Neste artigo para o blog observaSP, Henrique Botelho Frota apresenta o estudo pioneiro realizado pela Universidade Federal do ABC, com apoio do Ministério das Cidades, que avalia a aplicação dos instrumentos urbanísticos PEUC (parcelamento, edificação e uso compulsórios) e IPTU progressivo no tempo, fundamentais para o cumprimento da função social da propriedade urbana no país. Os resultados mostram que o PEUC é amplamente citado nos planos diretores municipais, mas pouquíssimo aplicado.
O blog observaSP é uma iniciativa do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade/FAU/USP), que integra o projeto de pesquisa “Estratégias e instrumentos de planejamento e regulação urbanística voltados à implementação do direito à moradia e à cidade no Brasil”, com financiamento da Fundação Ford. O INCT Observatório das Metrópoles participa do projeto com estudos de caso no Rio de Janeiro, coordenado pelo professor Orlando Alves dos Santos Jr., e em Fortaleza, coordenado pelo professor Renato Pequeno.
O blog observaSP tem como objetivo monitorar e influenciar políticas urbanas municipais, com foco na função social da propriedade, inclusão socioterritorial da população de baixa renda e ampliação do acesso aos serviços urbanos. Coordenado por Paula Santoro e Raquel Rolnik, o observaSP vem monitorando os desdobramentos do novo Plano Diretor Estratégico de São Paulo e a implementação da Operação Urbana Consorciada Água Branca.
Leia a seguir trecho do artigo “Função social da propriedade: pesquisa analisa aplicação de instrumentos urbanísticos”, escrito por Henrique Botelho Frota ou acesse o conteúdo integral no blog observaSP.
Função social da propriedade: pesquisa analisa aplicação de instrumentos urbanísticos
Por Henrique Botelho Frota*
Desde 1988, com a promulgação da Constituição Federal, o ordenamento jurídico brasileiro passou a prever a possibilidade de o poder público induzir o cumprimento da função social da propriedade urbana, por meio da aplicação sucessiva de três instrumentos. O Art. 182, parágrafo 4º, da Constituição estabeleceu que, nos casos em que fique configurado o descumprimento da função social, primeiro, a Prefeitura deve notificar os proprietários para o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória (PEUC) de seus imóveis. A seguir, caso não se atenda à notificação no prazo da lei municipal, a alíquota do IPTU poderá ser progressivamente majorada por cinco anos consecutivos. E, finalmente, os imóveis que persistirem sem cumprir função social poderão ser desapropriados com pagamentos em títulos da dívida pública.
Mas, embora sejam instrumentos poderosos e muito importantes para a gestão do solo urbano, são poucas as iniciativas de aplicação. Foi justamente para entender como os municípios estão regulamentando e aplicando os instrumentos do PEUC (parcelamento, edificação e uso compulsórios) e do IPTU progressivo no tempo, que uma equipe da Universidade Federal do ABC, coordenada pela Profa. Rosana Denaldi, realizou a pesquisa “Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios e IPTU progressivo no tempo: regulamentação e aplicação”, um estudo pioneiro, cuja publicação foi recentemente lançada.
A pesquisa foi realizada em 2014 no âmbito do Programa Pensando o Direito, da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, e contou também com apoio do Ministério das Cidades.
Um primeiro desafio do grupo foi identificar quais municípios haviam regulamentado e efetivamente aplicado esses instrumentos. Os resultados comprovaram o que alguns estudos anteriores já haviam apontado: o PEUC é amplamente citado nos planos diretores municipais, mas pouquíssimo aplicado. Em todo o país, foram detectadas experiências de aplicação apenas em Diadema, Santo André, São Bernardo do Campo, Curitiba, Goiânia, Palmas, Maringá e São Paulo. E, em alguns desses casos, a quantidade de imóveis notificados foi insignificante e/ou não houve continuidade na aplicação.
Em relação ao IPTU progressivo no tempo, é ainda menor o grupo de municípios que possuem experiências de aplicação. Até o momento, somente Maringá e São Bernardo do Campo e, a partir do próximo ano, São Paulo.
