Nilo Lima de Azevedo¹
José Felipe Quintanilha França²
Richardson Leonardi Moura da Câmara³
Entre 6 e 8 de novembro de 2023, ocorreu a 22ª Conferência do Observatório Internacional da Democracia Participativa (OIDP), no Rio de Janeiro (RJ). Um dos temas centrais foi o Orçamento Participativo (OP), importante instituição participativa, originada das gestões municipais progressistas do Partido dos Trabalhadores e que teve seu exemplo mais notável em Porto Alegre a partir de 1989, na gestão Olívio Dutra. O êxito do OP brasileiro, que legitima a voz popular na alocação de parte do orçamento das cidades, ganhou projeção mundial, sendo adotado em várias cidades da América Latina e Europa, incluindo Paris e Barcelona.
Contudo, independentemente de se adotar ou não o OP, a democracia brasileira prevê outra forma de participação no orçamento, que é obrigatória e vem sendo discutida no Grupo de Trabalho (GT) Fiscal do Observatório das Metrópoles. São as audiências públicas relacionadas às leis orçamentárias: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA).
A Lei nº 10.257, promulgada em 2001 e conhecida como Estatuto da Cidade, representou uma vitória dos movimentos sociais ligados à reforma urbana. Além da gestão democrática da cidade, inclui como condição obrigatória, no seu artigo 44, a gestão orçamentária participativa com debates, audiências e consultas públicas. Sem isso não é possível a aprovação dessas leis na Câmara Municipal.
Nesse cenário, dois pontos merecem destaque. Primeiro, alguns municípios denominam essas audiências públicas como Orçamento Participativo, o que não é correto. Outro aspecto é que o modelo de federalismo adotado no Brasil – ao conferir aos municípios o status de entes federados com autonomia política, administrativa e financeira – frequentemente dificulta a coordenação e a padronização de políticas públicas. Frequentemente essa coordenação depende de uma ação centralizadora dos estados e principalmente da União, mas esse não é o caso da participação cidadã no ciclo orçamentário municipal.
Devido à ausência de coordenação federativa, a forma como essas audiências são realizadas varia de município para município. Essa discricionariedade – ou seja, esse grande espaço para cada município fazer de um jeito — por vezes gera problemas na efetividade da participação. Faltam regras básicas que definam os Poderes obrigados a realizar as audiências, os prazos adequados para o anúncio e a divulgação de sua realização, a garantia de inclusão de setores populares e a efetiva consideração de propostas desses grupos. Esse vazio institucional em nada ajuda no aperfeiçoamento da accountability e na responsabilização dos agentes envolvidos.
Na prática, sem um conjunto de diretrizes, muitos municípios convocam audiências públicas com prazos insuficientes, dificultando a preparação adequada das organizações da sociedade civil para a defesa de seus pleitos. Além disso, não há clareza quanto à forma adequada de apresentar propostas orçamentárias populares, nem sobre os procedimentos formais a serem seguidos. Toda essa falta de orientação aumenta o custo da gestão orçamentária participativa e limita a capacidade de incidência.
Atualmente, uma das poucas normativas sobre o assunto provém da Nota Técnica nº1/2023-DICAMI/SECEX do Tribunal de Contas do Amazonas. Esta nota ressalta vários pontos já abordados no presente texto.
Sobre a realização das audiências
Um ponto importante, é que as audiências devam acontecer tanto no Poder Executivo, quanto no Poder Legislativo local, pois em cada uma delas a participação cidadã possui uma funcão específica.
No âmbito do Poder Executivo, que detém a iniciativa de propor a lei orçamentária, a audiência pública visa principalmente à coleta de informações e sugestões que contribuam para o enriquecimento do planejamento estratégico e operacional do governo. Mais ainda: essas audiências favorecem que a formulação dos projetos de leis orçamentárias esteja alinhada com as expectativas e necessidades da sociedade durante sua elaboração.
