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“O Estatuto da Metrópole joga lenha na fogueira da reforma política, que não poderá, independentemente do norte que encampar, fechar os olhos para os descompassos do pacto federativo brasileiro”. O INCT Observatório das Metrópoles apresenta artigo de Rosa Moura e Thiago de Azevedo P. Hoshino com a análise técnica relativa à Lei 13.089, que instituiu o Estatuto da Metrópole. O que muda com o novo estatuto? Quais avanços técnicos e políticos que a nova lei possibilitará à gestão das metrópoles brasileiras?

A presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.089, que institui o Estatuto da Metrópole. A lei entrou em vigor no 13 de janeiro de 2015, com a publicação no Diário Oficial da União. O Estatuto estabelece diretrizes para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos estados.

A lei fixa normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado e critérios para o apoio da União a ações que envolvam governança interfederativa – compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação – no campo do desenvolvimento urbano. E ainda a norma prevê planos de desenvolvimento urbano integrado, consórcios públicos, convênios de cooperação, contratos de gestão, parcerias público-privadas interfederativas e compensação por serviços ambientais.

O INCT Observatório das Metrópoles apresenta artigo “Estatuto da Metrópole: enfim, aprovado! Mas o que oferece à metropolização brasileira?”, dos pesquisadores Rosa Moura e Thiago de Azevedo P. Hoshino, que analisam o processo histórico de aprovação da lei, seus limites e avanços no tocante à gestão dos territórios metropolitanos do país.

 

ESTATUTO DA METRÓPOLE: ENFIM, APROVADO! MAS O QUE OFERECE À METROPOLIZAÇÃO BRASILEIRA?

Rosa Moura

Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino, Observatório das Metrópoles-INCT/CNPq;

No dia 12/01/2015 foi sancionado o Estatuto da Metrópole, Lei Federal nº 13.089/2015. Passaram-se mais de 10 anos de tramitação, com uma série de solavancos, emendas, um substitutivo e, enfim, a aprovação pelo Congresso Nacional. Na Presidência da República, o texto sofreu, ainda, alguns vetos, até a versão final publicada. Nestas notas, resgata-se essa trajetória e analisa-se, sucintamente, o novo diploma, abrindo uma reflexão sobre em que medida seus dispositivos contribuem à metropolização brasileira.

 

Uma trajetória cheia de percalços

Em 05/05/2004, o deputado Walter Feldman (PSDB/SP) submeteu à Câmara dos Deputados projeto de lei (PL 3.460/2004) com o fito de, nas palavras da própria ementa, instituir diretrizes para a Política Nacional de Planejamento Regional Urbano, criar o Sistema Nacional de Planejamento e Informações Regionais Urbanas e dar outras providências (quadro 1). Ainda nesse ano, o projeto foi analisado pelas comissões de Desenvolvimento Urbano, de Finanças e Tributação, de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos Deputados, porém, em 31/07/2007, sem emendas, foi arquivado pela primeira vez. O autor mesmo requereu seu desarquivamento, que ocorreu menos de um mês depois, retornando à apreciação da Comissão de Desenvolvimento Urbano. Reaberto a emendas, outra vez as mesmas não foram apresentadas.

Em março de 2008 é formatada Comissão Especial composta, além das já citadas, pelas comissões do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, e de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, na qual o debate tampouco avançou. A proposta é abandonada pela segunda vez, em janeiro de 2011. Dois meses mais tarde, o PL volta à pauta e o deputado Zezéu Ribeiro (PT-BA) é designado como seu relator. Nesta etapa, surgem 48 proposições de emendas. A partir daí, uma sequência de reuniões, seminários na Câmara dos Deputados e discussões regionais se desenrola, resultando num substitutivo bastante detalhado e construído participativamente. Ao fim e ao cabo, outras 33 emendas foram agregadas a esse substitutivo que, em sua versão final, com o parecer do relator, foi aprovado por unanimidade.

A seu turno, no Senado Federal, o trâmite foi muito mais célere. Remetido pela Câmara dos Deputados em 17/03/2014, já na data de 19/12/2014 é encaminhado pela Casa para a sanção presidencial, que ocorreu no último dia 12 de janeiro.

Nessas idas e vindas, vale destacar o notável empenho com que o deputado Zezéu Ribeiro, conduziu o processo, em diversos momentos. Sua equipe esteve engajada para aproximar o conteúdo técnico das propostas às exigências constitucionais, buscando clareza e coerência legislativas, sem abrir mão da perspectiva de participação democrática.

Em busca de uma metrópole para o Estatuto

Levantaram-se muitas críticas ao projeto original, de iniciativa do deputado Valter Feldman, gerando maior resistência às definições de “região metropolitana” (RM) e de “aglomeração urbana” (AU). Por essa versão, a primeira deveria ostentar um núcleo central com, no mínimo, 5% (cinco por cento) da população do País (9.537.789 habitantes em 2010) e, para a segunda, exigia-se, no mínimo, 2,5% da população (4.768.895 habitantes) (art. 6, I, a e b). Exceto a RM polarizada por São Paulo, não havia na época, nem existe atualmente, qualquer outra aglomeração com tal característica; da mesma forma, só a unidade polarizada pelo Rio de Janeiro poderia tornar-se uma AU. Essa definição superestimada destituiu de credibilidade o restante do conteúdo do projeto. Outras inadequações se somaram, como a diferenciação e identificação das unidades territoriais a serem criadas pautavam-se, exclusivamente, em critérios demográficos e de ocupação, quando a teoria demonstra que são as funções e as atividades, de fato, os elementos que distinguem sua natureza.

