Neste artigo o profº Marcus Polette (UNIVALI) aponta os desafios para a gestão das metrópoles costeiras do Brasil, a partir da análise da metrópole da Foz do Rio Itajaí – e mais especificamente a gestão da bacia hidrográfica do Rio Camboriú. Polette aponta os desafios para a gestão integrada das águas pelos municípios de Balneário Camboriú e Camboriú – o primeiro é o quarto IDH do Brasil enquanto o outro está na 1.113ª posição – diferentes realidades em busca de uma governança hídrica compartilhada.
Marcos Polette é professor e pesquisador da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) em Santa Catarina, e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental. Polette tem prestado consultorias para o Ministério do Meio Ambiente a fim de estabelecer uma série de indicadores de qualidade ambiental urbana para as cidades brasileiras, o qual está atualmente na sua fase final de análise. Devido a esse estudo que articula “Meio Ambiente” e a “Questão Urbana”, a Rede INCT Observatório das Metrópoles começa a articular uma futura parceria com a UNIVALI.
Por sua vez, Marcos POlette também passa a colaborar com a rede de pesquisadores sobre o tema urbano e metropolitano com o artigo a seguir.
O desafio da gestão e governança nas metrópoles costeiras brasileiras
Marcus Polette¹
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) – Laboratório de Conservação e Gestão Costeira
A integração de políticas públicas ambientais, urbanas e setoriais por meio dos seus princípios, diretrizes e objetivos constitui-se um dos principais desafios de gestão e governança para as metrópoles costeiras brasileiras. Entretanto, a arte de implementar tais políticas por meio dos diferentes intrumentos está na capacidade de garantir que as estruturas institucionais, administrativas, técnicas e de natureza legal possam colocar em prática planos, programas e projetos capazes de solucionar problemas e conflitos a longo prazo.
O Brasil possui 16 metrópoles costeiras consolidadas, sendo uma destas a megacidade do Rio de Janeiro. O diagnóstico para as cidades costeiras é claro: problemas e conflitos estão associados a forte produção desigual do espaço urbano, aos interesses setoriais que manobram de forma inteligente e perspicaz o planejamento urbano, pulsos populacionais do veraneio afetam a resiliência dos sistemas costeiros, ocupação desordenada da orla, erosão costeira, além dos sérios problemas relacionados a omissão, por vezes deliberada, na gestão dos recursos hídricos.
Atualmente alguns setores do litoral brasileiro experimentam a formação de metrópoles por meio de novos polos de desenvolvimento liderados especialmente pelos setores do petróleo, portuário, turístico, e da construção civil. A metrópole da Foz do rio Itajai se insere neste contexto. Localizada no litoral centro-norte de Santa Catarina tem como município sede, Itajaí. A região está inserida em três diferentes bacias hridrográficas: Itajaí, Camboriú e Perequê. Trata-se de uma área com uma impressionante diversidade paisagística, cabendo detalhar a bacia hidrográfica do rio Camboriu.
Duas cidades um destino
A bacia hidrográfica do rio Camboriú abrange os municípios de Balneário Camboriú e Camboriú. No início dos anos de 1990 a população era de 66 mil habitantes, já em 2014 a população alcançava 200 mil habitantes. Balneário Camboriú possui o quarto IDH do Brasil enquanto Camboriú está na 1.113º posição. As diferentes realidades nos indices de longevidade, renda e educação são resultantes dos setores econômicos predominantes, assim como da capacidade de investimento dos municípios. Balneário Camboriú tem sua economia baseada no turismo e nos setores da construção civil e imobiliário. Camboriú é município agrícola e cidade-dormitório no contexto da região metropolitana.
