A saída, dizem, é remover as favelas e moradores em áreas de risco. As remoções de favelas e áreas de risco não representam soluções. É preciso a garantia do acesso à moradia digna para todos, para as famílias removidas, bem como as demais famílias de baixos salários que tendem a ocupar áreas não valorizadas pelo mercado imobiliário, as únicas que eles conseguem pagar, reproduzindo novas áreas de risco e novas favelas.
Da perspectiva do Direito à Cidade, o que foi veiculado pelos meios de comunicação esconde as causas do problema. As chuvas são fenômenos naturais, mas seus efeitos são sociais e atingem de forma diferenciada a população das cidades. A inexistência e insuficiência de políticas habitacionais e de planejamento urbano que promovam efetivamente a construção de cidades inclusivas e menos injustas, torna os governos responsáveis pelas tragédias. A causa é a mercantilização da cidade, pelos grandes interesses econômicos do mercado imobiliário, que empurra os trabalhadores pobres para as piores áreas, em geral ilegais e sem infra- estruturas. A produção mercantil da cidade não oferece moradias dignas a preços compatíveis à renda da população trabalhadora.
Denunciamos a omissão do poder público no enfrentamento da segregação socioespacial e sua subordinação aos grandes interesses econômicos, e sua incapacidade de tornar efetiva a Função Social da Cidade, previstos no Estatuto das Cidades. O Estatuto contém instrumentos jurídicos e urbanísticos com o objetivo de garantir, que a cidade e a propriedade urbana cumpram a sua função social e possibilitem a vida digna de todas(os) as(os) citadinas(os) com acesso à moradia, ao saneamento ambiental, à mobilidade, à educação, à saúde, ao trabalho, à cultura e ao lazer.
Denunciamos que os atingidos pelas enchentes e desbarrancamentos são os mais pobres, vítimas das desigualdades sociais, as quais se sobrepõem desigualdades urbanas e ambientais, configurando um quadro de injustiça urbana e ambiental.
O movimento pela reforma urbana, tendo o Fórum Nacional de Reforma Urbana como sua maior expressão, atua a mais de 20 anos lutando para que o Estado elabore e implemente Políticas Públicas que combatam a desigualdade socioespacial urbana para que a cidade seja um espaço de convivência, justa, democrática e sustentável.
O Fórum Nacional da Reforma Urbana reivindica a aplicação de instrumentos para a função social da propriedade urbana e a gestão democrática. A legislação urbana contém instrumentos para garantir o direito à moradia para as pessoas que estão morando em áreas urbanas públicas, declaradas oficialmente pelo Poder Público, como áreas de risco. A Medida Provisória 2220/2001 determina que aqueles que até 30 de junho de 2001, possuem como seu para moradia e de sua família, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição com área de até 250 m², de imóvel público situado em área urbana, tem o direito a conce ssão de uso especial para fins de moradia, desde que não seja proprietário ou concessionário, de outro imóvel urbano ou rural. No caso de a ocupação acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder Público garantirá ao possuidor o exercício do direito à moradia em outro local.
O direito à moradia é reconhecido legalmente aos moradores de favelas situadas em áreas urbanas que usem o barraco, a casa, para fins de sua moradia. Cabe lembrar que a maioria das favelas nas grandes cidade como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte existe a mais de 20 anos. Mesmo nos casos de áreas de risco, o direito à moradia é reconhecido, sendo necessário o reassentamento em moradia digna, por meio de um processo participativo e democrático, conforme Lei 11.977, no seu artigo 48, inciso III.
O ordenamento jurídico brasileiro não prevê “remoções” de famílias e comunidades inteiras como medida política ou social. A legislação fala em reassentamento de moradias em áreas de risco à vida ou à saúde. Se não for área de risco as famílias e comunidades deverão ter sua moradia regularizada no próprio local em que habitam. Esse é um dos princípios da regularização fundiária no Brasil, conforme o art. 48, inciso I da Lei 11.977/2009 (Programa Minha Casa Minha Vida). Em casos de risco, é obrigação do poder público prover uma moradia digna para estas pessoas em outro local.
O Estatuto das Cidades e a Lei n.º 11.444 reconhecem o saneamento ambiental como um direito fundamental vinculado ao direito à cidade. Define como princípios fundamentais o saneamento como um conjunto de serviços e infra-estruturas, que envolvem serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgotos sanitários, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, rede de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, detenção ou retenção de vazões de cheias, destinação adequada das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas. Estes serviços, se prestados adequadamente a todos, poderiam garantir maior qualidade de vida e reduzir os riscos de enchentes e mortes decorrentes das chuvas.
Tragédias como essas não serão evitadas com políticas imediatistas e desconectadas, mas com políticas integradas de curto, médio e longo prazo. Assim, o Fórum Nacional de Reforma Urbana defende: (i) o estabelecimento de uma Política de Regularização Fundiária, sem despejos; (ii) quando a situação de moradia por em risco a vida dos seus moradores deve ser discutido e elaborado, com a participação dos moradores e de suas organizações sociais, um projeto de reassentamento que garanta o direito à moradia digna; (iii) no período de implementação do projeto de reassentamento, é necessário garantir o pagamento de um aluguel social às famílias, para que estas possam acessar um local de moradia di gno próximo da área reassentada e preservar seus laços sociais e relações de trabalho; (iv) a imediata elaboração de uma Política de Moradia Popular de forma preventiva, ou seja, proporcionando uma adequada oferta de moradia popular que hoje efetivamente não existe (a demanda é muito maior que a oferta); (v) o estabelecimento de uma Política Fundiária séria e efetiva nas Cidades que garanta a função social da propriedade e da cidade.
Cabe ao Poder Público garantir a implementação dessas políticas e desses direitos, para que as atuais e futuras gerações não sejam vítimas, mais uma vez, do permanente descaso.
Em razão disso, o Fórum Nacional de Reforma Urbana vem se solidarizar com todos os moradores dessas cidades brasileiras com o objetivo de fazer com que o Poder Público estabeleça políticas efetivas que garantam moradia digna e uma cidade melhor para cada uma dessas famílias. É um direito dessas comunidades. É o seu direito à cidade, portanto, um dever do Estado.
O Direito a função social da cidade só pode ocorrer com a implementação de instrumentos jurídicos e urbanísticos, previstos no Estatuto das Cidades, que subordina os interesses mercantis aos interesses coletivos, aos direitos humanos, as necessidades das pessoas.
O Fórum Nacional de Reforma Urbana exige do poder público a promoção de cidades inclusivas, justas, democráticas e sustentáveis.