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Gentrificação e megaeventos no Rio de Janeiro

By 12/03/2014janeiro 23rd, 2018Artigos Científicos

Teleférico do Morro da Providência - Obras do Porto Maravilha

Como nas cidades da América do Norte e do Leste Europeu, processos de gentrificação estão inegavelmente presentes no Rio de Janeiro. Neste artigo Christopher Gaffney toma as dinâmicas imobiliárias e os grandes projetos de intervenção urbana em curso na cidade para a caracterização de quatro diferentes facetas deste fenômeno: a valorização fundiária em bairros de classe média; a implementação de grandes projetos urbanos na área portuária; as políticas de ocupação policial em favelas; e a expansão de investimentos imobiliários na região da Barra da Tijuca decorrente das obras para os Jogos Olímpicos de 2016.

O artigo “Forjando os anéis: a paisagem imobiliária pré-Olímpica no Rio de Janeiro”, do professor Christopher Gaffney, é um dos destaques da edição nº 15 da Revista eletrônica e-metropolis – publicação trimestral que tem como objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgação de trabalhos, ensaios, resenhas, resultados parciais de pesquisas e propostas teórico-metodológicas relacionados à dinâmica da vida urbana contemporânea e áreas afins.

A Revista e-metropolis é direcionada a alunos de pós-graduação de forma a priorizar trabalhos que garantam o caráter multidisciplinar e que proporcionem um meio democrático e ágil de acesso ao conhecimento, estimulando a discussão sobre os múltiplos aspectos na vida nas grandes cidades.

Gentrificação e megaeventos no Rio de Janeiro

Por Christopher Gaffney

A literatura sobre gentrificação tradicionalmente esteve focada em regiões centrais localizadas em grandes cidades da América do Norte e Europa com alguns estudos enfocando o hemisfério sul. Estes últimos concentrados nas regiões do Sul e Leste da Ásia (Shin, 2012) e, alguns estudos na língua inglesa, conduzidos na América Latina (López-Morales, 2010). Os estudos em inglês sobre dinâmicas de gentrificação no Brasil têm focado em São Paulo (Mendes, 2011), Salvador (Sampaio, 2007) e Rio de Janeiro (Mosciaro, 2010). A ausência de estudos sobre o mercado imobiliário e dinâmicas de gentrificação em cidades brasileiras impressiona, especialmente levando em consideração o aumento nos valores de venda e aluguéis nas primeiras décadas do século XX em todo o País (Observatório das Metrópoles, 2012).

Existe uma dificuldade em traduzir a palavra gentrification para além do idioma no qual o termo foi criado. (Lees, 2012). A palavra em português, gentrificação, é geralmente entendida como o processo de mudança no estoque imobiliário, nos perfis residenciais e padrões culturais, de maneiras semelhantes aquelas bem documentadas nas cidades da América do Norte, Europa e América Latina (Mendes, 2011) (Caldeira, 2000). Como nas cidades da América do Norte e do Leste Europeu, processos de gentrificação estão inegavelmente presentes na cidade do Rio de Janeiro. O presente artigo investiga a possibilidade de que estejam ocorrendo múltiplas formas de gentrificação em diferentes níveis, em diferentes regiões da Cidade, envolvendo diferentes atores e com diferentes resultados. Tais dinâmicas imobiliárias, distintas porém relacionadas, apontam para a inadequação de uma gentrificação singular. Assim, proponho aqui um uso do termo no plural: gentrificações. Essa abordagem permite análises mais complexas e sólidas dos processos observados em uma literatura extensa sobre gentrificação.

Até o anúncio de que a cidade do Rio de Janeiro seria sede da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, as características residenciais no nível dos bairros eram determinadas por aluguéis relativamente estáveis e no acesso a serviços, com diferenças significativas baseadas na proximidade de mercados de trabalho, sistemas de transporte, acesso a amenidades culturais, ambientais e talvez, mais importante, a diferença entre mercados formal e informal (Cardoso & Leal, 2010; Queiroz Ribeiro, 1996). Os gentry, como eram chamados, mantinham-se refugiados em seus domínios socioespaciais em uma sociedade radicalmente desigual, com pouca necessidade de revanchismo espacializado, que caracterizou algumas cidades nos Estados Unidos nas décadas de 1980 e 1990 (Smith, 1996). Como Caldeira (Caldeira, 2000) mostrou no caso de São Paulo e Ferraz (Ferraz, 2008) no caso do Rio de Janeiro, a emergência de cidades “muradas” no Brasil reflete atitudes com relação à mistura de classes no espaço urbano. A falta de vontade entre a classe média para entrar nas favelas e desenvolver a propriedade através de sweatequity limitou a dinamização da gentrificação.

Apesar das dificuldades com relação à terminologia, como forma de elucidar os processos de gentrificações no Rio de Janeiro é útil compará-los a processos similares identificados nas cidades europeias e norte-americanas. Na sequência, farei uma reflexão sobre alguns processos gerais de gentrificação, defendendo uma análise socioespacial mais profunda sobre gentrificações (Lees, 2012). Nos casos de estudo descritos a seguir, identifico os agentes e atores envolvidos, bem como localizo e explico as causas e consequências das gentrificações em distintas áreas do Rio de Janeiro.

