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No ano de 2009 foi elaborada uma Carta Estratégica para a cidade de Lisboa. Essa proposta incidiu sobre uma série de áreas – incluindo as áreas políticas e institucionais, apontando novos princípios de “governação” e respectivas linhas de transformação e de ação. Neste artigo João Seixas analisa essa reconfiguração das estruturas de poder e de cidadania na gestão de Lisboa, a partir de reflexões relativas à política urbana contemporânea e aos paradoxos e dilemas que se colocam presentemente à “governação” das cidades europeias – num contexto de séria crise social e econômica.

João Seixas é professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e coordena a cooperação internacional sobre estudos de governança metropolitana Portugal-Brasil com o INCT Observatório das Metrópoles. Em agosto de 2012 os dois institutos lançaram o relatório “A Governança Metropolitana da Europa”, propondo uma tipologia da evolução política metropolitana das grandes cidades europeias, bem como uma reflexão conjunta dos seus projetos sociopolíticos metropolitanos.

João Seixas, do Instituto de Ciências Sociais/Universidade de Lisboa

Em 2013 João Seixas lançou o livro “A Cidade na encruzilhada: repensar a cidade e sua política” no qual propõe uma ampla reflexão em torno da cidade contemporânea e das suas formas de governança e de cidadania. Neste ano o INCT Observatório das Metrópoles disponibilizou em formato eletrônico o livro de Seixas para os leitores brasileiros.

A Carta Estratégica, a Reforma Administrativa e o Possível Empoderamento Sociopolítico da cidade de Lisboa

João Seixas, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa

Resumo: Este texto é uma reflexão em torno das mais recentes propostas estratégicas de reconfiguração das estruturas de poder e de cidadania na governação da cidade de Lisboa. Por uma conjugação de razões de ordem estrutural e conjuntural, e por solicitação do Presidente da Câmara, uma equipa de profissionais independentes elaborou ao longo do ano de 2009, uma proposta de Carta Estratégica para a cidade. Esta proposta incidiu sobre uma série de áreas – incluindo as áreas políticas e institucionais, apontando novos princípios de governação e respectivas linhas de transformação e de ação. Algum tempo passado sobre a apresentação da proposta, é aqui desenvolvida uma breve análise crítica das suas justificações, bem como dos processos específicos subsequentes. Esta análise é consubstanciada por reflexões teóricas de política urbana contemporânea, na consideração das profundas mudanças em curso nos sistemas urbanos, bem como nos paradoxos e dilemas que se colocam presentemente à governação das cidades europeias – incluindo em contexto de séria crise social e econômica. O texto procura, por conseguinte, contribuir para uma melhor clareza do ponto de vista analítico, das presentes encruzilhadas nas políticas urbanas e na própria administração urbana e local – face às suas estruturas institucionais e administrativas, às redes de governança, e ao capital sociocultural e cosmopolitismo da cidade.

Introdução

No início de 2009, após recentes eleições autárquicas e em paralelo com outras iniciativas estratégicas – tais como o processo de revisão do PDM, ou ainda o processo de reforma institucional e administrativa, em início – o presidente da Câmara Municipal de Lisboa solicitou a um grupo de investigadores acadêmicos independentes, que se desenvolvesse uma proposta para uma futura carta estratégica para a cidade. Como na altura referido, esta carta tornar-se-ia na base para toda uma série de novas visões e abordagens sobre a cidade, e consequentes propostas políticas, planos estratégicos e demais instrumentos; bem como na base para um novo tipo de atitude da administração autárquica, face à cidade e aos seus cidadãos, por forma a assim se suceder uma transformação de largo espectro na governação da cidade, nas suas políticas urbanas e nas próprias filosofias que regem a administração pública local.

