Jonathan Seronato¹
Rosa Moura²
Um termo bastante utilizado entre aqueles que têm o hábito de jogar baralho é o de “carta marcada”, isso acontece quando antes mesmo da partida começar, o vencedor já está decidido. O calendário eleitoral dos paranaenses pode ser um exemplo. Isso porque o atual governador Carlos Roberto Massa Junior, o Ratinho Junior (PSD), atua nos bastidores como reeleito já no primeiro turno e com uma margem muito superior em relação ao segundo colocado que, de acordo com as pesquisas eleitorais recentes, deve ser o ex-governador Roberto Requião (PT).
Eleito em 2018 no primeiro turno com 59,99% dos votos válidos, Ratinho Junior é um dos governadores que, apesar de não exibir Jair Bolsonaro (PL) nas peças publicitárias, declarou apoio à reeleição presidencial. Com uma robusta base composta por 11 partidos, desfruta de uma posição que o coloca como o detentor do maior tempo de campanha político partidária, 6 minutos e 31 segundos, seguido de Roberto Requião, com 2 minutos.
Análises realizadas para a Região Metropolitana de Curitiba (RMC), no âmbito do projeto “Reforma Urbana e Direito à Cidade”, concluem que esse é um espaço com grande desigualdade social e intermunicipal e que carece de políticas públicas adequadas para atender às demandas sociais e capacitar os municípios para a gestão cooperada das funções públicas de interesse comum. Tal qual esse espaço, que se encontra longe de alternativas que garantam sua integração, outras sete “regiões metropolitanas” foram institucionalizadas no Paraná (Apucarana, Campo Mourão, Cascavel, Londrina, Maringá, Toledo e Umuarama). Com que olhar esse conjunto de unidades metropolitanas foi contemplado nos programas de governo dos candidatos ao governo do estado?
Similarmente ao exercício realizado pelo Núcleo Curitiba da rede Observatório das Metrópoles durante as eleições municipais de 2020, este texto busca analisar os planos de governo dos candidatos ao Palácio Iguaçu, sede do governo paranaense, sob uma perspectiva metropolitana, focando na forma com que o tema é abordado nos materiais dos postulantes em 2022.
No pleito, marcado para ocorrer no dia 2 de outubro de 2022, há nove concorrentes ao executivo estadual, entretanto, apenas cinco tratam da questão metropolitana. Entre esses que discorreram sobre o assunto, ainda que de forma pouco expressiva, o governador Ratinho Junior (PSD), com 55% das intenções de voto segundo levantamento realizado pelo Ipec entre os dias 13 e 15 de setembro em 57 municípios do estado, faz um retrospecto das obras iniciadas na RMC desde que assumiu o comando do estado, como a implementação do novo trecho da PR-423, que liga o município de Araucária a Curitiba e Fazenda Rio Grande, e a pavimentação da estrada que liga São José dos Pinhais a Mandirituba. O candidato também aventa desenvolver o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) para a RMC, exigência prevista no Estatuto da Metrópole (Lei Federal nº 13.089/2015), o qual visa desenvolver diretrizes, projetos e ações a fim de orientar o desenvolvimento urbano das cidades e diminuir as desigualdades sociais da região.
O ex-governador do Paraná e candidato pelo PT, Roberto Requião, com 28% das intenções do eleitorado, sugere a implementação de serviços socioassistenciais regionalizados, além da criação de programas de desenvolvimento competitivo do pequeno empreendedor nas regiões metropolitanas por meio de inclusão digital e capacitação gerencial.
O candidato do PDT, Ricardo Gomyde, com 2% das intenções de voto, propõe estimular a execução de Planos Integrados Metropolitanos, com ações voltadas ao turismo criativo, cultural e sustentável, mas não chega a detalhar como aconteceria. Gomyde também se refere a ampliar o emblemático subsídio do transporte público nas regiões metropolitanas do estado. Emblemático porque em gestões anteriores, o transporte público foi moeda de troca em disputas eleitorais e um dos maiores responsáveis pela derrota do prefeito de Curitiba e então candidato à reeleição Gustavo Fruet (PDT) no pleito de 2016.
O transporte público mais uma vez foi destaque, dessa feita nas propostas da candidata do PSOL, Professora Angela, com 1% das intenções de voto. De acordo com o material da psolista, é preciso criar corredores de transporte público e promover plataformas multimodais entre municípios. Joni Correia (DC), também com 1% do eleitorado, objetiva aplicar o Estatuto das Cidades e da Metrópole com a intenção de promover o desenvolvimento integrado das regiões metropolitanas. Entretanto, assim como Ratinho Junior, não detalha no plano de governo quais seriam as ações do governo para atingir tais objetivos.
