Dados da décima primeira edição do Boletim Desigualdade nas Metrópoles apontam que a renda dos mais pobres cresceu 12% nos últimos três trimestres. O número ultrapassa o valor encontrado no início de 2020 nas metrópoles brasileiras, voltando ao patamar anterior à pandemia. Entretanto, segundo um dos coordenadores do estudo, professor do IPPUR-UFRJ, Marcelo Ribeiro, apesar do estrato dos 40% mais pobres ter recuperado seu nível de renda per capita em relação ao período pré-pandêmico, os dados mostram que a renda média não se recuperou. “Isso é relevante, no sentido de mostrar o quanto esse segmento dos 40% mais pobres têm um nível de renda muito baixo. Porque mesmo que ocorra uma ampliação da massa de rendimentos, em função do mercado de trabalho, é insuficiente para poder fazer com que o nível de renda média em geral pudesse, também, retomar o patamar anterior à pandemia”, ressalta Ribeiro.
A pandemia de Covid-19 fez a média de renda nas metrópoles cair 7,4% do primeiro ao terceiro trimestres de 2020. Entre os 40% mais pobres, no entanto, essa queda foi bem maior, chegando a 34,4% no mesmo período, com uma redução de R$250 para R$164 da renda domiciliar per capita. No contexto da crise provocada pela pandemia, foram dois anos de renda inferior ao patamar do início de 2020 para os estratos mais baixos. Agora, no terceiro trimestre de 2022, após dez trimestres, portanto, a renda dos mais pobres das metrópoles finalmente superou a média do período imediatamente anterior à pandemia. Depois de três trimestres consecutivos com crescimento acumulado de 12%, a média da renda domiciliar dos 40% mais pobres chegou a R$251 per capita, superando o valor registrado no primeiro trimestre de 2020.
Foram dois anos em que os 40% mais pobres estavam com uma renda abaixo do patamar anterior à pandemia. “Não é algo exatamente para ser comemorado, porque foram dois anos de uma renda muito baixa, mas de qualquer maneira é um marco em relação ao processo todo das consequências da pandemia, que fomos acompanhando ao longo dos boletins”, explica André Salata, também coordenador do estudo e professor da PUCRS. O Boletim Desigualdade nas Metrópoles é produzido em parceria pelo Observatório das Metrópoles, PUCRS Data Social e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL). Os dados são provenientes da PNAD Contínua trimestral, do IBGE, e dizem respeito à renda domiciliar per capita do trabalho, incluindo o setor informal. O recorte utilizado é o das 22 principais áreas metropolitanas do país, de acordo com as definições do IBGE. Todos os dados estão deflacionados para o terceiro trimestre de 2022, de acordo com o IPCA.
Fatores atribuídos à retomada de renda
A retomada do mercado de trabalho, em função da própria recuperação da economia, ampliou a massa de salário da família. À medida que mais membros da família de cada domicílio tenha acesso à renda, isso aumenta a massa de rendimentos, e contribui para esse aumento do rendimento per capita que existe no domicílio. “É bom considerar que essa retomada do emprego tem a ver com a retomada da atividade econômica, que está vinculada também a toda estratégia que teve de vacinação, que possibilitou mais ainda as pessoas poderem voltar ao mercado de trabalho”, pontua Ribeiro. De acordo com ele, por outro lado, o aspecto inflacionário contribui, pois neste trimestre tiveram meses de inflação negativa, o que colaborou para o aumento do nível de rendimento em geral, não só para os 40% mais pobres.
Salata complementa afirmando que é uma junção desses dois fatores: a retomada da atividade econômica do mercado de trabalho (redução da taxa de desocupação), muito relacionada à vacinação em massa, junto com a inflação. “Nos últimos meses, a partir da metade deste ano, a inflação começou a perder força”, sublinha. Já sobre os 50% intermediários – em comparação com os 40% mais pobres – trata-se de um grupo com menor informalidade, mais qualificado, e isso faz com que os efeitos da crise tenham sido mais tímidos. “O movimento é menos acentuado, mas é parecido com o que aconteceu com os 40% mais pobres e diferente do que aconteceu com os 10% mais ricos, que está concentrado no setor formal. A perda do poder de compra desse grupo se dá muito por conta da inflação, ou seja, não sentiram tanto o baque de desocupação no início da pandemia, mas sentem muito a partir de 2021, o que está muito ligado ao processo inflacionário”, completa Salata.
Média registrada no terceiro trimestre de 2022 ainda é 22% menor que o valor mais alto da série histórica
O estudo também aponta que a média de R$251 registrada no terceiro trimestre de 2022 ainda é 22% menor que o valor mais alto da série histórica iniciada em 2012, quando a renda dos mais pobres alcançou média de R$323,31 no quarto trimestre de 2013. De acordo com Marcelo Ribeiro, é preciso notar que a queda da renda dos mais pobres já vinha ocorrendo muito antes da pandemia. Essa queda estava ocorrendo desde 2015, porém num ritmo mais lento. “Portanto, a pandemia aprofunda um movimento que já estava em curso”, conclui. Entre o quarto trimestre de 2014 – ponto mais alto da série histórica – e o quarto trimestre de 2019 – último ano antes da pandemia -, a queda da média de renda dos mais pobres foi de 14,8%.
Segundo os dados reunidos no estudo, quando comparados o terceiro trimestre de 2022 com o mesmo trimestre de 2019 (último ano antes da pandemia), a renda dos mais pobres já se recuperou em dez, das vinte e duas regiões metropolitanas. Em Teresina, por exemplo, ela já era 42% maior, em João Pessoa era 41% maior, e em Belo Horizonte era 4,4% maior. Em outras metrópoles, no entanto, essa recuperação ainda está distante. No Rio de Janeiro, por exemplo, a renda dos mais pobres no terceiro trimestre de 2022 ainda era 13,6% menor que no mesmo trimestre de 2019. Em Salvador, por sua vez, era ainda 20% menor, e em Recife era 26% menor. De acordo com Ribeiro, a tendência geral é de recuperação. “Mas cada região metropolitana tem suas particularidades socioeconômicas, que influenciam o ritmo dessa retomada”, assinala.
Cenário futuro para a renda do grupo mais fragilizado: os 40% mais pobres
Segundo Marcelo Ribeiro, tendo em vista que o próximo governo apresenta uma perspectiva de uma atuação mais ativa na economia, isso pode de algum modo ter repercussão sobre o mercado de trabalho, aumentando o número de empregos e a massa de rendimentos da população mais pobre, principalmente. “Nessa perspectiva, poderia haver uma elevação do nível de renda, considerando, também, que as projeções de inflação para o próximo ano tendem a ser menores do que aquilo que se apresentou para este ano de 2022, o que também contribuiria para a manutenção dessa elevação do nível de renda”, explica.
Confira na íntegra o “Boletim Desigualdade nas Metrópoles nº 11”.
Acesse aqui as tabelas e gráficos do estudo.