, no período do pós-crise capitalista de 2008-2009.
Segundo Mendes, nas narrativas de marketing urbano e racionalidade neoliberal, a viragem neoconservadora no governo da cidade tem como objetivo tornar Lisboa uma cidade mais competitiva, atraindo investimentos estrangeiros, visitantes e turistas, amarrando os fluxos de capital imobiliário ao seu ambiente construído, em um quadro da globalização da concorrência entre cidades e lugares.
O artigo “Gentrificação turística em Lisboa: neoliberalismo, financeirização e urbanismo austeritário em tempos de pós-crise capitalista 2008-2009” é um dos destaques do dossiê especial “Financeirização, mercantilização e urbanismo neoliberal” da Revista Cadernos Metrópole nº 39.
Abstract
In this paper, I intend to identify important drivers of the financialisation of the built environment and of the real state sector that are at the root of the wave of tourism gentrification that has been occurring in Lisbon in the last decade. The recent neoliberal turn in urban policy in Portugal will be analyzed, as it is responsible for creating the conditions for an austerity urbanism, legitimating the ideology of the “natural” and “inevitable” necessity of touristification in Lisbon’s historic districts, in the period of the 2008-2009 capitalist post-crisis. In the rhetoric of urban marketing and neoliberal rationality, this neoconservative turn in city government aims to make Lisbon a more competitive city, attracting foreign investment, visitors, tourists, tying the flows of real estate capital to its built environment, in a frame of globalization of competition between cities and places.
INTRODUÇÃO
Por Luiz Mendes
Em Portugal, os primeiros sintomas da crise do Estado-Providência começaram a manifestar-se por volta de meados dos anos 1980 e 1990. A partir de então, a gradual desagregação do modelo predominante de intervenção pública fez-se paralelamente à superação do fordismo pelo pós-fordismo, tornando cada vez mais difícil para o Estado reunir os recursos necessários para garantir a intervenção da despesa pública ao mesmo ritmo que se atingira em anos anteriores.
À inevitável precariedade da situação laboral dos trabalhadores mais desqualificados e dos grupos sociais mais desfavorecidos, acumulou-se a desregulação do mercado de habitação e do uso do solo urbano, que tende a valorizar um padrão mais aleatório na produção temporal e espacial dos acontecimentos urbanos e o fabrico de uma segregação residencial a escalas mais finas, produzindo uma fragmentação socioespacial em microescala. Esse padrão é produto social do jogo do mercado imobiliário pouco regulado, de processos especulativos de valorização fundiária e imobiliária, num contexto de crescente financeirização do ambiente construído. O governo urbano orienta-se por um modelo gestionário (gestão estratégica importada do meio empresarial) em que o uso dos recursos públicos se faz para atrair investimento, o fornecimento dos serviços passa a fazer-se pelo mercado e pelo setor privado e são valorizadas as parcerias público-privadas.
Essas transformações no espaço urbano intensificaram-se em Portugal com a realidade econômica, financeira e orçamental resultante da crise capitalista de 2008-2009, que impôs a adoção de novos modelos de gestão e de desenvolvimento do território, com vista a acautelar o sucesso dos compromissos sub-jacentes ao Programa de Assistência Financeira Internacional, obviamente condicionadores da atuação do Estado e dos demais setores públicos e privados, enquanto norma transnacional. O Memorando de Políticas Econômicas e Financeiras, também conhecido como Memorando de Entendimento ou Plano da Troika, é um acordo de entendimento celebrado em maio de 2011 entre o Estado Português e o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, visando ao equilíbrio das contas públicas e ao aumento da competitividade em Portugal, como condição necessária para o empréstimo de cerca de 80 mil milhões de euros que essas três entidades concederam ao Estado português. O memorando propôs uma série de ações que tinha como metas estabilizar a dívida pública por volta de 2013, acrescentando que tal refletia um apropriado equilíbrio entre as ações necessárias para restaurar a confiança dos mercados e as- segurar que esse ajustamento não prejudicava excessivamente o desenvolvimento da economia e do emprego.
O documento, que entrou em vigor a 17 de maio de 2011, é profundamente marcado por um fundamentalismo de mercado e teve ramificações consequentes para o programa do governo português da altura, tendo produzido políticas de forte austeridade financeira (cortes na despesa social, contração do investimento público, aumento de impostos, etc.) e reformas estruturais que resultaram num verdadeiro atentado aos direitos laborais e sociais (facilitação dos despedimentos, redução da duração e dos montantes de subsídios de desemprego, etc.).
Uma dessas reformas foi a do novo regi- me de arrendamento urbano (NRAU) de 2012, alvo de forte contestação social, uma vez que é acusado de ter imposto um mecanismo de atualização de rendas que tem originado valores incomportáveis para muitos inquilinos sem que estejam estabelecidos os apoios sociais adequados e necessários, afetando as famílias de mais baixo estatuto socioeconômico.
O desalojamento tem sido uma marca da nova lei do arrendamento, que nada mais é que o bastião de uma virada neoliberal muito maior na política urbana em Portugal, responsável por ter criado as condições para um urbanismo austeritário e legitimando a ideologia da necessidade “natural” e “inevitável” da turistificação nos bairros históricos de Lisboa, no período do pós-crise capitalista de 2008- 2009. Nas narrativas de marketing urbano e racionalidade neoliberal, a viragem neoconservadora no governo da cidade tem como objetivo tornar Lisboa uma cidade mais competitiva, atraindo investimentos estrangeiros, visitantes, turistas, amarrando os fluxos de capital imobiliário ao seu ambiente construído, em um quadro da globalização da concorrência entre cidades e lugares.
É à luz do quadro teórico de produção neoliberal do espaço urbano que pretendemos identificar importantes forças impulsionadoras da financeirização que estão na raiz da onda de turistificação que ocorreu em Lisboa na última década. Lisboa recebe cada dia mais de 37 mil turistas. Em 2015, a capital recebeu 5,25 milhões de visitantes/turistas, o que gera um total de 3.500 milhões de euros por ano em receitas de turismo.
O ano de 2015 foi o melhor de sempre para o turismo nacional. No total, Portugal recebeu 17,4 milhões de turistas, 8,6 por cento mais do que em 2014, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). O boom turístico que dá vida nova e cria novos negócios em Lisboa e Porto também está a aumentar as tensões latentes e a gerar novos problemas e desafios urbanos e fiscais. Em nome do turismo, realiza-se a reabilitação de prédios desocupados, mas as rendas aumentam exponencialmente, multiplicando expulsões de moradores vulneráveis e fechamentos de lojas históricas, isto é, desalojamentos (deslocamentos) residenciais e comerciais. Além disso, graças ao turismo, muitos portugueses são lançados no negócio de aluguel de quartos, e muitos jovens desempregados dão os primeiros passos no mercado de trabalho, mas isso nem sempre significa empregos com direitos e rendimento acima da média.
Leia o artigo completo na edição nº 39 da Revista Cadernos Metrópole.