Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva*
Luciana Conceição de Lima**
Neste breve artigo, discutimos os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tão aguardados, e divulgados recentemente. Tais dados, entretanto, dão conta apenas de alguns indicadores populacionais, não sendo possível maiores conclusões sobre a dinâmica demográfica brasileira, em sua totalidade. Aqui, iremos abordar os dados populacionais para a Região Metropolitana de Natal (RM Natal), tecendo alguns comentários, e levantando algumas explicações preliminares.
A RM Natal possui 15 municípios na sua composição legal, com uma população total de 1,52 milhão de habitantes ou 46,2% de toda a população do Rio Grande do Norte. A maior parte da dinâmica econômica, funcional e demográfica metropolitana está concentrada nos municípios de Natal, Parnamirim, Extremoz, Macaíba e São Gonçalo do Amarante que, juntos, perfazem 1,2 milhão de habitantes.
Os dados divulgados indicam a continuidade de queda na taxa de geométrica de crescimento populacional da RM Natal, trajetória iniciada desde os anos 1990. Considerando o Censo dos anos 1991-2000, a taxa de crescimento foi de 2,63%, passando para 1,82% entre 2000-2010 e, agora, em 2022, 1,03%. Entretanto, comparar a taxa em si não revela muito mais do que a tendência, já identificada nas demais metrópoles brasileiras, da perda de dinamismo demográfico no núcleo urbano principal. Considerando apenas o município polo (Natal), seu crescimento foi negativo: 0,56% em 2022, contrariando algumas projeções anteriores que apontavam leve crescimento; em termos absolutos, ocorreu a diminuição de 52 mil habitantes. Dos municípios contíguos a Natal, aquele que mais surpreendeu em 2022 foi Extremoz, que alcançou uma população de 61.571 pessoas e uma taxa de crescimento de 7,96%, a maior da RM Natal e a terceira maior do Brasil. Por seu turno, Parnamirim (segundo em população) arrefeceu seu crescimento em relação às décadas anteriores, partindo de um ritmo de crescimento de 7,91% no período 1991 a 2000 para 4,97% entre 2000 e 2010, e alcançando uma taxa de crescimento geométrico de sua população de 1,87% entre 2010 e 2022, alcançando 252 mil pessoas ao final do período. Os demais municípios contíguos à Natal – São Gonçalo do Amarante e Macaíba – apresentaram leves quedas na sua taxa de crescimento (diferença de 0,04% e 0,93%, respectivamente). Ou seja, na “Grande Natal” (ou municípios com alta e média integração) os destaques foram para Natal (com taxa negativa) e Extremoz (com o triplo da taxa anterior).
O que os dados permitem compreender sobre o perfil demográfico da RM Natal?
Em primeiro lugar é importante apontar ao leitor que a RM Natal expandiu o número de municípios em 12 anos, passando de 10 para 15 municípios, embora estes últimos ingressantes representem (em 2022) apenas 4,7% da população total da região metropolitana. Por sua vez, os cinco municípios (incluindo o polo) mais integrados representam 82,7% do peso populacional. Esses números indicam que a dinâmica demográfica principal da RM Natal ainda está fortemente concentrada no entorno imediato de Natal, mas com algumas alterações importantes, isto é, a diminuição do crescimento da capital (com trajetória descendente desde 1991), e o aumento expressivo de Extremoz. Mais importante que este quadro geral, é a tendência de queda no ritmo de crescimento de todos os municípios do núcleo urbano principal (mancha urbana, excetuando-se Extremoz), e o aumento na taxa de crescimento dos municípios imediatamente externos a este “primeiro arco” metropolitano, isto é, Ceará-Mirim, São José do Mipibú e Nísia Floresta – compondo um “segundo arco”. Neste caso, tais municípios somados aumentaram, em 12 anos, apenas 26 mil pessoas contra os 37 mil novos habitantes de Extremoz, ou quase 21% de todo crescimento metropolitano de Natal (comparando com 2010), levando-nos a duas necessárias perguntas: a) por que Extremoz cresceu tanto? e b) por que os demais municípios estão com ritmos de crescimento ou decrescentes ou mais lentos que na década passada? Note que não estamos dando ênfase em Natal e sua “perda” de 50 mil pessoas. Até termos dados por bairros e setores censitários atualizados, não nos parece adequada uma resposta que não leve em conta movimentos intraurbanos. Se é um fato que Natal diminui seu crescimento há 20 anos, já o dissemos, o que resta a explicar é sua aceleração na última década e em quais bairros isso se processou mais intensamente.
Em trabalhos anteriores do Observatório das Metrópoles (Clementino; Ferreira, 2015), comentando sobre os resultados do Censo 2010, dissemos que o aumento no preço do solo nos bairros centrais, e dotados com infraestrutura, estava gerando uma maior procura por terrenos na periferia destinados a empreendimentos voltados à classe média baixa, acionados sobretudo pelos projetos do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), além de expandir a mancha urbana para Parnamirim e São Gonçalo do Amarante. Como efeito, bairros periféricos como Planalto e Nossa Senhora da Apresentação foram alguns dos que mais ganharam população entre 2000 e 2010, enquanto Petrópolis e Tirol (mais ricos e com maior infraestrutura) perdiam população. Os municípios de Macaíba, São Gonçalo do Amarante e Extremoz receberam boa parte dessa produção popular, em especial, acionando o mercado de solo por meio da implantação de empreendimentos PMCMV Faixas 1 e 2.
