Quinta maior região metropolitana brasileira, Fortaleza mantém, ainda hoje, um quadro de macrocefalia na estruturação da sua rede urbana, marcada por disparidades socioespaciais, concentração de investimentos públicos e privados, e desigualdade social. O e-book “Fortaleza: transformações na ordem urbana”, lançamento da Rede Observatório das Metrópoles, analisa as mudanças e permanências ocorridas nas últimas décadas na RMF, apontando que esse território urbano ainda vive dividido entre a cidade autosegregada e a cidade dos excluídos.
Segundo os professores Renato Pequeno e Maria Clélia Lustosa, as transformações urbanas da metrópole Fortaleza se inserem em um cenário de globalização da economia nas últimas décadas, atestados por um permanente processo de reestruturação produtiva, o qual ganha formas diversas desde a implementação de políticas governamentais inseridas num espectro que abrange do neoliberalismo ao neodesenvolvimentismo.
Nesse sentido, a metrópole de Fortaleza apostou, nesse período, em um programa de desenvolvimento urbano com foco no conceito de cidade estratégica, estimulando a competitividade entre as cidades, em detrimento do desenvolvimento regional e da cooperação intermunicipal.
É a partir dessa perspectiva da qual parte as análises presentes no e-book “Fortaleza: transformações na ordem urbana”.
De acordo com o professor Renato Pequeno, em relação à atividade agropecuária, historicamente associada às práticas extrativistas no semiárido, à produção de castanhas de caju, assim como à pesca de crustáceos, esta ganha novos contornos. Concentrado nos vales úmidos e diretamente associado à nova política estadual de gestão dos recursos hídricos, o agronegócio da fruticultura tem sido um dos vetores do desenvolvimento econômico do Ceará, fazendo emergir novos centros regionais, com conseqüentes alterações no mercado de trabalho agrícola mediante sua formalização, trazendo disputas pelo acesso à terra e à água. Dentre os vínculos espaciais com a RMF destacam-se o escoamento da produção voltada para o mercado internacional globalizado através do Porto do Pecém, assim como o reconhecimento de Fortaleza como mercado consumidor, os quais demandaram melhorias nas infraestruturas viárias regionais.
Já o processo de industrialização ocorrido no estado nas últimas décadas, apesar da dispersão industrial por municípios com função de centro regional, tem reforçado o crescimento da importância da Região Metropolitana de Fortaleza e alterado profundamente sua configuração espacial em função do porte e da quantidade de em- preendimentos do setor secundário instalados no período. Por um lado, nota-se a presença de concentrações industriais nos municípios da RMF periféricos à capital, com destaque para o Complexo Industrial e Portuário do Pecém; por outro, as antigas localizações do setor secundário presentes no tecido urbano da capital passam a ser alvo de processos de renovação urbana.
No âmbito do turismo, é evidente sua expansão sobretudo com as facilidades e os serviços implementados na capital e nos atrativos dispersos ao longo do litoral, bem como as infraestruturas que viabilizam a conexão de Fortaleza aos destinos do turismo de sol e mar, inclusive extrapolando os limites político-administrativos da região metropolitana.
“A intensificação destes fluxos ganha maior intensidade em razão do histórico processo de implantação de loteamentos para segunda residência à beira-mar das famílias de classes mais abastadas desde os anos 1960. Somados, estes processos corroboram a evidente especulação imobiliária que ameaça permanentemente comunidades tradicionais e suas práticas culturais. Com isso, a RMF cada vez mais tende a ser estendida ao longo do litoral, inclusive com a recente incorporação de novos quatro municípios à região metropolitana em 2014, no caso: Paracuru, Paraipaba, São Luís do Curu e Trairi”, explica Renato Pequeno na apresentação do estudo.
Para além da predominância de Fortaleza, algumas dinâmicas merecem ser aqui enfatizadas na escala do estado: a concentração da população nos municípios de médio porte e nos centros regionais; o crescimento das taxas de urbanização nos municípios; o maior crescimento demográfico nos municípios situados ao longo do litoral, nas proximidades da RMF e mesmo daqueles periféricos a Fortaleza.
Além disso, em função destas atividades econômicas implementadas no Ceará ao longo das últimas décadas, muitas foram as transformações ocorridas na estrutura urbana das cidades. Apesar disso, grande parte dessas transformações mostram-se vinculadas à implantação de projetos setoriais localizados, os quais não decorrem de processos de planejamento que tenham considerado a totalidade do território, muito menos uma abordagem intersetorial, trazendo à tona efeitos perversos sobre o espaço social.
“Apesar de denominados projetos estruturantes, mostram-se muito mais associados às práticas excludentes, valorizando determinados recortes espaciais em detrimento da grande maioria do território intraurbano”, afirma o professor Renato Pequeno.
Na ausência de instrumentos de planejamento eficazes e de uma gestão eficiente, a maior parte das cidades da Região Metropolitana de Fortaleza continua enfrentando problemas no seu crescimento urbano, tais como: o adensamento de áreas melhor providas de serviços, o abandono de áreas estagnadas, a expansão urbana em direção às franjas periurbanas, a presença de glebas vazias entre os bairros próximos ao Centro e às periferias.
Deste crescimento desordenado, as cidades mostram-se cada vez mais impregnadas de conflitos de uso do solo e de ocupação do território. Disto torna-se visível a forma diferenciada como se dá o acesso às redes de infraestrutura urbana e aos equipamentos sociais, alem de diversos problemas no âmbito da mobilidade. Contudo, é através das condições de moradia e acesso à terra urbanizada que se pode demonstrar o reduzido alcance social destas políticas de desenvolvimento econômico, trazendo à tona o acirramento das desigualdades como desafio a ser enfrentado.
“Quando se focaliza a Região Metropolitana de Fortaleza, estas questões ganham peso ainda maior dadas as condições de concentração demográfica, a intensidade tanto do uso do solo quanto de fluxos de pessoas e de mercadorias, as disparidades socioespaciais e as vulnerabilidades socioambientais. Com isso, revelam-se algumas macrodinâmicas que ganham cada vez mais relevância no cenário metropolitano, no caso, a segregação residencial e a fragmentação social e política”, conclui Renato Pequeno.
Acesse o conteúdo completo do e-book “Fortaleza: transformações na ordem urbana”.
Coleção “Metrópole: Território, Coesão e Governança Democrática”
O e-book Fortaleza: transformações na ordem urbana integra a Coleção “Metrópoles: Território, Coesão e Governança Democrática” e representa para a Rede Nacional Observatório das Metrópoles o projeto mais importante no âmbito do Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT). O objetivo da pesquisa é oferecer a análise mais completa sobre a evolução urbana brasileira, servindo assim de subsídio para a elaboração de políticas públicas nas grandes cidades e para o debate sobre o papel metropolitano no desenvolvimento nacional.
A coleção conta com 14 livros (em formatos PDF e e-book) que analisam de forma comparativa as principais mudanças urbanas nas principais metrópoles do país, no período 1980-2010.
Acesse o site “Metrópoles: transformações urbanas”