Jardim Juriti II – Benevides/PA (crédito Flávia Araújo)
Desestabilizações de uma política público-privada: MCMV em Benevides/PA
Quase três anos após o anúncio do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) já é possível vislumbrar alguns dos impactos negativos resultantes da lógica empresarial presente no programa habitacional do governo federal, tanto em escala nacional quanto local. No trabalho “Desestabilizações de uma política público-privada: MCMV em Benevides/PA”, a pesquisadora Flávia de Sousa Araújo analisa a inserção do setor privado na política de habitação do Estado do Pará, a qual tem gerado um padrão de expansão urbana – com excessivo consumo de terras e de energia – em áreas desprovidas de infraestrutura básica e agravada por problemas de transporte e mobilização urbana.
A monografia “Desestabilizações de uma política público-privada: habitação de interesse social e o programa Minha Casa Minha Vida em Benevides/PA”, da pesquisadora Flávia de Sousa Araújo, foi defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará como requisito para a obtenção do título de especialista em Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (DUMA). O trabalho, orientado pelo professor Juliano Pamplona Ximenes Ponte, é mais um resultado da Rede Nacional INCT Observatório das Metrópoles.
De acordo com Flávia de Sousa Araújo, o estudo se propôs a apresentar alguns dos impactos da lógica empresarial na política habitacional do estado do Pará, e toma como estudo de caso a implantação do programa Minha Casa Minha Vida em Benevides, município pertencente à Região Metropolitana de Belém (RMB), situado a trinta quilômetros da capital paraense e interceptado pelas rodovias BR-316 e PA-391.
No entanto, para melhor entendimento dos efeitos do PMCMV no município, o trabalho apresenta, de maneira geral, como se deu a ocupação socioespacial no território benevidense nas últimas décadas, com destaque para o papel do poder público – e movimentos sociais – como protagonista neste processo e, em seguida, analisa a situação da dinâmica habitacional nos dias de hoje a partir das recentes intervenções do PMCMV no município e as mudanças de funções e interesses dos agentes envolvidos.
Setor empresarial vs. Habitação de Interesse Social
No exercício de esboçar uma reflexão crítica acerca do atual momento em que se encontra a dinâmica da política e da produção de habitação de interesse social no país, o estudo “Desestabilizações de uma política público-privada: MCMV em Benevides/PA” aponta as desestabilizações provocadas por uma política público-privada tal como o Programa Minha Casa Minha Vida diante do árduo processo de construção e consolidação da política habitacional no Brasil, via SNHIS, que visou construir e efetivar instrumentos capazes de combater – a longo prazo – o déficit habitacional brasileiro.
A desarticulação entre a política de produção habitacional via PMCMV e demais políticas urbanas, a provisão de casas em série destinadas à população de baixa renda e largamente edificadas em áreas inóspitas e distantes dos grandes centros urbanos com mobilidade urbana precária são, entre outros fatores, graves impactos de como vem se dando a inserção do setor privado na produção de HIS. O interesse e atuação empresarial criam um padrão de expansão urbana – ou mesmo de urbanização – no qual é necessário um excessivo consumo de terras e de energia, além disso, esta expansão em áreas desprovidas de infraestrutura básica agrava problemas de transporte e mobilização urbana na RMB.
Paralelamente aos problemas ocasionados pela falta integração entre a política de produção habitacional do PMCMV e outras, Flávia de Sousa Araújo aponta problemas de baixa ou nenhuma inovação tecnológica no projeto e execução das UHs. Nesta perspectiva é inexistente o debate acerca de esforços para se investir em melhores soluções de projetos (tanto de partido arquitetônico quanto na execução e uso de materiais construtivos, tendo em vista uma produção habitacional concebida e orientada a partir de ações priorizem tecnologia social) em virtude dos obstáculos apresentados pela CAIXA que exige, para novas tecnologias, comprovação de viabilidade de produção em escala industrial e viabilidade econômica para o produtor.
“Apresentamos no estudo a problemática atuação do PMCMV em Benevides, onde a parceria dos governos do Estado e município junto ao setor empresarial culminou em constantes conflitos entre estes e a sociedade civil representada por movimentos sociais de luta pela moradia. As 712 unidades habitacionais dos Residenciais Jardim das Jurutis I e II amplamente divulgadas e festejadas pelo Estado atrelado ao capital privado, após dois anos de conclusão ainda hoje se encontram, em sua maioria, vazias, conferindo uma paisagem de abandono em meio ao terreno outrora cercado pela mata às margens da rodovia PA-391 e que, atualmente, atrai cada vez mais em seu entorno novos ocupantes em busca de melhores condições de sobrevivência na cidade”, afirma a pesquisadora.
Este quadro é agravado ainda mais quando se constata que apesar da intervenção habitacional no município, este continua a ser frequentemente palco de conflitos de terra e moradia urbana. Estes conflitos estão imersos em um campo de disputas ainda mais amplo, em uma macropolítica (sob a égide do Aparelho de Estado e Aparelhos de Captura) onde não se trata somente de disputa por terra e territórios, mas disputas pelo que se diz, como se diz, o que se diz, pelo que se nomeia, ou seja, pelo que se legitima por lei. Disputas sobre as várias formas de nomear –e consequentemente – de ocupar o espaço.
“No cerne desta abordagem nos indagamos: a instauração do PMCMV, a construção de unidades habitacionais em série da maneira como está sendo desenvolvida – muito mais precarizada do que experiências tais como aquelas vividas no período do BNH – é legal, legítima e apropriada para quem e para quê? Onde estará de fato a função da Habitação de Interesse Social, na expansão da malha urbana e no concomitante encarecimento de sua infraestrutura ou na consolidação de áreas antes consideradas precárias na própria malha urbana já existente? Mais ainda: as ocupações informais são assim identificadas e muitas vezes violentamente ‘combatidas’ para quê e por quem? Certamente, esta violenta standartização da produção habitacional que observamos hoje não é o único caminho possível na busca pela diminuição do déficit habitacional e, muito menos, do cumprimento do direito à cidade e à moradia”, defende.
No trabalho, Flávia aponta tensionamentos, tensão entre objeto do desejo e desejo do objeto, visibilidade e invisibilidade (RIBEIRO, 2010) entorno do Poder – no sentido que Foucault apresenta, enquanto difusão de micropoderes (MAGNAVITA, 2012), no intuito de evidenciarmos a existência de micropolíticas e destacarmos a necessidade de suscitar outros caminhos, linhas de fuga agenciadas pelo respeito e compreensão da condição humana.
“Torna-se, portanto, necessário o entendimento das micropolíticas da cidade, suas intensidades, fluxos, ações, afetos e desejos; variáveis estas que não encontram lugar na concepção macro e hegemônica do Aparelho de Estado atrelado ao Capital Privado tal como nos explana Deleuze e Guattari (1992) e tal como observamos nos processos de concepção e implementação dos programas habitacionais no contexto do PMCMV. Em suma, buscamos aqui estabelecer uma expressão crítica ao poder hegemônico vigente como forma de provocar uma atitude ética que vise um devir-outro da compreensão das subjetividades individuais e coletivas sob o desejo de uma permanente solidariedade à condição humana”, afirma Flávia.
Acesse a versão completa do trabalho “Desestabilizações de uma política público-privada: habitação de interesse social e o programa Minha Casa Minha Vida em Benevides/PA” aqui.