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No artigo (Des)territórios da mineração: planejamento territorial a partir do rompimento em Mariana, Minas Gerais, destaque da Revista Cadernos Metrópole nº 38, Flora Lopes Passos, Polyana Coelho e Adelaide Dias buscam situar o evento de rompimento da barragem do Fundão, ocorrido em 2015, no contexto dos conflitos territoriais que decorrem da expansão da atividade da mineração em países periféricos.

Para as autoras, a tragédia socioambiental ocorrida em Mariana deve ser entendida a partir da noção de (des)territorialização, a qual permite perceber as interações que se estabelecem entre os interesses de empresas, sociedade civil e poder público, abordagem que se assenta na leitura crítica dos fatores que desencadearam o rompimento da barragem: a dependência econômica e simbólica que se estabelece no território em relação à atividade mineradora; a “flexibilização” da legislação ambiental; a exclusão dos atingidos dos processos decisórios; e os processos de cooptação de atores públicos. Mas, percebendo no conflito uma possibilidade de reposicionamento dos interesses em jogo, as autoras defendem a necessidade de revisão do modelo exploratório da mineração e de participação popular em processos horizontais e coletivos de planejamento territorial.

O artigo (Des)territórios da mineração: planejamento territorial a partir do rompimento em Mariana, Minas Gerais” é um dos destaques do Dossiê Especial “Trabalho e território em tempos de crise”, presente na nova edição da Revista Cadernos Metrópole (nº 38).

Abstract

The power of mining in Brazil, particularly in the state of Minas Gerais, interferes in territorial planning and in the civil rights of the affected population, which inhabit areas of interest to the mining companies. This study proposes a reflection on the correlation of forces that resulted in the disruption of a mining dam in the municipality of Mariana (Minas Gerais), in 2015, and on the territorial conflicts surrounding the deterritorialization of two sub-districts. The methodology includes literature review and analysis of post-disaster speeches delivered by local actors. The debate about the exploratory model of mining implies a reflection on popular participation in territorial planning. It is necessary to make a critical reading of the containment of the affected actors’ autonomy and to recognize the conflict as an engine in the construction of citizenship and social/ environmental justice in the cities.

INTRODUÇÃO

Por Flora Lopes Passos, Polyana Coelho e Adelaide Dias

O atual modelo de exploração minerária implementado no Brasil reflete a dinâmica contemporânea de acumulação capitalista, que resulta em danos socioambientais muitas vezes irrecuperáveis. Os impactos ao meio ambiente estão relacionados à expansão ilimitada da extração dos recursos naturais, ao alagamento de extensas áreas verdes e ao desequilíbrio da fauna, dentre outros; enquanto os impactos sociais incluem, frequentemente, a precarização da força de trabalho, o aumento dos casos de violência urbana e a transformação arbitrária de dinâmicas socioespaciais construídas historicamente. Famílias que habitam as áreas de interesse das empresas mineradoras são, muitas vezes, removidas e forçadas a aceitarem indenizações irrisórias ou outras formas de moradia que desconsideram os vínculos afetivos e de pertencimento com o lugar, as identidades territoriais construídas coletivamente e, não raro, desconsideram o real conceito de moradia digna. Denominamos “atingidos” essa população que sofre a perda de autonomia e de direitos, entendendo que os critérios para definição de quem é atingido devem ser construídos pelos próprios sujeitos a partir de um processo coletivo de reconhecimento.

Em linhas gerais, para “compensar” tais impactos da mineração, as municipalidades recebem recursos – royalties – de empresas e companhias mineradoras que se instalam no município. Esse volume é significativo em relação à arrecadação total e, no entanto, não costuma ser investido de forma transparente na efetiva melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e partir das demandas locais. Ainda, essas mesmas empresas são, frequentemente, financiadoras das campanhas eleitorais de políticos nas diferentes escalas de governo e, assim, é comum notar que atividades minerárias (mesmo colocando em risco a sociedade e o meio ambiente) são legitimadas pelo poder público e garantidas pela flexibilização de leis e licenças ambientais.

Como resultado, estabelece-se uma relação de poder, econômico e simbólico, perversa entre mineração e município, aprofundando a dominação do capital na gestão e no planejamento das cidades brasileiras. As tensões e as disputas territoriais resultantes do processo de dominação tornam-se mais acirradas em tempos de crise e de desastres socioambientais, quando ocorrem o declínio da produção e, consequentemente, o aumento dos desempregos, além da queda na arrecadação dos royalties pelas prefeituras municipais. Nesse contexto, vale destacar os municípios de Minas Gerais, estado com maior produção de minérios do País, onde a atividade mineradora exerce interferência significativa nos processos de gestão e planejamento territoriais, como no caso do município de Mariana, estudado neste artigo.

O imbricamento entre mineração e planejamento territorial pode ser percebido em um breve resgate histórico da (trans)formação do município de Mariana, mas ganha espantosas proporções quando do rompimento da barragem de rejeitos denominada “Fundão” em 5 de novembro de 2015, sob a responsabilidade da empresa Samarco Mineração S.A., controlada pelas empresas Vale e BHP Billiton. Diante de um cenário de devastação que se arrasta por um ano, o presente artigo propõe uma reflexão sobre a correlação de forças que resultou no rompimento da barragem e sobre os conflitos territoriais em torno da desterritorialização de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, subdistritos que possuem extensa área destruída pelos rejeitos da mineração.

A reflexão aqui apresentada se dedica a algumas questões que antecederam à tragédia, além de informações e impressões que circularam no momento imediatamente posterior ao desastre socioambiental. Traz como contribuição uma leitura em nível local dos efeitos da desterritorialização dos subdistritos – principalmente na construção dos discursos de alguns atores envolvidos –, tendo em vista a participação das autoras nos primeiros debates ocorridos e enquanto servidoras públicas nos municípios de Mariana e Ouro Preto, além de participantes de coletivos lo- cais. São várias e complexas as questões que ainda (re)surgem no processo em curso – nos campos jurídico, técnico, social, ambiental, cultural. Assim, este artigo não possui a pretensão de esgotar o debate, mas de levantar questões que precederam e sucederam ao rompimento da barragem de rejeitos do Fundão, como o jogo de interesses entre os atores que participam dos processos de implantação/ regulamentação da atividade mineradora e as sensações de vulnerabilidade dos atingidos ex-moradores de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo.

Além da revisão bibliográfica acerca da temática estudada e da discussão sobre dados atuais que demonstram as relações de dependência econômica e simbólica no território, utilizou-se como metodologia a análise dos primeiros discursos construídos por diferentes atores locais, a partir de depoimentos de sujeitos atingidos pelo desastre e/ou mobilizados na luta pela garantia dos direitos dos atingidos (ligados a movimentos sociais ou não), bem como de representantes do poder público e da empresa responsável pelo ocorrido, coletados em mídias formais, livres, audiências e manifestações públicas.

Como contribuição, o trabalho em questão busca ampliar a discussão sobre a necessidade de revisão do modelo exploratório das empresas mineradoras, associando-a ao debate sobre participação popular no planejamento territorial. Contra possíveis processos de refreamento da autonomia da população atingida por parte das empresas mineradoras e, inclusive, do poder público, este artigo propõe reconhecer o conflito como motor para o fortalecimento da cidadania, da luta por direitos – à justiça social e ambiental; à moradia digna, à memória, à cidade –, em que os sujeitos atingidos devem ser protagonistas na construção de processos horizontais e coletivos de planejamento territorial.

Acesse o artigo completo no site da Revista Cadernos Metrópole.

Última modificação em 13-04-2017 16:17:01