O Brasil é hoje um país urbano, com 12 grandes metrópoles que concentram cerca de 70 milhões de habitantes, ou seja, 36% da população nacional. No entanto, apesar da sua relevância econômica e societária, as metrópoles brasileiras constituem-se em territórios marcados pela atrofia política. O debate sobre a democracia local e as necessidades de um projeto efetivo de governança metropolitana para o Brasil é um dos destaques da edição nº 12 da Revista e-metropolis. Segundo Luiz Cesar Ribeiro e Ana Lúcia Britto, o primeiro requisito para a superação de tal atrofia é a existência de instituições com capacidade de ações coletivas legítimas: na esfera funcional, social e política.
O artigo “Democracia local e governança metropolitana: o caso do Rio de Janeiro” é um dos destaques da edição nº 12 da Revista eletrônica e-metropolis – publicação trimestral que tem como objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgação de trabalhos relacionados à dinâmica da vida urbana contemporânea e áreas afins. A Revista e-metropolis é editada por alunos de pós-graduação de programas vinculados ao INCT Observatório das Metrópoles e conta com a colaboração de pesquisadores, estudiosos e interessados de diversas áreas que contribuam com a discussão sobre o espaço urbano de forma cada vez mais vasta e inclusiva.
DEMOCRACIA LOCAL E GOVERNANÇA METROPOLITANA
Por Luiz Cesar Q. Ribeiro e Ana Lúcia Britto
O Brasil é hoje um país urbano. Mais de 80% da sua população mora em cidades. Mas é também um país de grandes aglomerações de cidades. Em sua rede urbana encontramos 13 municípios com mais de 1 milhão de habitantes, sendo que apenas a China, a Índia e a Indonésia têm mais que 10 cidades deste porte. Além disto, o Brasil tem 12 grandes aglomerações urbanas com funções metropolitanas, concentrando cerca de 70 milhões de habitantes, ou seja, 36% da população nacional. Tais características do país decorrem do fato de a urbanização ter acontecido simultaneamente com a metropolização das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e com a transferência de cerca de 36 milhões de pessoas do campo para essas cidades, entre as décadas de 1950/1980.
Estes territórios metropolitanos são relevantes em termos econômicos, pois concentram mais de 64% da capacidade tecnológica nacional e se constituem em uma hierarquia de nós fundamentais da rede urbana brasileira, que articula a economia nacional. Ao mesmo tempo, nas metrópoles estão concentrados os desafios da consolidação do desenvolvimento do Brasil, especialmente os decorrentes da precariedade das condições urbanas e ambientais, o que significa dizer que a construção da governança metropolitana deve levar em consideração os imperativos da competividade econômica e, simultaneamente, resolver gigantescos passivos.
Por exemplo, segundo dados do IBGE de 2010, dos 6.329 aglomerados subnormais, isto é, conjuntos de mais de 50 unidades habitacionais contíguos, marcados pela precariedade habitacional e de infraestrutura, 88,2 % ficam em regiões metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes. Nestas regiões, ainda é marcante a precariedade do sistema de esgotamento sanitário, seja pela carência de formas adequadas de coleta de afluentes, seja pela inexistência de tratamento dos esgotos coletados. Também nessas regiões, são recorrentes os problemas das inundações, por exemplo, cujas causas envolvem a ocupação irregular de áreas frágeis que marca o processo de crescimento das metrópoles, e produzem enormes prejuízos sociais e econômicos.
Não obstante a sua relevância econômica e societária, as metrópoles brasileiras constituem-se em territórios marcados pela atrofia política. Tal fato não parece ser, contudo, particularidade histórica brasileira. Os vários trabalhos de avaliação das experiências de governança das metrópoles nos países das Américas (WILSON, SPINK e WARD, 2011; ROJAS, CUADRADO-ROURA e FERNÁNDEZ GÜELL, 2005) e na Europa (LEFEVRE, 2009; SEIXAS e ALBET, 2010) são convergentes na constatação de obstáculos à construção de instituições efetivas capazes de promover a política nestes territórios na escala necessária. Nas metrópoles, prevalece a política nas escalas global ou local, mas o conjunto do território metropolitano é destituído das condições necessárias à ação coordenada dos atores do mercado, da sociedade civil e do poder público, seja ela organizada pela lógica da cooperação, seja pelo conflito. Trata-se de um autêntico paradoxo: as metrópoles constituem a escala contemporânea do spatial fix (HARVEY, 1985) e, ao mesmo tempo, são territórios atrofiados politicamente. Como entender este paradoxo?
O primeiro requisito para a superação da atrofia política das metrópoles é a existência de instituições com a capacidade de envolver os atores econômicos, políticos e sociais em ações coletivas legítimas, orientadas ao enfretamento das questões do presente e ao seu desenvolvimento. Legitimidade em três dimensões: funcional, social e política (LEFEVRE, 2005).
