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Porto Maravilha (Rio de Janeiro)

Neste artigo da Cadernos Metrópole nº 39, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Nelson Diniz refletem sobre as relações entre a financeirização e mercantilização, em busca de encontrar marcos teóricos para a compreensão do atual ciclo de reestruturação espaço-temporal a partir das teorias do sistema-mundo capitalista e da economia política das relações internacionais. A análise utiliza-se das perspectivas Braudel e Polanyi para debater os sentidos atribuídos à financeirização e mercantilização; e apresenta alguns exemplos para a construção de novos olhares sobre esses fenômenos que estão no centro das investigações no campo dos estudos urbanos e territoriais.

O artigo “Financeirização, mercantilização e reestruturação espaço-temporal: reflexões a partir do enfoque dos ciclos sistêmicos de acumulação e da teoria do duplo movimento” é um dos destaques do dossiê especial “Financeirização, mercantilização e urbanismo neoliberal” da Revista Cadernos Metrópole nº 39.

Abstract

We intend, with the present article, to reflect on the relations between financialization and commodification. The main objective of this research is to find theoretical frameworks for the understanding of the current cycle of space-time restructuring based on the theories of the capitalist world-system and of the political economy of international relations. Our exposition has two objectives. First, we will position ourselves, from a Braudelian and Polanyian perspective, in the debates about the meanings attributed to financialization and commodification. Next, we will illustrate, with some examples, how these perspectives suggest the construction of new views on phenomena that are at the center of investigations in the field of urban and territorial studies.

INTRODUÇÃO — O QUE É FINANCEIRIZAÇÃO?

Por Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Nelson Diniz

É comum iniciar o debate sobre o significado da financeirização contemporânea do capitalismo enfatizando sua forma de manifestação mais aparente. Sendo assim, podemos afirmar, em consonância com Braga (1997), que esse processo se refere, antes de tudo, à “crescente e recorrente defasagem, por prazos longos, entre os valores dos papéis representativos da riqueza […] e os valores dos bens, serviços e bases técnico-produtivas em que se fundam a reprodução da vida e da sociedade” (p. 196).

É evidente que a identificação da defasagem entre o valor dos ativos financeiros e o dos bens e serviços não é, de modo algum, suficiente para definir com precisão o processo em tela. Não obstante, os dados acima indicam que, mesmo após a crise sistêmica de acumulação iniciada em 2007-2008, mantiveram-se as projeções de crescimento da desproporção entre esses valores. Portanto, ainda de acordo com Braga (1997), tomamos como um ponto de partida mais consistente a ideia segundo a qual a financeirização deve ser compreendida como o padrão sistêmico de riqueza do capitalismo contemporâneo. Quer dizer, como um processo geral de transformação do capitalismo que se torna estrutural, cria novas formas institucionais, marca as estratégias de todos os agentes privados relevantes, altera a operação das finanças e dos gastos públicos e, de alguma maneira, diferencia-se dos modos de manifestação do capital enquanto expressão do valor-trabalho.

Com efeito, são muito variadas as formas de explicar e enunciar as características, as causas e as consequências da denominada financeirização. Dentre elas, destaca- mos, por exemplo:

a) a releitura das reflexões de Marx (1986) sobre o capital portador de juros e o capital fictício, assim como de suas teorias da renda;

b) a retomada das teorias sobre o advento e as relações entre o imperialismo e o capital financeiro, na passagem do século XIX ao XX.

Teorias desenvolvidas, principalmente, por autores clássicos do marxismo, como Hilferding (1986), Bukharin (1986) e Lenin (1977);

c) o resgate das teorias do capitalismo monopolista, que consolidaram e ampliaram as formulações dos clássicos do marxismo e que se referem, por exemplo, às elaborações seminais de Magdoff e Sweezy (1987);

d) as abordagens que buscam compreender as relações entre as crises de sobreacumulação de capitais e a produção social do espaço. Sem dúvida, Lefebvre (2008) e Harvey (2015) são seus principais expoentes;

e) as teses e teorias sobre o surgimento do regime de acumulação financeirizado ou com dominância financeira, elaboradas por autores tais como Aglietta (1998) e Boyer (2000). Em nossa opinião, essas teses e teorias se tornaram as formas mais difundidas de compreensão crítica da financeirização contemporânea, sobretudo na versão formulada por Chesnais (2002);

f) a hipótese da instabilidade financeira do capitalismo, de matriz pós-keynesiana, desenvolvida por autores como Minsky (1982), e que expressam a renovação e a atualização da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda de Keynes (1986);

g) as distintas perspectivas que denominamos, provisoriamente, sociologia econômica e/ou geografia econômica da acumulação financeirizada. Sublinhamos, por exemplo, as reflexões de: 1) Lapavitsas (2009), sobre as novas formas de expropriação financeira; 2) García-Lamarca e Kaika (2016), sobre a biopolítica do endividamento hipotecário; e 3) Bauman (2010), sobre a vida à crédito;

h) as teorias do sistema-mundo capitalista e as teorias da economia política das relações internacionais, de viés braudeliano, cujos principais representantes são Wallerstein (2011), Arrighi (2003) e Fiori (2014). Ressaltamos, principalmente, a concepção dos ciclos sistêmicos de acumulação, apresentada por Giovanni Arrighi em seu clássico “O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo”.

Sem deixar de dialogar com as demais abordagens, tomamos como referência fundamental a concepção dos ciclos sistêmicos de acumulação. Desse modo, tal como Arrighi (2003), acreditamos que é possível buscar formas de compreensão das atuais transformações do capitalismo “à luz de padrões de repetição e evolução que abarcam todo o curso do capitalismo histórico como sistema mundial” (p. 4). Para nós, ainda em consonância com Arrighi (ibid.), a ampliação dos horizontes de referência espaço-temporais permite revelar como “tendências que pareciam inéditas e imprevisíveis começam a afigurar-se familiares”.

Dito de outra maneira, buscamos relativizar ou mesmo superar as interpretações que enfatizam, excessivamente, as mudanças contemporâneas do capitalismo.

Leia o artigo completo na edição nº 39 da Revista Cadernos Metrópole.