Balneário Camboriú é a maior cidade turística do sul do Brasil. Durante o veraneio sua população chega a decuplicar com turistas vindos da maioria dos países do MERCOSUL. Desde o início dos anos 2000 o setor da construção civil acirrou o adensamento e verticalização, sobretudo pela inserção da outorga onerosa. Atualmente estão em construção os maiores edifícios do Brasil. Torres com cerca de 80 andares foram recentemente lançadas pelo mercado imobiliário, impondo um novo momento para o desenvolvimento da urbis. A prefeitura municipal busca revitalizar a cidade por meio de um polêmico projeto que visa incrementar a faixa de areia de praia. No entanto, a suposta imagem da Dubai brasileira corre um sério risco de declínio ambiental devido a escassez de água, e pela falta de saneamento do município vizinho de Camboriú. A falta de mobilidade urbana e violência urbana constituem-se de problemas cada vez mais frequentes.
As nascentes do pequeno rio Camboriú situam-se no município de Camboriú, cujo perfil econômico foi alterado nos últimos anos devido ao intenso e descontrolado uso e ocupação do solo, por meio da formação de novas centralidades e periferias orientados pela forte taxa de incremento populacional de 5,5% ao ano. Como consequência, o município de Camboriú tornou-se a cidade mais violenta de Santa Catarina. Nos vales do rio Camboriú o cultivo do arroz irrigado tem sido um potente competidor pelo uso da água quando comparado com os pulsos populacionais do veraneio. O desabastecimento e os altos índices de poluição na praia Central de Balneário Camboriú estabelecem um diagnóstico futuro. Segundo estudos realizados, o ano de 2038 pode ser considerado como catastrófico, visto que será impossível a bacia hidrográfica manter o volume de água para a demanda esperada. Tais fatos têm levado a uma ampla discussão do Comitê Camboriú acerca de qual seria a forma mais adequada de gerir a bacia hidrográfica que compõe os municípios.
A realização dos balanços de quantidade de água baseia-se nas demandas consuntivas, já o balanço qualitativo ocorre em função da capacidade de diluição de poluentes no rio. O principal efeito ecológico da poluição orgânica em um curso d’ água é o decréscimo dos teores de Oxigênio Dissolvido, associado à Demanda Bioquímica de Oxigênio. Um rio com uma pequena capacidade de diluição possivelmente sofrerá de forma mais expressiva os efeitos da poluição, ao passo que um rio de grande vazão, ao receber uma pequena vazão de esgotos, poderá não sentir impactos importantes (Granemann, 2011). Logo, implementar uma política ambiental, setorial e urbana capaz de integrar os dois municípios por meio da gestão de bens e serviços ambientais, é essencial.
A cidade como um ecossistema
O sistema urbano no contexto ambiental necessita ser gerido a partir dos conceitos sistêmicos e de serviços ecossistêmicos. Estes se mostram fundamentais para entender os benefícios que os ecossistemas prestam à sociedade urbana.
O termo serviços inclui tanto os benefícios tangíveis, identificados como produtos, e os intangíveis, identificados como serviços. Considerando o sistema urbano é importante destacar que a cidade no contexto ambiental, necessita ser gerida a partir de pactos comuns, sendo o conceito de serviços ecossistêmicos eficaz e eficiente na busca dos benefícios que os ecossistemas prestam à sociedade urbana.
Para entender as opções disponíveis para o gerenciamento de serviços ambientais e custos associados a esses, é importante entender os mecanismos ecológicos básicos que relacionam certo produto ao serviço da natureza a seu ecossistema. De acordo com Noberg (1999), esse conhecimento é importante para estimar a confiabilidade qualitativa desse serviço, ou seja, a capacidade de trabalhar sob demanda e a sensibilidade às mudanças ambientais aceleradas pelo ser humano, o que pode ser expresso pela integridade, resiliência, resistência e saúde ambiental de um ambiente.
As cidades não podem ser consideradas ecossistemas verdadeiros, devido a influência do homem, no entanto estão sujeitas aos mesmos processos que se operam nos sistemas silvestres. As cidades se organizam e se estruturam por meio de um conjunto de espécies que interagem entre si de forma integrada com o seu ambiente, com fluxos de materia e energia, por vezes definidos nas suas entradas e saídas.