Em vez de tratar especificamente da dimensão metropolitana, como deixava transparecer, o PL estabelecia as diretrizes para a Política Nacional de Planejamento Regional Urbano (PNPRU) e desenhava o Sistema Nacional de Planejamento e Informações Regionais Urbanas. Nesses aspectos, o projeto tornou-se extemporâneo, pois, enquanto dormitava em Brasília, lançaram-se as bases de inúmeras políticas setoriais, na área da habitação, da mobilidade, do saneamento, da defesa civil, etc. Além disso, o Estado brasileiro, ao longo dessa década, formulou políticas e programas em vários âmbitos que obtiveram adesão da sociedade.

Ao assentar os fundamentos da PNPRU, o projeto considerava a dimensão “regional-urbana”, entendida como aquela afeta ao exercício das funções públicas de interesse comum (FPIC). No entanto, conceitual como pragmaticamente, a dinâmica urbano-regional não se esgota aí, mas contempla um conjunto de relações que se estendem sobre um espaço que transcende os limites da porção mais adensada da aglomeração, o que exige articulação com outros planos, políticas ou programas de alcance regional. Essa natureza (urbano-regional) é notória no processo de metropolização brasileiro, no qual a formação de grandes regiões urbanas, contínuas e descontínuas, é a principal característica. A começar pela macrometrópole de São Paulo, que abrange, em sua unidade, uma rede de aglomerações urbanas, muitas institucionalizadas como RMs e AUs. Essa realidade impõe que se vislumbrem outras morfologias de estatura urbano-regional – espacialidades mais complexas, arranjos espaciais, cidades em rede, configurações difusas, transfronteiriças, entre outras –, além das categorias essencialmente constitucionais.

Tais inconsistências evidenciaram a necessidade de se rever cada artigo do projeto proposto. Ficou clara, igualmente, a urgência de regras que orientassem a instituição de “regiões metropolitanas” no país e que cobrassem o cumprimento do objetivo fundamental para o qual deveriam ser instituídas: o exercício das funções públicas de interesse comum. Desde a Constituição Federal de 1988, que franqueou aos estados a competência para a instituição de RMs, AUs e microrregiões (MRs), o número de RMs no país se elevou das 9 unidades instituídas por Lei Federal (14/1973 e 20/1974) para mais de 60, distribuídas entre os estados da federação, a grande maioria, seguramente, sem os predicados mínimos que lhes atribuam verdadeira natureza metropolitana. Essa proliferação casuística e o descaso reiterado, por parte dos estados, para com critérios que distingam aglomerações polarizadas por metrópoles daquelas que correspondem a simples aglomerações urbanas implicaram em grandes obstáculos à promoção de ações nesse setor, sobretudo por parte do governo federal.

Ademais, entre as RMs institucionalizadas, poucas tiveram como motivação o efetivo exercício das FPIC, e um número menor ainda concretizou a composição de estruturas de governança democrática. Ou seja, criar RMs tornou-se uma ação meramente política nos estados, porém completamente ineficaz para assumir os desafios mais típicos das aglomerações – como o transporte público, o abastecimento de água, a coleta e o destino de resíduos, entre outros – que exigem a atuação coordenada entre municípios e entre instâncias de governo, com participação da sociedade. Sabidamente, muitos dos dilemas estruturais com quais as cidades brasileiras têm de lidar hoje, expressos nas crises da mobilidade, da habitação, da água, estão intrinsecamente associados às fragilidades do planejamento e da gestão metropolitanos. As Jornadas de Junho de 2013 trouxeram à baila parte dessas questões, embora os movimentos sociais e a academia, há muito, já viessem insistindo na urgência de repensá-las em nova escala e com novas ferramentas.

A confecção do substitutivo ao PL teve como preocupação central enfrentar esses aspectos. Desde clarificar conceitos, definir instrumentos, apontar fontes de recursos, até buscar elementos que garantissem a construção de estruturas de gestão com mecanismos integradores e participativos, tornando a proposta mais refinada e precisa quanto ao objeto. A redação do substitutivo preliminar, mais ampla e minuciosa, fruto de intenso debate com representantes da sociedade civil, foi bastante modificada, mas seu arremate preservou a essência dos objetivos prenunciados: de dispor sobre a instituição de regiões metropolitanas e de aglomerações urbanas; de moldar a governança interfederativa dessas unidades; de fornecer os instrumentos de desenvolvimento urbano integrado; de garantir o apoio da União para sua implementação; e de consolidar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano Integrado – este, vetado no ato da sanção (quadro 2).

Acesse o artigo completo artigo “Estatuto da Metrópole: o que oferece à metropolização brasileira?”.

Última modificação em 29-01-2015