Quatro candidatos não tratam sobre a temática: Professor Ivan (PSTU) e Solange Ferreira Bueno (PMN), ambos com 1% das intenções de voto, e Adriano Teixeira (PCO) e Vivi Motta (PCB), estes sem pontuação entre o eleitorado.
Vale ressaltar que a maioria dos postulantes que mencionam a metrópole se atêm ao transporte público, demonstrando alguma percepção de que este é um tema de interesse pelo fato de garantir as interações internas a esses espaços. Mesmo assim, como síntese do metropolitano, o transporte público, que já ajudou a modelizar Curitiba nos anos 1970, há anos deixou de ser um exemplo bem-sucedido de gestão, dado que sua integração no espaço metropolitano deixa a desejar e mesmo sua eficiência no âmbito do município da capital precisa também ser rediscutida.
Os planos metropolitanos, PDUIs ou similares, também são lembrados, mas como promessa que se não for cumprida não reverterá em nenhum castigo. Temas como saúde, educação, segurança pública, moradia, turismo, meio ambiente e cultura não ganham destaque nos planos de governo. As poucas vezes em que são citados, referem-se a propor alguma obra na Região Metropolitana de Curitiba, deixando de lado as outras sete RMs instituídas no Paraná.
Do ponto de vista eleitoral, é compreensível desenvolver ações para a Região Metropolitana de Curitiba, haja visto que, de acordo com o IBGE (2019), ela detém 30% da população paranaense e concentra a maior fatia do Produto Interno Bruto do estado. Mas é válido ressaltar que concentrar as ações têm como consequência aumentar as desigualdades regionais, as quais já são imensas.
Chama atenção o fato de que até mesmo o principal opositor ao governador Ratinho Junior não trouxe novidades sobre a questão metropolitana, demonstrando falta de interesse ou ciência quanto à importância dos temas. Ou seja, a metrópole, a integração metropolitana, os planos e políticas para as oito unidades instituídas no Paraná, pouco ou nada significam para os postulantes ao governo do estado, demonstrando que a eleição presidencial é o mote na esfera estadual para alguns representantes dos campos progressistas, que miram cargos federais, deixando em segundo plano assuntos sensíveis aos paranaenses.
Na perspectiva de provocar uma compreensão sobre a questão metropolitana, suas lacunas e seus desafios, o Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles elaborou o documento “Subsídios a uma agenda pela Reforma Urbana e o direito à cidade/metrópole na Região Metropolitana de Curitiba”, que reúne propostas e experiências que podem contribuir na proposição de políticas públicas adequadas à complexidade do espaço metropolitano. Esse documento está sendo amplamente divulgado entre candidatos, movimentos sociais, pesquisadores e docentes.
Como desafio aos próximos gestores permanece a implementação de ações que visem organizar a relação entre as cidades-polo e os municípios integrantes das unidades institucionalizadas, além de compreender a necessidade de ações em conjunto, por transcenderem o município e exigirem que sejam tratadas articuladamente entre esferas de governo, pois significam funções públicas de interesse comum. É o caso de muitas das problemáticas enfrentadas, como o saneamento básico, a gestão dos resíduos sólidos, o controle do uso do solo, a moradia e a segurança pública. Como prova da lacuna que impõe esse desafio, é válido ressaltar que a falta de ações conjuntas entre os municípios, particularmente na RM de Curitiba, no início da pandemia do novo coronavírus, foi crucial para o avanço da doença que, apenas no Paraná, ceifou a vida de mais de 40 mil pessoas, número superior a população de 350 dos 399 municípios paranaenses.
A sociedade, por sua vez, continua refém da ausência de propostas concretas sobre um tema tão importante. Enquanto a partida não acaba, resta aos jogadores depositarem suas cartas sobre a mesa e aguardarem o resultado anunciado. Resultado esse que pode reduzir as esperanças de mudanças a aqueles que confiam em 2026, pois são imensas as chances de que as mesmas coalizões atuais se mantenham dominando os destinos dos paranaenses daqui a quatro anos. Salvo se a oposição construir um bom projeto e mobilizar nomes viáveis o bastante para bater de frente com o grupo político que está no Palácio Iguaçu desde 2010.
_______________________________________________________________
¹ Doutorando da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Curitiba.
² Pesquisadora sênior do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Vice coordenadora do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles.