A décima edição do Boletim Desigualdade nas Metrópoles, produzido em parceria pelo INCT Observatório das Metrópoles, PUCRS Data Social e RedODSAL, mostra que no segundo trimestre de 2022, a renda domiciliar per capita do trabalho chegou a R$1.518,35 nas áreas metropolitanas do país, valor ainda 6,5% inferior à cifra de R$ 1.623,67, registrada no início de 2020.
Segundo o pesquisador do PUCRS Data Social e um dos coordenadores do estudo, Andre Salata, foram analisados os últimos microdados disponíveis do IBGE. “Se olharmos o gráfico da desigualdade, a curva atinge o pico no terceiro trimestre de 2020, depois começa a descer e agora é estabilizada em um patamar pré-pandêmico. Porém, este nível já era muito elevado, com alta de desigualdade desde 2014, então estamos falando de um nível de desigualdade que é extremamente elevado. Não tem nada a se comemorar”, avalia.
Em suma, o estudo mostra a volta a um patamar de desigualdade nas metrópoles semelhante ao que existia no período anterior à pandemia, mas às custas de uma redução do nível de renda. Ou seja, não foi alcançado o nível de renda que havia no período anterior à pandemia, apesar de, nesse último trimestre, ocorrer um aumento significativo da média de renda. Os dados divulgados pelo IBGE na PNAD Contínua são somente da renda do trabalho, que inclui também pessoas que estão no mercado informal. Entre o primeiro e o segundo trimestres de 2022 houve aumento de 4,8% na renda domiciliar do trabalho, que alcançou a média de R$1.518,35. Em que se trate da mais expressiva variação positiva da renda desde o início da pandemia, o valor ainda é 6,5% menor do que aquele encontrado no início de 2020.
A renda observada na pesquisa é a domiciliar per capita do trabalho, onde é somada a renda do trabalho de cada domicílio, e dividida pelo número de pessoas, considerando crianças, já que entram no denominador. “De todo modo, é importante lembrar que, em média, no Brasil, mais de 70% da renda das famílias é do trabalho. O que acontece com a renda do trabalho tem uma importância muito grande para a renda das famílias de um modo geral, seja no que diz respeito às desigualdades, seja a média de renda das pessoas. Acompanhar os movimentos que a gente tem acompanhado na renda do trabalho é importantíssimo para entender e projetar o que pode acontecer em termos de renda total das famílias”, explica Salata.
Uma boa notícia, no entanto, é que para os 40% mais pobres das metrópoles a renda do trabalho vem se recuperando desde o quarto trimestre de 2020, e agora, no segundo trimestre de 2022, alcançou o valor de R$ 250,64, chegando a um patamar muito próximo àquele anterior à pandemia. Segundo Marcelo Ribeiro, professor do IPPUR-UFRJ e um dos coordenadores do estudo, no início da pandemia os mais pobres foram os que mais sentiram a queda em sua renda. Mais recentemente, no entanto, os prejuízos se tornaram maiores entre os 10% mais ricos, cuja renda hoje é ainda 10% menor do que no período anterior à pandemia. Ribeiro explica que, enquanto os mais pobres sofreram um grande choque no início, com aumento do desemprego e queda imediata da renda, os mais ricos sofreram perdas maiores recentemente, devido à dificuldade de manter o poder de compra de seus salários em meio ao processo inflacionário num contexto de crise econômica.
Recuperação do mercado de trabalho
De acordo com Salata, uma das explicações para os resultados apresentados no boletim é a recuperação do mercado de trabalho, no sentido de uma redução da desocupação. “As taxas de desocupação vêm diminuindo ao longo dos últimos trimestres e junto a isso há o arrefecimento do processo inflacionário, que estava muito forte desde meados de 2021”, ressalta. Assim, a conjunção de redução da taxa de ocupação e da inflação permite uma recuperação da renda do trabalho (no estudo é considerada a renda real, com preços do segundo trimestre de 2022, comparando, portanto, o poder de compra e não a renda nominal).