Alguns motivos que dificultam a aplicação advêm da própria legislação. A começar pelo fato de que a lei federal que regulamentou o capítulo constitucional da política urbana – o Estatuto da Cidade – só foi aprovada treze anos após a Constituição, o que fez com que esses instrumentos adormecessem por toda a década de 1990. Após a regulamentação federal, os municípios deveriam inclui-los em seus planos diretores apontando as áreas passíveis de aplicação, o que levou mais alguns anos para ocorrer. Além disso, por determinação da própria Constituição, é preciso uma lei municipal específica baseada no plano diretor para tratar desses mecanismos de forma mais detalhada. Por fim, a administração municipal deve definir competências internas e procedimentos para viabilizar a operacionalização do PEUC, o que, em geral, demanda que seja elaborado um decreto municipal. Ou seja, uma verdadeira “via crucis” legislativa precisa ser percorrida para que haja possibilidade de aplicação desses instrumentos.
Ao avaliar as legislações municipais, a pesquisa da UFABC detectou diversas inconsistências conceituais, conflitos com os procedimentos do Estatuto da Cidade e, por vezes, fragilidade no tratamento dado ao PEUC e ao IPTU progressivo no tempo. Por si só, esse cenário demonstra o pouco conhecimento das administrações municipais em relação aos instrumentos, gerando normas inaplicáveis.
Mas esse não é o único fator que dificulta a sua efetivação. Na prática, examinando os casos em que as prefeituras buscaram avançar nas notificações, muitos outros fatores mostraram-se relevantes, além da legislação. A organização administrativa e a capacidade de acompanhamento permanente dos imóveis notificados é um deles. Muitas prefeituras possuem setores de planejamento urbano em situação bastante precária, com poucos servidores e baixa capacidade operacional. Essa realidade implica na dificuldade de aplicação dos diversos instrumentos urbanísticos, inclusive o PEUC.
Além disso, fatores políticos, como a descontinuidade das gestões públicas e pressões advindas de grupos econômicos incomodados com a aplicação desses mecanismos, tornam sua efetivação ainda mais custosa.
Outro aspecto importante é a articulação que os setores de planejamento urbano das prefeituras conseguem estabelecer com os demais órgãos do próprio município, como as secretarias de finanças, de controle urbano e de meio ambiente. Isso porque a identificação e o monitoramento dos imóveis passíveis de notificação são tarefas complexas que demandam esforço de vários departamentos. Além disso, a articulação deve se estender a outros atores institucionais fora da prefeitura, como, por exemplo, os cartórios de registro de imóveis, para que as averbações ocorram sem problemas. Esse arranjo mostrou-se fundamental para assegurar o sucesso das iniciativas de aplicação do PEUC.
Além dos dados e análises trazidos pela recente publicação da pesquisa da UFABC, uma nova agenda de investigação se abre nesse campo. É preciso avançar na compreensão de como esses instrumentos impactam a dinâmica territorial, como o mercado tem reagido e/ou se apropriado deles, e quais são as condições que ampliam a sua efetividade, como a combinação com outras ferramentas urbanísticas, a exemplo das Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS.
O caso de São Paulo – Há pouco mais de um ano, em 31 de outubro de 2014, a Prefeitura Municipal de São Paulo começou a notificar proprietários de imóveis não edificados, não utilizados e subutilizados, dando prazo para que cumprissem a função social de suas propriedades. A medida, embora recebida com insatisfação por parte do setor imobiliário e de proprietários de imóveis ociosos, foi amplamente festejada por planejadores urbanos e movimentos sociais de todo o país.
Nesse primeiro ano, a Prefeitura, por meio do Departamento de Controle da Função Social da Propriedade, já notificou 585 imóveis, localizados principalmente na região central da cidade (Operação Urbana Centro), no perímetro da Operação Urbana Consorciada Água Branca e nas ZEIS. A expectativa é chegar ao final de 2016 com cerca de 2 mil imóveis cadastrados e notificações expedidas para a maior parte destes.
Dos imóveis notificados até agora, 71% são de casos de edificações abandonadas e sem uso. Os demais são imóveis totalmente vazios (não edificados) ou com construções incipientes, que não chegam a atingir o coeficiente de aproveitamento mínimo (subutilizados).
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Última modificação em 19-01-2016 23:42:58