*Por Raquel Rolnik. Professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade. Texto originalmente publicado no UOL.
Neste momento em que vivemos a pior fase da pandemia, com 3.950 mortes no país nas últimas 24h, se nos questionarmos quais medidas estão sendo tomadas para frear o avanço da doença, (mais uma vez) infelizmente não veremos as políticas públicas de prevenção que necessitamos. Como já temos reiteradamente afirmado, inclusive a partir do resultado de pesquisas, é imprescindível uma política específica de proteção durante a circulação, principalmente no transporte coletivo, o que tem sido negligenciado.
No estado de São Paulo, a fase emergencial que começou a valer no dia 15 de março, com restrições maiores, foi o primeiro momento do Plano SP, desde sua criação, em que o transporte público foi mencionado. Mas, mesmo assim, de forma vaga. As medidas propostas pela fase emergencial neste âmbito foram insuficientes — falei aqui sobre o escalonamento de trabalhadores e a não diminuição das frotas de ônibus pelas prefeituras, o que foram apenas recomendações, e não algo mandatório. Isso é muito grave, porque o transporte é peça fundamental na disseminação desenfreada da covid-19, pensando o quanto esse transporte coletivo, que por natureza já apresentaria perigo por ser um ambiente fechado, é superlotado e mal ventilado, mesmo sendo um local onde as pessoas são obrigadas a passar horas de seu dia em viagens com motivo trabalho, inclusive para trabalhadores de serviços essenciais.
Neste momento é importante avançar na implementação de medidas concretas. Desde propostas de inclusão dos motoristas e cobradores do transporte nos grupos prioritários de vacinação, abertura das janelas e outras formas de incremento de filtragem e ventilação, aumento de oferta da frota em locais com maior demanda de passageiros, ampliação de áreas de espera como terminais e pontos para evitar aglomerações, e outras. Uma medida imediata que, apesar de não ser a solução definitiva, poderia salvar muitas vidas é a distribuição gratuita de máscaras do tipo PFF2 nos transportes coletivos.
Para quem não conhece as PFF2, estas são as máscaras mais indicadas para o coronavírus, porque têm uma capacidade maior de filtrar os aerossóis — já se sabe que há risco elevado de transmissão do coronavírus por aerossóis, pois ele pode viajar também em partículas menores e mais leves, que são capazes de ficar suspensas no ar por horas em lugares fechados e sem ventilação. As máscaras caseiras, de pano, apesar de indispensáveis na falta de uma PFF2, têm diversas limitações e não conseguem nos proteger o suficiente neste momento de aumento do contágio, sobretudo para locais fechados, menos arejados e mais lotados.
A sigla PFF significa peça facial filtrante, um tipo de respirador padronizado, testado e certificado em cada país, com uma capacidade de não apenas proteger os outros ao redor (assim como fazem as máscaras de tecido e cirúrgica), como também proteger quem usa, filtrando gotículas e aerossóis e vedando melhor o rosto. A PFF2, ou N95, como é chamada nos EUA (atenção, não é a Kn95!) filtra aproximadamente 95% das partículas no ar, e impede vazamentos no rosto, como é mais comum de ocorrer no uso de máscaras caseiras. Com clipes nasais e elásticos que prendem atrás da cabeça, a PFF2 consegue também aderir muito melhor ao rosto, evitando a entrada e saída das partículas que carregam o vírus.
Pensando em exemplos internacionais, a França já desaconselhou o uso das máscaras caseiras, recomendando as cirúrgicas e PFF2. Áustria e Alemanha passaram a exigir o uso dessas máscaras (cirúrgicas ou PFF2) em locais como transporte público e comércio. No Brasil, destaco uma iniciativa importante do governo do estado de Goiás que, com uma ONG, distribuiu 200 mil máscaras PFF2 no transporte coletivo na região da Grande Goiânia.
Enquanto isso, há um movimento na cidade do Rio de Janeiro que organizou um abaixo-assinado e carta assinada por especialistas, além de moradores e apoiadores de outras regiões, pedindo à prefeitura carioca campanhas de distribuição de respiradores PFF2 na cidade em locais estratégicos (como estações de trem, metrô e BRT) junto a uma “grande campanha informativa reforçando a importância da proteção respiratória, para estimular e facilitar a transição da população para máscaras melhores”.
A PFF2 tem, em geral, um preço maior do que as comuns de tecido dependendo da marca, mas em meio a um contexto de alta procura é possível encontrar produtos superfaturados por vendedores oportunistas, ainda que a fabricação brasileira tenha triplicado em um ano. Por estas razões, a distribuição destas máscaras nos transportes públicos e outras áreas públicas que apresentam lotação seria muito importante.
Pensando nas leituras que temos feito no LabCidade desde o início da pandemia em relação à territorialização das concentrações de contágio, é evidente que fazer a distribuição das máscaras é tema crucial, e que deveria ser estratégica. É preciso distribuir de uma forma diferenciada na cidade, priorizando os locais onde há proporcionalmente mais concentração de contágio e mortes. E, considerando que em boa parte temos usuários com menor possibilidade de comprar máscaras, esta seria uma política pública que, mirando prioritariamente em quem é mais vulnerável e exposto ao contágio, conseguiria salvar muitas vidas.