Dossiê: Sustentabilidade e Justiça Socioambiental nas Metrópoles
O INCT Observatório das Metrópoles lança a nova edição da Revista Cadernos Metrópole. O número 29 traz o dossiê especial com o tema “Sustentabilidade e Justiça Socioambiental nas Metrópoles”, reunindo artigos que buscam avançar na compreensão das implicações dos atuais modos de produção, reprodução e consumo nas cidades e nas áreas metropolitanas, tanto no Brasil como em outros países, vinculados ao planejamento e as políticas públicas como potenciais articuladores na construção de alternativas comprometidas com a justiça socioambiental e a eliminação das diversas formas de desigualdade.
A revista Cadernos Metrópole tem como enfoque o debate da questão urbana e dos processos de urbanização nas diferentes formas que assume na realidade contemporânea. Trata-se de periódico interdisciplinar dirigido à comunidade acadêmica em geral e, especialmente, às áreas de Ciências Sociais, Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Geografia e Demografia. É um importante veículo de intercâmbio universitário e de discussão de temas contemporâneos, com ênfase em temas como pobreza e desigualdades socioespaciais, estudos urbanos, processos sociodemográficos, políticas públicas e gestão metropolitana. A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos que discutem os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema político-institucional das cidades e os desafios colocados à adoção de modelos de gestão voltados à governança urbana e metropolitana.
Segundo a professora Heloísa Soares de Moura Costa, organizadora da edição nº 29 da Revista Cadernos Metrópole, a nova publicação traz o dossiê “Sustentabilidade e Justiça Socioambiental nas Metrópoles” com o objetivo de repercutir criticamente o ambiente de debates ocorridos a partir da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) e do conjunto de eventos paralelos organizados pela sociedade civil em reação e de forma complementar ao evento oficial, ocorridos em junho de 2012.
“Nas duas últimas décadas, o debate ambiental na sua relação com as questões urbanas e territoriais avançou em diferentes perspectivas, ampliando-se para incorporar a urbanização, a economia, o planejamento, as políticas públicas, as práticas cotidianas, entre outras dimensões. Em grande medida, o discurso ambiental permeou a sociedade e, ainda que muito lentamente, consolida a noção de limites e reforça a necessidade de mudança nas formas de uso e convivência com os bens comuns e de fortalecimento do controle social sobre as formas de apropriação da natureza. Diferentes perspectivas ambientais vêm sendo internalizadas na prática dos agentes sociais, tendo como resultado a redefinição tanto de conteúdos e orientações no sentido de uma modernização ecológica das decisões e ações que orientam os processos de produção, consumo e regulação, quanto das relações de poder e lutas sociais que se constituem e organizam em torno de questões socioambientais”, explica Heloísa Soares da Moura Costa.
Do ponto de vista territorial, considera-se que diferentes configurações socioespaciais da urbanização têm implicações ambientais distintas e ainda pouco conhecidas em sua diversidade. Tais configurações espaciais podem ser identificadas por diferentes formatos de parcelamento do solo, níveis de adensamento demográfico, diferentes padrões e processos construtivos, desiguais níveis de renda e de acesso à habitação, à terra e a equipamentos e serviços, desiguais níveis de educação e acesso a trabalho e renda, entre outros parâmetros. Resultam de processos também diferenciados de atuação dos agentes sociais na produção do espaço.
Ainda que no momento atual, em particular no caso brasileiro, as condições de inserção na divisão internacional do trabalho tenham se alterado e as condições de renda e acesso aos meios de reprodução básica tenham tido seus patamares mínimos elevados, as condições de desigualdade persistem e, em alguns aspectos, se aprofundam. O aparente paradoxo do crescimento com persistência da desigualdade, encontra na cidade, na luta pelo espaço e na dinâmica imobiliária, uma de suas mais flagrantes evidências socioespaciais. Tal crescimento vem se dando à custa de formas renovadas de apropriação utilitarista da natureza, modernizadas como economia verde, e legitimadas por discursos que invocam princípios de sustentabilidade ou de resiliência. A esses, cabe sempre acrescentar o eterno corolário dos passivos socioambientais, de educação, moradia, saúde, lazer, cultura, saneamento, entre outros tantos. “A constante busca por articulação entre questões, ideários e proposições oriundas dos campos urbano e ambiental continua como uma questão norteadora de várias pesquisas que podem ser identificadas em várias das contribuições deste número do Cadernos Metrópole”, argumenta Heloísa.
Acesse a edição completa nº 28 da Revista Cadernos Metrópole aqui.