Diversas razões contribuíram, de forma determinante, para que tal processo se iniciasse. Em primeiro lugar, o crescente e já amplo reconhecimento social do novo tipo de desafios com que a grande cidade se confronta, nas suas variadas escalas e esferas, exigindo respostas públicas sociais e econômicas para as quais a cidade, e notavelmente as suas estruturas de administração, mostram crescentes dificuldades em acorrer. Entre vários, estes desafios incluem, para uma cidade como Lisboa, uma elevada fragmentação socioespacial de escala metropolitana, quase sem paralelo na recente história urbana Europeia; um muito lento relançamento das dinâmicas de regeneração urbana, incluindo difíceis capacidades de atração de investimento público e privado; a necessidade de reconfiguração de todo um leque de políticas de inclusão, de coesão e de mobilidade social, bem como de competitividade e de empreendedorismo, e evidentemente de sustentabilidade urbana; a necessidade de aplicação de instrumentos ativos de regulação e gestão territorial, bem como de políticas fiscais e novas práticas administrativas; a necessidade de repensar e reestruturar uma vasta parte das estruturas institucionais e administrativas na gestão autárquica. Não obstante o facto de a capital portuguesa continuar a ser, indubitavelmente, o maior dínamo social, cultural e econômico do país; não obstante todas as inovações e mutações socioculturais de índole urbana em curso em áreas centrais como a cultura, o mercado da habitação ou o turismo internacional; e não obstante ainda uma série de atitudes e propostas políticas inovadoras por parte de diversas estruturas e atores nas esferas pública e privada; mostram-se evidentes as dificuldades com que a cidade enfrenta os grandes e pequenos desafios que tem pela frente. E, no entretanto, a recente e crescentemente determinante crise econômica e política, de âmbito geo-global mas que se tem feito sentir de forma particularmente cortante em Portugal, deixou ainda mais evidentes os custos dos desajustamentos mentais, técnicos e sociopolíticos, elevando sobremaneira a necessidade de consciencialização e motivação para a qualificação das estruturas de governação de uma cidade como Lisboa.

Em segundo lugar, o paralelo reconhecimento de que parte muito significativa das razões da incapacidade de desenvolvimento de novas respostas sociopolíticas e administrativas, se devia justamente à desorientação e falta de meios ativos patentes em muitas estruturas políticas e institucionais, a nível local e regional. Lugar de fortes dinâmicas e de convergência de grandes atores e movimentos sociopolíticos, econômicos e culturais, Lisboa tem-se debatido, paradoxalmente, com um considerável esgotamento das capacidades de estratégia e de ação de parte importante dos seus panoramas clássicos de administração, ao que se aliaram o entrincheirar de comunidades políticas e burocráticas de dúbia eficácia pública e raramente movidas por perspectivas de mérito e de longo prazo. Como referido em seguida, um panorama cada vez mais reconhecido – e criticado – por uma crescente maioria da sua sociedade urbana.

Em terceiro lugar, o desenvolvimento de uma mais sofisticada consciência e exigência cívica na sociedade lisboeta, em paralelo com as mudanças em curso nas sociedades urbanas contemporâneas, a nível mais global (Clark e Hoffman-Martinot, 1998). As mudanças de âmbito cultural no mundo mediterrâneo (ou sul da Europa, onde Portugal se integra), mostram que o tradicional fosso norte-sul tem-se reduzido, pelo desenvolvimento de uma maior assertividade cívica e de dinâmicas de capital social mais exigentes e cosmopolitas, embora também mais dispersas (Leontidou, 2010). Algumas pesquisas nestas áreas mostram – não obstante a fragmentação socioespacial ou alguma erosão de instituições associativas tradicionais tais como associações empresariais ou sindicais – que o capital sociocultural da sociedade de Lisboa (analisado e entendido à luz de novas expressões de consciência e de participação cívica) é cada vez maior, muito nomeadamente em determinados níveis etários e educacionais (Cabral, Silva e Saraiva, 2008; Seixas 2008).

Foi assim com uma considerável dose de expectativa, que as novas equipas políticas e seus programas, eleitos após as eleições autárquicas de 2007 (intercalares), de 2009 e de 2013, reconheceram e enfrentaram tais exigentes contextos. Para além de uma reconhecida liderança, a equipa municipal recém-eleita incluiu elementos independentes e mesmo apartidários, elencando propostas distintas e de certa forma fracturantes com o estado-da-arte da governação da cidade. Nomeadamente, no compromisso de desenvolver uma reforma dos modelos de governo da própria cidade, bem como toda uma série de instrumentos e processos estratégicos (tais como a revisão do Plano Director Municipal, uma nova estratégia para a habitação, uma nova estratégia para a cultura, ou os planos de recuperação financeira). Foi assim no prosseguimento destas perspectivas políticas, que foi solicitada a realização de uma proposta de Carta Estratégica para a cidade.

Acesse no link a seguir o artigo completo A Carta Estratégica, a Reforma Administrativa e o Possível Empoderamento Sociopolítico da cidade de Lisboa”do professor João Seixas.