Ranking da renda média por região metropolitana:
- Distrito Federal: R$ 2.131,77
- Florianópolis: R$ 1.999,19
- São Paulo: R$ 1.822,81
- Curitiba: R$ 1.693,36
- Porto Alegre: R$ 1.595,06
- Rio de Janeiro: R$ 1.542,05
- Belo Horizonte: R$ 1.517,73
- Goiânia R$ 1.453,33
- Grande Vitória: R$ 1.434,93
- Vale do Rio Cuiabá: R$ 1296,17
- Belém: R$ 1.156,51
- Aracaju: R$ 1.154,25
- Natal: R$ 1.093,18
- Macapá: R$ 1.025,11
- Salvador: R$ 1.071,40
- Fortaleza: R$ 1.019,87
- Teresina: R$ 962,21
- João Pessoa: R$ 957,50
- Maceió: R$ 939,09
- Manaus: R$ 912,05
- Recife: R$ 849,24
- Grande São Luís: R$ 832,58
Até aqui, as edições do boletim apontaram que os mais pobres foram os que mais sofreram no início da pandemia, haja vista que perderam mais de um terço da renda do trabalho, e isso se intensificou até o terceiro trimestre de 2020. “Depois disso, começa um processo vagaroso de recuperação”, descreve Salata. No momento atual, dado o movimento de redução da desocupação e de queda da inflação, os mais pobres conseguiram chegar em um patamar próximo do período anterior à pandemia. Mas, conforme o pesquisador, é importante reforçar que esse não era um patamar alto, se comparado com o que havia nos momentos da série histórica. “2014 foi o pico da renda dos mais pobres, mas agora ainda está muito abaixo, apesar desse processo de recuperação em relação à crise imensa que esses mais pobres passaram durante a pandemia. São dois anos com uma renda abaixo da que eles tinham em média, e agora estão conseguindo voltar a esse patamar”, indica.
Para o futuro: variáveis de inflação e desocupação
Conforme o pesquisador, de algum modo estão sendo colhidos os “benefícios” do aumento das taxas de juros, que é o controle da inflação, mas por outro lado, ainda não estão sendo colhidos os efeitos colaterais disso, que é a redução da atividade econômica. Para ele, esta edição do boletim marca o fim de um ciclo, o que não significa que irão retornar às mesmas condições que existiam no período pré-pandêmico. O momento é de recuperação da crise da pandemia, onde se conseguiu controlar e reduzir o processo inflacionário, que estava muito alto, desde 2021, mas para isso a principal estratégia foi aumentar a taxa de juros. “E isso vai se refletir, mais à frente, em redução da atividade econômica e, possivelmente, em aumento da taxa de desocupação. E isso tem efeito na renda do trabalho das famílias”, adverte.
O que precisa ser feito
Para Salata, duas políticas são fundamentais: o Estado agir no sentido de incentivar e encorajar a atividade econômica para a criação de empregos no mercado formal, com investimentos em infraestrutura e setor de habitação, o que auxilia na criação de empregos no setor formal. Em segundo lugar, o controle da inflação, que é um desafio, pois se trata de uma questão fiscal. “Você tem que conseguir incentivar a atividade econômica, mas ao mesmo tempo tendo responsabilidade fiscal”, relata. E terceiro, na medida que se consiga recuperar a atividade econômica, recuperar também a política de valorização real do salário-mínimo, que foi uma das principais causas do aumento da renda das famílias para a redução das desigualdades que ocorreram há alguns anos.
Importância do recorte das regiões metropolitanas
De acordo com Salata, este recorte é importante em função da relevância demográfica, econômica e política das regiões metropolitanas. Além disso, normalmente as desigualdades que as pessoas se deparam são encontradas no dia a dia e afetam as relações sociais. Como as regiões metropolitanas são muito integradas, é importante dar conta dessas desigualdades e da maneira como elas são relevantes para a as pessoas no seu cotidiano. “Estamos falando de 40% da população brasileira, aproximadamente 80 milhões de pessoas vivem nessas regiões, ou seja, tem um peso demográfico e econômico muito alto, além de um peso político muito grande, também”, conclui o pesquisador. O recorte utilizado é o das 22 principais áreas metropolitanas do país, de acordo com as definições do IBGE. Todos os dados estão deflacionados para o segundo trimestre de 2022, de acordo com o IPCA.
Confira na íntegra o “Boletim Desigualdade nas Metrópoles nº 10”.
Acesse aqui as tabelas e gráficos do estudo.