“Por que protestar contra os preparativos da Copa e das Olimpíadas? Os problemas não são os mesmos que já existiam antes dos eventos serem anunciados?”. Diante de algumas perguntas frequentemente feitas (FAQ) sobre a Copa do Mundo, Olimpíadas e protestos, Erick Omena elaborou um texto que lembra as promessas, os gastos públicos, as mobilizações, as vitórias e derrotas da população no contexto dos megaeventos.
O pesquisador Erick Omena integrou a equipe do projeto “Metropolização e Megaeventos” do INCT Observatório das Metrópoles, coordenando o Eixo 3 Governança, tendo também colaborado como o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas e com a Associação Nacional dos Torcedores (ANT). Atualmente é doutorando em Planejamento na Universidade de Oxford Brookes.
Respostas a algumas perguntas frequentemente feitas (FAQ) sobre a Copa do Mundo, Olimpíadas e protestos
“Por que protestar contra os preparativos da Copa e das Olimpíadas? Os problemas não são os mesmos que já existiam antes dos eventos serem anunciados?”
No geral, a desigualdade social e os problemas urbanos (falta de condições mínimas de acesso a transporte, habitação, saúde, educação, saneamento, cultura) já eram graves e os projetos justificados por megaeventos têm contribuído para sua intensificação. Investimentos públicos tendem a ficar ainda mais concentrados em áreas turísticas, que já possuíam infra-estrutura consolidada, ao invés de atenderem as áreas mais necessitadas. Um exemplo é a delimitação geográfica de projetos no Rio de Janeiro, como as UPPs e a ampliação do metrô para áreas mais abastadas (linha 4 Zona Sul -Barra da Tijuca) em detrimento da periferia onde vive grande parte dos trabalhadores (Linha 3 Centro do Rio-São Gonçalo e melhorias nas ligações ferroviárias entre Rio e Baixada Fluminense ).
Além disso, há a utilização de dinheiro público para um evento que sobretudo será um dos mais lucrativos da história da FIFA (faturamento recorde de US$ 4 bilhões), enquanto existem sérias dúvidas sobre a existência de reais benefícios para a população. Concretamente, os empréstimos com juros subsidiados pelo BNDES para a destruição-reconstrução e construção de estádios que serão repassados para a iniciativa privada poderiam estar atendendo demandas mais urgentes do país, bem como os demais investimentos voltados para estes eventos.
“É verdade que o Brasil já investe muito em saúde e educação e por isso é incoerente reclamar dos gastos com os eventos?”
A propalada destinação de R$ 800 bilhões para saúde e educação durante a preparação para a Copa do Mundo não significa que os problemas desses setores estejam resolvidos, nem que tais recursos são suficientes, nem que os gastos com os megaeventos são insignificantes. Nada disso apaga o problema de se gastar em torno de R$ 25 bilhões em cada evento com projetos de grandes impactos e controversos, como teleféricos, os BRTs e as UPPS, e desnecessários, como estádios voltados mais para a FIFA e para o lucro de grandes empresas do que para o público brasileiro e que em alguns casos tem grandes chances de seremsubutilizados após o mundial.
E se fossemos seguir essa mesma lógica, então o dinheiro gasto com saúde e educação poderia acabar ficando pequeno perto do montante gasto no período com o pagamento apenas dos juros da dívida pública para bancos (R$ 1,2 trilhões).
“Quais são os problemas diretamente decorrentes da Copa e das Olimpíadas?”
– 170.000 pessoas perderam ou perderão suas casas por causa destes eventos. Grande parte deste número é composto por comunidades carentes que estão sendo expulsas para as periferias das cidades, onde não há infra-estrutura adequada, para atender os interesses do mercado imobiliário e dos organizadores (FIFA e COI). Tais fatos também estão ligados ao boom imobiliário que vem também desalojando indiretamente muitos habitantes, em especial de favelas “pacificadas”.
– privatização e transformação dos estádios brasileiros em templos de consumo, dando um grande impulso para a elitização destes espaços tradicionalmente frequentados por todas as camadas da população.
– entrega de espaços públicos para entidades privadas, como os FIFA Fan Fest, ou mesmo de serviços públicos básicos para empresas, como é o caso da zona portuária do Rio de Janeiro.
– ameaça de destruição de equipamentos esportivos utilizados por atletas olímpicos e projetos sociais (Estádio de atletismo Célio de Barros, Parque Aquático Julio Delamare) escola (E.M. Fridenreich) e projetos culturais (Aldeia Maracanã) no RJ.
– restrição ao trabalho de camelôs nos estádios e seus arredores, que poderiam se beneficiar dos jogos. A área de 2 km no entorno dos estádios, bem como as vias que dão acesso a eles, serão zonas de exclusividade para comercialização de produtos dos parceiros e patrocinadores da FIFA.