PROCESSOS DE GENTRIFICAÇÕES

Um consenso na literatura sobre gentrificação é que esta envolve o deslocamento de um grupo social por outro grupo em melhores condições econômicas, com diferentes padrões culturais. Existe também uma compreensão de que gentrificação compreende uma série de processos inter-relacionados em formação contínua. Segundo Mendes (Mendes, 2011), a gentrificação inclui:

1) Reorganização da geografia urbana com a substituição de um grupo por outro;

2) Reorganização espacial de indivíduos com determinados estilos de vida e características culturais;

3) Transformação do ambiente construído com a criação de novos serviços e requalificação residencial que pressupõe melhoramentos;

4) Alteração de leis de zoneamento que permita um aumento no valor dos imóveis, aumento da densidade populacional e uma mudança no perfil socioeconômico.

A substituição, reorganização, transformação e alteração são visíveis na paisagem urbana e social através de atores diversificados, ainda que de maneira conectada. Em alguns casos, como, por exemplo,no desenvolvimento de Parcerias Público-Privadas, esses atores colaboram abertamente (ainda que não necessariamente de maneira transparente). Em outros, estão incluídas respostas individuais a campanhas publicitárias de um novo condomínio, ou construtoras, buscando explorar um rent-gap4 (Smith, 1987). Assim, um entendimento mais amplo dos padrões culturais e de sociologia urbana é necessário para revelar as conexões entre os diferentes atores envolvidos (Bourdieu, 2007; Certeau, 1984; Groth & Bressi, 1997; Low & Smith, 2006).

Os processos mencionados acima descrevem os resultados da gentrificação, mas não necessariamente indicam as técnicas e táticas empregadas por agentes específicos, ou as formas pelas quais esses processos são enfrentados ou adaptados por aqueles que sofrem os efeitos adversos da gentrificação. É importante lembrar que ao mesmo tempo que o espaço é produto e meio da ação social (Lefebvre, 1991), é também instrumental e um mecanismo de poder que simultaneamente produzuma hierarquia de lugares. Portanto, o espaço é fundamental para o processo de acumulação e de reacomodação de poder e deve ser colocado como prioridade nos estudos sobre gentrificação (Mendes, 2011, 481).

Como um processo de recodificação do espaço, gentrificações são condicionadas por um mundo simbólico altamente carregado. Além de estudos baseados em dados do mercado imobiliário, conhecemos gentrificação quando vemos tipologias de arquitetura, configurações do espaço público e mudanças no design residencial acompanhadas de novos cafés e espaços voltados para o consumo. Padrões socioespaciais em mudança podem ser entendidos como uma característica do neocolonialismo (Ong, 2006), uma adequação espacial necessária para estimular os fluxos globais do capital (Harvey, 1991, 2005), uma “limpeza” do espaço urbano realizada para colocar a cidade no mercado visando a alcançar uma audiência global (Campanella, 2013; Freeman, 2012), ou um investimento capitaneado pelo governo necessário para regenerar o espaço urbano (Cravatts, 2007). Em cidades “emergentes” do Sul Global as gentrificações são também sustentadas por mudanças físicas através de “boas práticas internacionais” em conjunto com corporações nacionais, multinacionais e seus “parceiros” governamentais.

O resultado é a homogeneização de paisagens comerciais e residenciais ao redor do mundo. As Docas de Edimburgo parecem com as Docas de Dublin, que parecem com as Docas de Puerto Madero em Buenos Aires, que parecem com a paisagem da orla residencial de Barcelona. Esse processo cria familiaridades psicoespaciais6 (se não fantasias e moralidades) para um estreito grupo que compartilha estilos de vida e gostos (Antrop, 2004; Sorkin, 1992). A gentrificação tem, de maneira geral, conotações negativas, que os que se beneficiam dela preferem ignorar. O uso de palavras mais acessíveis, como requalificação, reinvestimento, recuperação, renascimento etc., servem como mecanismos através dos quais o poder é legitimado e reproduzido.

A seguir examino quatro casos no Rio de Janeiro que possuem algumas das características elencadas pelos estudiosos de gentrificações citados acima. Inicio com uma experiência pessoal em um bairro de classe média antes de me debruçar sobre o projeto liderado pelo Estado na área portuária. Na sequência lanço um olhar sobre a especulação imobiliária que vem ocorrendo em algumas áreas de favela sob ocupação militar. O estudo de caso final está focado na região da Barra da Tijuca; esta é a região que recebe a maior fatia do investimento para o ciclo dos megaeventos no Rio de Janeiro e demonstra características de uma gentrificação new-built7 (Davidson & Lees, 2009). Na conclusão contextualizo os quatro estudos de caso na perspectiva de um panorama mais amplo do mercado imobiliário na cidade, identificando relações entre processos aparentemente separados.

Acesse no link a seguir o artigo “Forjando os anéis: a paisagem imobiliária pré-Olímpica no Rio de Janeiro”, destaque da Revista e-metropolis nº 15.