O Observatório das Metrópoles promove, há mais de uma década, o Curso de Políticas Públicas com o propósito de fornecer um conjunto de conceitos, métodos e técnicas para formação de atores sociais capazes de participar da governança democrática nas cidades brasileiras. O projeto, que teve início na Baixada Fluminense, é difundido atualmente em várias metrópoles do Brasil e representa o esforço do instituto de aproximar o saber científico da sociedade civil, como também seu compromisso pela democracia participativa e na luta pelo direito à cidade.
O Curso de Formação em Políticas Públicas surgiu de um projeto de pesquisa realizado pelo Observatório das Metrópoles em meados de década de 1990, o qual constatou que os atores locais – tanto do poder público quando da sociedade civil – tinham dificuldade em assimilar os princípios da reforma urbana. A solução encontrada pelos pesquisadores do instituto foi investir na formação dos agentes sociais com o objetivo de fortalecer os espaços de participação na gestão pública municipal. A fim de valorizar naquele contexto histórico a temática metropolitana, o Observatório definiu a Baixada Fluminense como região prioritária para os cursos.
“O primeiro curso de Políticas Públicas foi realizado em São João do Meriti em 1999. No início, os cursos eram focados em diversos temas – saúde, educação, habitação etc.; depois, com a aprovação do Estatuto da Cidade e a criação do Conselho Nacional das Cidades (ConCidades), nós decidimos que o enfoque para a formação seria, a partir dali, a temática urbana”, lembra o professor Orlando dos Santos Júnior.
A metodologia do Curso de Formação foi elaborada, desde o começo, para ser mais que uma experiência acadêmica, já que reúne o saber científico com as questões postas pelos atores locais. “Reunimos atores governamentais e não governamentais em um mesmo espaço, buscando reproduzir assim uma esfera pública de participação a qual reúne gestores do poder público e sociedade civil para dialogar. O que fazemos é colocar essas perspectivas diferentes para refletir sobre as políticas públicas, sobre o direito à cidade e das cidades”, afirma Júnior.
Para a pesquisadora do Observatório das Metrópoles e educadora da ONG Ação Urbana, Regina Fátima Ferreira, o Curso de Formação parte da perspectiva de Paulo Freire para a produção dos sabres sobre a cidade. “O que fazemos é estimular os agentes sociais para que tragam as suas experiências cotidianas. Nenhum curso é pensado apenas como aula teórica, os alunos trazem questões do seu bairro, da sua região e da sua cidade para debater e refletir nas aulas, problematizando e construindo propostas. É um ambiente de fórum, de esfera pública mesmo”, explica Regina.
O curso, que tem uma estrutura modular, é dividido por temas e busca reconhecer as diferentes perspectivas e estimular o debate em sala de aula. A partir de 2004, quando o projeto assume como tema central o direito à cidade, o Observatório incluiu dinâmicas vivenciais no programa com a ideia de reproduzir o ambiente de um conselho local, ou seja, um espaço de debate de esfera pública participativa. “O que queríamos era quebrar com a noção de homogeneidade de opiniões e trabalhar com a gestão/mediação de conflitos”, explica Júnior.
Em 2012, o Curso de Formação será realizado, pela terceira vez, em São João do Meriti. Um dos destaques dessa edição é a dinâmica “Cartografia Representativa”, na qual serão trabalhadas as formas de representação da cidade, as formas não oficiais. Segundo o professor Orlando Júnior, os alunos não irão percorrer os mapas oficiais, mas sim tentar entender como representam a sua própria cidade. Ou seja, localizar os espaços de poder – onde vivem pobres, ricos e a classe média. “A dinâmica servirá para desconstruir as representações da cidade, reconstruindo-a a partir dos seus atores sociais os quais podem colocar nesse novo mapa outras reivindicações, outras demandas que não são legitimadas muitas vezes pelo poder público”, defende.