– restrição ao trabalho de profissionais da imprensa, que só podem acessar estádios e publicar imagens comautorização da FIFA.
– violação de direitos trabalhistas nas construções, incluindo condições insuficientes de trabalho que até já causaram a morte de 9 operários.
– suspensão de leis brasileiras para atender as demandas da FIFA e de seus parceiros, como gratuidades, a meia-entrada e o limite de preços cobrados por produtos dentro dos estádios FIFA e a liberação do limite de endividamento anteriormente imposto aos municípios.
– isenção fiscal para a FIFA, o COI e suas empresas parceiras, como patrocinadores e construtoras. De acordo com a receita federal, só a FIFA deve deixar de pagar R$ 559 milhões em impostos.
– proibição do uso de expressões patenteadas como “Copa do Mundo 2014”, bem como a transmissão de jogos em locais públicos não autorizados pela FIFA.
– a criminalização de moradores de rua.
– a criminalização de manifestações, violando o direito ao espaço público e à liberdade de expressão.
– responsabilização do governo federal, caso a FIFA tenha prejuízos decorrentes de imprevistos.
“É verdade que os eventos trazem turistas e recursos para o país?”
Esse pode não ser o caso, pois tudo depende de uma série de fatores não-relacionados aos eventos. Estudos indicam que em alguns países houve um decréscimo de turistas durante o período de competições devido ao grande receio de preços mais caros e caos causado por excepcionais aglomerações de visitantes. E a entrada de recursos pode ficar restrita a pequenos grupos e setores específicos, quando não é praticamente nula. Da mesma forma, a geração de empregos pode ser de natureza temporária e precária, quando não sem nenhuma remuneração, como no caso dos milhares de voluntários utilizados nos dois eventos. É difícil saber qual é o real impacto dos eventos em meio a vários outros fatores que também influenciam o contexto econômico. Porém, o fato mais concreto é que há um considerável montante de recursos que deixam de ser arrecadados pelo governo – e que poderiam ser revertidos em investimentos públicos necessários- em função das isenções fiscais concedidas.
“Ninguém falou nada disso quando a FIFA e o COI escolheram o Brasil como sede… Só agora esse povo resolveu protestar contra a copa?”
Não, a resistência aos megaeventos surge antes mesmo do anúncio do Brasil como sede da Copa e das Olimpíadas. Na verdade, já na preparação para os Jogos Pan-americanos de 2007 alguns grupos, como o Comitê Social do Pan e a Plenária dos Movimentos Sociais, se organizaram e protestaram contra as remoçõesde comunidades pobres justificadas pelos jogos, a privatização de equipamentos públicos, promessas não cumpridas e o estouro de orçamentos (no caso do Pan 2007 os gastos finais foram 10 x maiores do que a previsão inicial de candidatura). Em relação à Copa e Olimpíadas, a organização da resistência por parte de comunidades afetadas e movimentos sociais já vinha sendo articulada desde o início de 2010. Protestos foram realizados, para ficar só em dois exemplos, durante o Fórum Social Urbano naquele ano e no sorteio das eliminatórias da copa em 2011, quando é iniciada a Articulação Nacional dos Comitês Populares para a Copa. Além disso, os detalhes contratuais das garantias oferecidas à FIFA em 2007 só começaram a ser revelados em 2012 com a aprovação da Lei Geral da Copa e a divulgação dos acordos sigilosos entre FIFA e cidades-sede após ação movida pelo Ministério Público de SP. E os vários impactos também só começaram a ser sentidos em 2012, quando as mobilizações foram consideravelmente expandidas, posteriormente se juntando às grandes manifestações de 2013.
“Já não está quase tudo construído? Do que adianta reclamar agora?”
Algumas importantes vitórias foram conquistadas através da mobilização de movimentos sociais. Em Fortaleza, por exemplo, o trajeto do VLT foi alterado após bastante pressão da população, diminuindo substancialmente a quantidade de pessoas removidas em função da obra. No Rio de Janeiro, foram revertidas as demolições de um estádio de atletismo e outro de esportes aquáticos, bem como de uma escola e do antigo Museu do Indio. Em São Paulo, camelôs poderão ao menos se cadastrar para trabalharem no entorno de estádios em dias de jogos. Em Salvador haverá a possibilidade das tradicionais baianas comercializarem o acarajé. Nesse sentido, muitas questões ainda estão em aberto, como o uso que será dado aos novos equipamentos, a responsabilização pelos gastos superfaturados por empreiteiras financiadoras de campanhas políticas, e as famílias que ainda estão sob ameaça de remoção por conta das obras que não ficarão prontas para a copa. A pressão social pode fazer a diferença.