Dossiê: Sustentabilidade e Justiça Socioambiental nas Metrópoles
Os textos que abrem os Cadernos Metrópole 29 discutem as dimensões territoriais da urbanização e suas implicações em termos ambientais e sociais, em diferentes contextos. O artigo de Gemma Vilà e Jordi Gavaldà, intitulado Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social. Análisis de la región metropolitana de Barcelona, utiliza-se das formulações teórico-conceituais sobre cidade compacta e cidade dispersa para avaliar os limites e possibilidades da coexistência e justaposição de ambos os casos na configuração atual de Barcelona e sua região metropolitana. Ao fazê-lo, estabelece interessantes relações entre sustentabilidade social e forma urbana que encontram eco em várias outras metrópoles no mundo.
De outra perspectiva, o texto Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino: o papel das cidades no processo de adaptação ambiental de Ricardo Ojima questiona as prevalentes visões negativas do crescimento urbano quando vistas pela ótica ambiental, argumentando que contextos territoriais distintos produzem respostas distintas, a exemplo da dinâmica urbana e migratória recente do semiárido nordestino brasileiro, apontando potencialidades e limitações para pensar processo de adaptação diante do desastre natural mais significativo da região que é a seca. Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto, com o texto Reflexos de sustentabilidade de outrora e ambiguidades contemporâneas em Belém, analisam situações tidas como insustentáveis de práticas de mercado referentes ao uso e ocupação da terra e à expansão urbana, em especial as transformações recentes nos ecossistemas de várzea e outros espaços ocupados pelas populações nativas.
A segregação territorial vista a partir das estatísticas oficiais em dois países é o tema desenvolvido por Isabel Pato e Margarida Pereira no texto Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana. Leitura foucaultiana dos casos de França e de Portugal. As autoras fazem uma interessante reflexão sobre o exercício de poder a partir do domínio tecnológico da informação e as estruturas de governança que incluem o planejamento urbano. A perspectiva comparada de análise de políticas públicas territoriais também está presente no artigo Luces y sombras sobre el territorio.
Reflexiones en torno a los planteamientos de la OPS/OMS en América Latina de autoria de Magdalena Chiara e Ana Ariovich. Políticas de saúde são avaliadas, e nelas são destacadas as dimensões territoriais de políticas sanitárias, bem como as dimensões socioambientais dessas políticas, incluindo questões como mobilidade e localização. O artigo questiona ainda a influência das instituições internacionais de saúde na definição dos setores sociais contemplados pelas políticas nos estados latino-americanos e caribenhos.
O debate conceitual proposto neste número dos Cadernos Metrópole referenciado na consolidação do campo analítico da ecologia política da urbanização se beneficia das contribuições do próximo conjunto de artigos: Ester Limonad, como anunciado no título de seu texto – A insustentável natureza da sustentabilidade: da ambientalização do planejamento às cidades sustentáveis, critica a naturalização do discurso sobre a sustentabilidade, em particular seu uso generalizado no sentido de legitimar os discursos e as práticas de planejamento urbano e regional, a exemplo da proposta de cidades sustentáveis da ONU. Em contrapartida, propõe um redirecionamento do debate rumo a práticas transformadoras de planejamento, buscando a construção do que define como economia política do espaço. Klemens Laschefski faz um resgate histórico do conceito de desenvolvimento sustentável, associando seu uso aos momentos de crise dos modos de produção, em seu texto sobre 500 anos em busca da sustentabilidade urbana. Usando o caso de Belo Horizonte, discute para o momento atual a aplicação do Estatuto da Cidade às práticas dos agentes imobiliários que resultam em crescente elitização do espaço.
Em Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade: em busca de uma construção interdisciplinar, Lúcia Cony Faria Cidade aborda as condições de injustiça socioambiental presentes na forma desigual pela qual as populações em situação de precariedade social são atingidas por desastres naturais e outras ameaças. A discussão baseia-se em uma revisão bibliográfica de distintos enfoques sobre a vulnerabilidade. O texto reforça a importância da adoção de abordagens interdisciplinares, integrando processos sociais e ambientais e incorporando um olhar espacial nos estudos da vulnerabilidade.