O meio urbano é um sistema aberto e heterotrófico sendo possível avaliar a existência de trocas constantes de energia realizadas com seu entorno para tornar sua existência possível. Já um sistema autotrófico pode ser simplesmente definido como um sistema auto-suficiente, e grande parte dos ecossistemas terrestres e marinhos o são.
Sendo as cidades ecossistemas heterotróficos dissipativos, estas como tal se organizam aumentando a entropia no restante do planeta. Como um ecossistema incompleto depende de grandes áreas externas a eles para a obtenção de energia, água e bens de serviços necessariamente conexos à sobrevivência humana; e uma saída muito maior e mais poluidora de dejetos e resíduos.
Atualmente o desafio maior dos municípios de Balneário Camboriú e Camboriú está em diagnosticar de forma apropriada a estrutura e o funcionamento do seu sistema hídrico; buscar açôes concretas de planejamento participativo a fim de gerar planos estruturais e não-estruturais capazes de gerar mudanças comportamentais sobre o uso e ocupação do solo. Buscar a adoção formal do Comitê Camboriú como órgão colegiado nas tomadas de decisão, e que esta seja integrada além do ciclo político de quatro anos dos prefeitos locais. Implementar ações visando monitorar a qualidade ambiental na paisagem natural, rural, periurbana e urbana. Neste contexto, considerar ainda a integração entre o sistema terrestre, costeiro e marinho. E por fim avaliar o processo temporal das inúmeras ações consecutivas e sequenciais planejadas por meio de indicadores capazes de possibilitar o avanço da gestão e governança em escala local e regional.
Governança ainda um mito
No contexto da bacia do rio Camboriú, a integração de políticas públicas por meio dos seus instrumentos é essencial quando considera os dois sistemas urbanos conurbados entre si. A integração do Estatuto da Cidade, Estatuto das Metrópoles, Política Nacional de Recursos Hídricos, Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e Projeto Orla, entre outros, são essenciais considerando os padrões de qualidade ambiental, o ordenamento territorial, os instrumentos de informação, e de comando e controle.
O Comitê do rio Camboríu tem atuado na Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú desde 1997 como um órgão colegiado formado por 30 entidades de Camboriú e Balneário Camboriú. A figura do Comitê está prevista na legislação brasileira e é responsável por resolver conflitos pelo uso da água, além de emitir pareceres técnicos sobre projetos que tenham influência direta nos cursos d´água. As funções do Comitê estão em gerenciar de forma descentralizada, participativa e integrada, os recursos hídricos na bacia hidrográfica; agir contra riscos à saúde e à segurança pública, assim como prejuízos econômicos e sociais – exemplo: enchentes; planejar e gerenciar o desenvolvimento da bacia hidrográfica; reconhecer os recursos hídricos como bem público, sempre monitorando sua utilização; e combater e prevenir as causas e efeitos da poluição, inundações, estiagens, erosão do solo e corpos de água ns áreas urbanas e rurais, entre outros.
No contexto das metrópoles costeiras brasileiras, a metrópole da Foz do rio Itajaí exemplifica os percalços ainda existentes mesmo no seu estágio inicial de formação. As ações concretas dos órgãos de planejamento regional e urbano infelizmente são incipientes, e as poderosas estruturas de poder dentro dos municípios ainda são apoiadas pelos interesses setoriais e por uma inteligente e simbiótica rede de comissionamento que estabelecem políticas cada vez mais distante da governança.
Neste sentido, o papel da universidade tem sido fundamental. A Universidade do Vale do Itajaí foi responsável por implementar o Comitê, assim como de capacitar seus membros por meio de ações de pesquisa, do ensino e da extensão. Entretanto, o mito ainda persiste na aceitação do Comitë como órgão gestor capaz de oferecer diretrizes de planejamento ambiental e urbano junto aos tomadores de decisão, sociedade e iniciativa privada.