A primeira se refere à divisão das funções de governo metropolitano entre as esferas e níveis de governo existentes nas metrópoles e a instituição criada para exercê-las. Segundo Lefevre (2005), em todos os modelos de arranjos de governança metropolitana experimentados observa-se um déficit de legitimidade funcional expresso por soluções que não demarcam com clareza as responsabilidades, tornando ambígua a função das instituições metropolitanas criadas. Por outro lado, quando tal definição existe, à função de governo metropolitano não se associa a atribuição de poder e recursos correspondentes. A legitimidade social, por sua vez, é necessária para que as instituições metropolitanas tenham um enraizamento na sociedade. Ela seria alcançada pela inscrição das instituições metropolitanas nos sistemas de ação coletiva e pela existência de uma identidade social referida ao território metropolitano. Também nesta dimensão, observa-se um déficit de legitimidade das instituições metropolitanas experimentadas em vários países, nos mais variados modelos. Ela somente é alcançada se as instituições metropolitanas funcionarem como instâncias e arenas relevantes de expressão e resolução de conflitos.
O déficit de legitimidade política parece ser o maior obstáculo para a construção das instituições metropolitanas com função de governabilidade das metrópoles, pois a sua existência implica na ou¬torga de, ao menos, parcelas importantes de poder constituído pelo sistema político dos países. Poder de representar o interesse geral, relativo à organização e funcionamento da metrópole como espaço social e econômico e relativo ao poder de regular as ações individuais e coletivas em nome deste interesse geral.
O que está no centro da discussão, portanto, é o debate sobre as condições e os obstáculos colocados à construção de uma autoridade pública com soberania sobre as metrópoles. Neste sentido, parecem-nos úteis as reflexões de R. Bendix (1996) sobre a constituição do Estado Nacional. As metrópoles são governadas pela ação descoordenada dos três níveis de governo e pelo livre jogo dos interesses privados (materiais e ideais), fragmentados e em competição, como resultado da ausência de uma ordem pública alicerçada na fusão entre diferentes interesses e de um sistema de solidariedade capaz de assegurar a coesão social. Tal ordem pública pressupõe a existência de um consenso compartilhado entre atores públicos e privados sobre os interesses gerais a serem preservados no governo destes territórios. No lugar de uma ordem pública traduzida em instituições de governança, o que prevalece na gestão das metrópoles são ações cooperativas, fundadas no modelo que M. Weber (2003) identificou como “união de interesses”, portanto marcadas pela fragmentação e transitoriedade da cooperação entre os atores.
Examinando por este ângulo, a superação da atrofia política das metrópoles enfrenta, como maior obstáculo, o descasamento entre os regimes políticos dos Estados Nacionais e a sua geografia política com a nova territorialidade constituída pela crescente relevância econômica destes espaços nos planos nacional e global. A força jurídica e política das municipalidades, existentes em graus distintos em todos os países, vêm sendo apontada como um dos maiores obstáculos à construção da governabilidade das metrópoles. Na maioria dos casos, com efeito, os municípios são instâncias de governo com forte legitimidade social e política em todos os regimes políticos, mesmo naqueles organizados por formas unitárias. Tal obstáculo tornou-se ainda maior contemporaneamente, em razão de, em muitos países, ter ocorrido processos de descentralização associados ao fortalecimento de instituições e mecanismos locais de democracia participativa (JOUVÉ, 2005).
Tomando o caso da metrópole do Rio de Janeiro, o presente artigo tem como objetivo contribuir para a reflexão sobre este tema. Trata-se da segunda metrópole do país em termos de relevância econômica, reunindo 19 municípios, compreendendo uma extensão de 5.318,9 km² e uma população de cerca de 11,5 milhões de pessoas. Ela está situada em um espaço geoeconômico do sudeste do Brasil, onde estão concentradas as aglomerações urbanas de maior dinamismo da economia brasileira, exposta à competição de dois outros importantes polos metropolitanos – São Paulo e Belo Horizonte – pelos investimentos públicos e privados.
Não existe, sobre este território, uma instituição com capacidade de dotá-lo de governança. Predomina, ao contrário, um quadro de fragmentação institucional da metrópole, no qual as ações cooperativas entre níveis de governo, que eventualmente se organizam segundo o modelo de “união de interesses” mencionado anteriormente, apresentam graves consequências para o presente e o futuro deste território e para a sua população. Buscaremos evidenciar como esta fragmentação resulta da combinação de fatores que decorrem do modelo de governo local que prevalece no Brasil, associados a outros, relacionados com as especificidades históricas, sociológicas e geoeconômicas da metrópole do Rio de Janeiro.
Para ver o artigo completo “Democracia local e governança metropolitana: o caso do Rio de Janeiro”, acesse a Revista eletrônica e-metropolis edição nº 12 aqui.
Última modificação em 29-05-2013