Entre 2009 e 2013 foram produzidas 28,2 mil unidades habitacionais na RM Natal, sendo que a Faixa 1 esteve fortemente concentrada no “primeiro arco” metropolitano, exatamente os municípios contíguos à Natal (Bentes Sobrinha, et al, 2015). E os primeiros resultados do Censo 2022 em relação aos domicílios, também corroboram este argumento. Depois da capital potiguar, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante e Macaíba se situam sempre na segunda, terceira e quarta posição, respectivamente, em termos da distribuição percentual de domicílios permanentes, domicílios permanentes ocupados, e domicílios permanentes não ocupados na data da entrevista. Um exemplo do impacto dessa produção no município de Extremoz pode ser visto no caso do empreendimento Jardins de Extremoz (etapa I ao IV), quando foram construídas 790 unidades habitacionais em um setor censitário que, em 2010, possuía apenas 980 domicílios. Este é apenas um caso, sendo que em todo o território contíguo à Natal ocorreram empreendimentos imobiliários (terrenos, casas, apartamentos), não apenas do PMCMV, voltados para classe média baixa e popular (Lima, 2018).
Crescimento expressivo de Extremoz exige um detalhamento maior
Uma possível evidência dos efeitos desses empreendimentos também apontada pelos primeiros resultados do Censo 2022 é que se considerarmos a distribuição dos domicílios particulares de uso ocasional entre os municípios da RM Natal, vemos Extremoz ocupando a quarta colocação (12,33%), perdendo apenas para Natal (28,3%), Parnamirim (15,9%) e Nísia Floresta (14,1%), e que representam municípios que tradicionalmente apresentam muitas casas de veraneio – portanto, de uso ocasional –, em razão de seus atrativos litorâneos. De fato, o crescimento expressivo de Extremoz exige um detalhamento maior, quanto a sua composição e diferenciações internas, análises que serão possíveis com a divulgação dos dados por Setor Censitário. Entretanto, é possível apontar que o entendimento da dinâmica demográfica recente está mais relacionado à oferta de solo barato nos municípios de alta integração metropolitana à Natal, posto que a economia metropolitana como um todo não apresentou fatos novos e marcantes que justificassem esse comportamento.
Em que pese a construção de um novo aeroporto em São Gonçalo do Amarante, em 2014, não houve o dinamismo econômico esperado, ou a chegada de empresas demandantes de grande número de trabalhadores. A participação do setor industrial na RM Natal caiu 6 p.p entre 2014 e 2019, enquanto os serviços aumentaram 3 p.p no mesmo período (Araújo, et al, 2021). Isto não significa, é bom apontar, que o setor imobiliário é responsável por toda a dinâmica demográfica, sendo muito cedo para afirmar isso. O que estamos refletindo é que onde houve crescimento demográfico municipal, o fator da disponibilidade de terra mais barata parece indicar um atrativo para as famílias que, sem poderem arcar com custos imobiliários crescentes no núcleo principal da metrópole, deslocam-se para as bordas metropolitanas. Esse fenômeno reforça a abertura de novos espaços residenciais desprovidos de infraestrutura e serviços urbanos adequados, ocupando as áreas rurais ou de expansão urbana no segundo arco da RM Natal. Os dados de migração, movimento pendular, nos permitirá comprovar isso.
Dados sobre domicílios
Ao todo, na RM Natal, são 697.427 domicílios particulares permanentes, sendo 76% destes ocupados e 23% vagos ou de uso ocasional; destaque para Nísia Floresta, que possui 34,7% dos seus domicílios não ocupados e de uso ocasional – relacionado ao fenômeno da vilegiatura costeira. E Natal, embora tenha “perdido” população no intervalo censitário, ganhou domicílios, passando de 235 mil em 2010 para 336 mil em 2022, isto é, a intensa produção imobiliária e habitacional nos últimos anos não ajudou a resolver e desconcentrar o problema habitacional da capital. Como, então, explicar a diminuição populacional e o aumento de domicílios? A expansão imobiliária e fundiária alcançou os espaços metropolitanos, articulando mercados mais acessíveis na periferia metropolitana e mais caros em Natal. Como hipótese, a baixa natalidade (e um possível aumento do número de domicílios unipessoais), associada com a baixa migração em direção à Natal, preços do solo, oferta de novas oportunidades do emprego nas sedes de municípios da mancha urbana principal, formaram um novo perfil de distribuição populacional.
A divulgação de novos dados do Censo 2022 ajustará as hipóteses e nos permitirá compreender os efeitos não apenas dos demais componentes da dinâmica demográfica, como, também, nas demais políticas públicas, avaliando e propondo alternativas ao desenvolvimento urbano da RM Natal e do Rio Grande do Norte. Conhecer a realidade da demografia metropolitana é fundamental para ajustar não apenas as análises, mas, sobretudo, desenhar políticas públicas mais eficazes e efetivas.
*Professor do Instituto de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Natal.
**Professora do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pesquisadora no Programa de Pós-graduação em Demografia (PPGDEM/UFRN).
REFERÊNCIAS
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