O conjunto de artigos a seguir discute, a partir de estudos de caso, implicações espaciais e ambientais de grandes intervenções urbanas/metropolitanas. O texto Espaço urbano, circulação e preservação ambiental: impasses e perspectivas na área de influência do Rodoanel em São Bernardo do Campo, SP, de Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim analisa o processo de produção do espaço urbano e as transformações da paisagem ao longo do Trecho Sul do Rodoanel Mário Covas, na Região Metropolitana de São Paulo, particularmente no município de São Bernardo do Campo, enfatizando o papel dos vários agentes sociais que nele atuam. De forma mais abrangente, Pedro Roberto Jacobi também discute o caso de São Paulo por meio de uma visão panorâmica das relações entre ambiente e sociedade lastreadas no processo de urbanização paulistano. Seu texto, São Paulo Metrópole Insustentável – como superar esta realidade?, reforça a segregação associada à informalidade urbana, as fragilidades ambientais e os crescentes desafios em termos de planejamento e formulação de políticas públicas que se contrapõem à pujança econômica, demográfica, social e cultural da metrópole, num aparentemente incontornável paradoxo. O texto aponta ainda o despreparo da esfera pública para lidar com tal complexidade.
Uma discussão sobre as ocupações de encostas e áreas de risco em geral e suas implicações em termos de resiliência e do que chama de sustentabilidade da paisagem é apresentada por Mônica Bahia Schlee no texto intitulado Ocupação de encostas urbanas: algumas considerações sobre resiliência e sustentabilidade. A autora identifica padrões morfológicos, processos e lógicas que originaram as situações estudadas. Além disso, argumenta a favor do importante papel dos espaços livres no fortalecimento da proteção das florestas, da capacidade de suporte e de amortecimento de impactos nas encostas urbanas, e, consequentemente da resiliência e sustentabilidade desses sistemas paisagísticos. Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos, no texto Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização na Ressaca Lagoa dos Índios em Macapá/AP, discutem os conflitos ambientais resultantes de visões e usos diferenciados na ocupação do território. O trabalho contribui para a compreensão dos embates em torno da apropriação de recursos, ao expor as formas e estratégias pelas quais cada agente social busca impor sua visão de mundo e assim legitimar representações e práticas estabelecidas.
Ainda no que se refere ao debate sobre práticas de intervenção, a necessidade de articulação entre políticas públicas, especialmente no nível local, já apontada no texto de Jacobi, é retomada e reforçada no artigo de Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult intitulado Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo, entre transformações e permanências. Focando na urbanização e ocupações de fundos de vale na cidade de São Paulo, por meio da implantação de parques lineares e de infraestrutura de saneamento, o texto aponta o descompasso entre o discurso e as práticas no tratamento das questões urbano-ambientais, principalmente pela falta de coordenação intersetorial e territorial, resultando em intervenções incompletas e desiguais, a exemplo da criação de áreas verdes sem as correspondentes ações de saneamento e urbanização dos assentamentos informais.
O artigo seguinte, Desarrollo regional y sustentabilidad: turismo cultural en la región sur de Jalisco, de autoria de José G. Vargas Hernández, discute o potencial turístico de uma região em Jalisco, México. Com base no argumento central de que o patrimônio cultural de uma região constitui um forte elemento motivador para deslocamentos de grande distância, aponta as virtudes de realização de diagnósticos estratégicos e elabora propostas para o desenvolvimento do turismo cultural na região.
Fechando o conjunto de artigos, Tatiana Cotta Gonçalves Pereira, em seu texto Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense: identificando problemas ambientais a partir das demandas ao Ministério Público, retoma a temática da injustiça ambiental como um acúmulo de condições adversas e profundamente desiguais a que estão sujeitos os grupos sociais mais pobres e residentes em áreas em que as desigualdades se manifestam de forma contundente, as zonas de sacrifício da metrópole do Rio de Janeiro, conforme a expressão utilizada no artigo. A discussão é respaldada em interessante pesquisa feita junto ao Ministério Público, reforçando seu papel dessa esfera de poder na atuação em prol de melhores condições de justiça socioambiental.
Os textos aqui reunidos mostram que muitos avanços ocorreram em termos do debate teórico e da incorporação do mesmo às pesquisas. Por outro lado, expõem de forma contundente a captura e aparente naturalização do discurso ambiental pelo estado e pelas empresas, sem alterações significativas nos processos de produção e consumo ou na adoção de políticas e práticas que resultem em maior justiça socioambiental. As experiências analisadas dificilmente apontam para perspectivas de transformação social ou radicalização nos embates associados a situações de conflitos. Desta forma, os elementos que motivaram a chamada de trabalho deste número temático continuam presentes, e esperamos que os artigos aqui reunidos constituam um estímulo para novas pesquisas e para a continuidade do debate.
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