Já no Poder Legislativo, as audiências públicas assumem uma função diferente, mas igualmente importante. Aqui, elas são integradas à fase do debate e da aprovação das leis orçamentárias. A realização dessas audiências é fundamental para assegurar a transparência do processo legislativo, permitindo que os cidadãos tenham acesso ao conteúdo das propostas orçamentárias. Isso possibilita que a sociedade não apenas compreenda, mas também participe na elaboração do orçamento. Além disso, conforme a Nota Técnica, as sugestões e ajustes propostos pela população podem ser incorporados por meio de emendas parlamentares, influenciando diretamente no processo decisório da Câmara de Vereadores.
Prazos adequados para o anúncio e formas de divulgação das audiências
Ao edital de convocação deve ser dada a maior publicidade possível, devendo ser publicado na internet e afixado na sede do órgão. A Nota Técnica sugere que a divulgação ampla da audiência deva se dar com uma antecedência mínima de 10 dias úteis. Outros meios de divulgação podem ser utilizados como a publicação no Diário Oficial e utilização de jornal, de cartazes, e das mídias sociais dos poderes municipais.
A normativa indica que uma das maneiras de assegurar o sucesso na presença e participação da sociedade nas audiências públicas consiste em o ente público realizar um levantamento de associações representativas da sociedade civil, e elaborar convites individualizados para essas instituições, incluindo as principais informações contidas no edital de convocação.
Em relação as audiências que ocorrem no âmbito do Poder Executivo, prevê a nota técnica, elas devem ocorrer com “antecedência mínima de 30 dias do prazo final para envio do Projeto de Lei Orçamentária à Câmara Municipal”, sendo necessárias audiências específicas para cada Lei (PPA, LDO, LOA). Já no Poder Legislativo, é necessário que as audiências – para PPA, LDO e LOA – ocorram com antecedência mínima de 15 dias do prazo final para aprovação pela Câmara Municipal.
Local e estrutura das audiências públicas
Sobre a organização da audiência pública, a Nota Técnica coloca a necessidade da escolha de locais de fácil acesso e com um bom acesso ao transporte público, garantindo a acessibilidade, especialmente para pessoas com deficiência. A participação do público deve ser inclusiva, permitindo a presença da população como ouvinte sem inscrição prévia e estabelecendo regras para aqueles que desejam se manifestar oralmente, com prazos de inscrição ampliados, para assegurar uma participação que seja comunitária e representativa.
Propostas populares para o orçamento
A Nota Técnica não aborda diretamente como se estruturam as propostas populares orçamentárias e como estas serão integradas no ciclo orçamentário. É preciso ter clareza e previsibilidade na maneira pela qual o regimento interno da Câmara de Vereadores ou outras normativas lidarão com essas propostas.
Para garantir um processo transparente e democrático, é preciso que os cidadãos e as organizações da sociedade civil tenham a capacidade de acompanhar suas propostas orçamentárias. Isso inclui entender não apenas o progresso de suas próprias propostas, mas também estar cientes das outras demandas populares e das motivações por trás da aprovação ou rejeição de propostas orçamentárias originadas da sociedade.
Um bom exemplo de participação vem de Belo Horizonte. A Câmara Municipal estabeleceu um processo legal para tratamento das sugestões populares para o orçamento. A adoção desses procedimentos em outras localidades poderia fortalecer a gestão orçamentária participativa.
Uma normativa nacional, contemplando os aspectos centrais das audiências, poderia garantir uma padronização mínima. Essa medida pode alavancar as práticas de participação orçamentária nos municípios, pelo menos em termos de eficácia.
É evidente que essas medidas não bastariam para solucionar os problemas da efetividade da gestão orçamentária participativa. Mas elas possibilitariam uma incidência mais prospectiva por parte da população, tanto no conhecimento e previsibilidade, quanto na elaboração das suas prioridades para o orçamento municipal.
¹ Nilo Lima de Azevedo – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Norte Fluminense.
² José Felipe Quintanilha França – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Norte Fluminense.
³ Richardson Leonardi Moura da Câmara – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.