Foi aprovado na última semana de fevereiro o projeto de desafetação de áreas públicas pela prefeitura de Goiânia. Em que pese toda a polêmica trazida neste projeto, já tornada às claras pela imprensa e nas redes sociais por políticos da oposição ao prefeito Paulo Garcia, a discussão do projeto evidencia o total descaso com os espaços coletivos, em claro descompasso com as lutas pelo direito à cidade preconizadas na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade.
Para os não habituados com a linguagem jurídica, a desafetação diz respeito à perda da natureza pública de um bem que é de uso comum da população. Desafetar é um ato que tem efeito concreto na ordenação urbanística de uma cidade, ou seja, permite que espaços percam sua utilidade pública e coletiva, pois não poderão ser utilizados pela população de forma geral e gratuita.
Não obstante este mecanismo possa ser utilizado para que o poder público converta áreas de uso comum em equipamentos sociais, como escolas, hospitais etc. seu uso também pode ser destinado à venda para particulares, e é exatamente isso que faz neste caso a prefeitura de Goiânia.
É interessante notar que ações da administração pública como essa têm origem cada vez mais nos gabinetes e cada vez menos na sociedade civil, que se vê mergulhada em um ambiente de total alheamento acerca das questões territoriais. É a sociedade que perde a voz coletiva em função da força dos interesses econômicos que estão em jogo.
A quem de fato interessa a desafetação de áreas públicas? As alternativas para essa pergunta não são muito difíceis de serem apontadas: pode interessar a um particular, que utiliza a especulação como fonte de renda; pode interessar a um comerciante que tem na localização uma variável importante para o aumento de suas vendas; pode interessar a grupos sociais que buscam na segregação socioespacial se diferenciar de outros grupos.
De todo modo trata-se de decisões tomadas de cima pra baixo, passando a grandes distâncias dos que de fato teriam interesse: a população da cidade. A culpa sem dúvida é dos agentes públicos, que unilateralmente rompem os laços com a sociedade, marcam o rumo do nariz e trilham retas com destino ao ponto que imaginam ou simulam como o mais prudente aos interesses da administração.
No caso da prefeitura de Goiânia, desafetar áreas públicas, por um lado, é uma alternativa cômoda para equalizar as contas públicas, há muito contaminadas pela falta de planejamento fiscal e orçamentário. Por outro é a maneira de atender os interesses de quem faz parte da coalização de poder, que remete inclusive aos acordos eleitorais.
No plenário do legislativo municipal o coro da oposição não ecoa vozes contrárias a pontos essenciais do projeto, principalmente a venda de áreas com destinação específica para a especulação imobiliária. Um indício de que os legisladores estão mais preocupados em macular as imagens dos adversários nas próximas eleições do que de fato discutir os projetos de interesse da população.
Se estão de fato preocupados com o futuro da cidade é bom que os vereadores contrários ao projeto conclamem e provoquem toda a população para o debate equilibrado e profundo da questão, porque até agora o diálogo estabelecido é somente com os especuladores, os únicos componentes da sociedade declaradamente interessados na desafetação das áreas públicas. Não custa lembrar que a população merece e tem o direito de participar ativamente desse processo.
Juliano Martins Rodrigues é Cientista Social, mestre em Sociologia pela UFG.
***O artigo “Desafetar pra quem?, de Juliano Martins Rodrigues, foi publicado no Jornal O Popular de Goiânia e cedido ao Boletim Observatório das Metrópoles com o propósito de debater o planejamento público das cidades brasileiras.