Projeto de Extensão, saber científico e sociedade
O Observatório das Metrópoles caracteriza o Curso de Formação em Políticas Públicas como um projeto de extensão por uma dupla razão. Primeiro, o instituto vê a formação como uma contrapartida social, ou melhor, como a missão acadêmica de difundir o seu saber científico à sociedade. A segunda razão está relacionada ao engajamento de estudantes de graduação, mestrado e doutorado na prática dos cursos de formação, espaço no qual eles entram em contato com os atores locais, entendem as demandas reais da sociedade e das políticas públicas, e atuam na mediação de conflitos.
“É uma possibilidade de troca interessante entre esses saberes. De um lado a liderança social – que tem a experiência prática da cidade e dos movimentos sociais; do outro o pesquisador da universidade – com uma perspectiva mais teórica e com dados e informações sistematizadas. Dessa forma, é uma troca que enriquece muito o processo”, afirma Regina.
Democracia participativa
Ao optar pelas esferas públicas de participação, o Observatório das Metrópoles aposta num modelo de democracia participativa que combine a democracia representativa com a participação da população – e sua multiplicidade de atores e interesses. Atualmente, no Brasil a democracia representativa tem um jogo institucional com regras, na maioria das vezes, capturadas pelo poder econômico, impedindo assim que os grupos populares consigam ser representados nesses espaços.
“A gente faz uma crítica aos canais da democracia representativa liberal porque eles têm muitos limites para representar essa multiplicidade de interesses, seja pelos vícios do próprio sistema eleitoral, seja pela mediação dos partidos – que não são mais os únicos atores capazes de representar os interesses sociais. Na verdade, há um conjunto de atores com suas demandas que não estão representados por esse sistema e parlamento, sendo que as esferas públicas – os conselhos – permitem alargar o espaço de participação”, defende Júnior e completa.
“Somente um instrumento de participação direta pode diminuir o hiato que separa os canais da democracia representativa da vida social real. E a democracia participativa é uma possibilidade de fazer com que esses segmentos transformem as suas necessidades em demandas de políticas públicas. É essa a nossa aposta, que exige a formação e o fortalecimento desses atores para ocuparem esses espaços”.
Desdobramentos e resultados
Para a promoção dos Cursos de Formação, o Observatório das Metrópoles tem contado com a colaboração de parceiros institucionais. Nos cursos da Baixada Fluminense, a ONG Fase Solidariedade e Educação contribuiu até o ano de 2010. Após a sua saída, a ONG Ação Urbana assumiu a tarefa de coordenação pedagógica do curso.
“O papel da Ação Urbana é colaborar na tradução do conhecimento científico para os atores sociais. E a partir da experiência que temos com educação popular transformar uma linguagem mais técnica numa linguagem mais simples e didática para os agentes sociais. Além disso, outro papel importante é justamente acompanhar os processos reais, dando continuidade aos cursos. Ou seja, cabe à Ação Urbana fomentar fóruns temáticos vinculados à temática urbana, como também acompanhar o debate nos conselhos locais”, explica Suyá Quintslr, educadora da organização não governamental.
Na Baixada Fluminense, o Cursos de Formação completa em 2012 a sua décima quarta edição, tendo passado por vários municípios que compõem a região metropolitana do Rio de Janeiro. A seguir a lista com as edições e os locais de realização:
Edições:
• 1999 (18 de outubro a 8 de dezembro) – Programa Interdisciplinar de Capacitação de Conselheiros Municipais – São João de Meriti
• 2000 (12 de junho a 26 de julho) – Programa Interdisciplinar de Capacitação de Conselheiros Municipais – Nova Iguaçu
• 2001 (16 de abril a 5 de junho) – Programa Interdisciplinar de Capacitação de Conselheiros Municipais – Paracambi
• 2002 (3 de junho a 10 de julho) – Programa Interdisciplinar de Capacitação de Conselheiros Municipais – Belford Roxo
• 2003 (20 de outubro a 26 de novembro) – Programa Interdisciplinar de Capacitação de Conselheiros Municipais – São João de Meriti
• 2004 (7 de junho a 14 de julho) – Programa Interdisciplinar de Capacitação de Conselheiros Municipais – Nova Iguaçu
• 2005 (1 de agosto a 21 de setembro) – Programa Interdisciplinar de Capacitação de Conselheiros Municipais – Mesquita
• 2006 (19 de junho a 9 de agosto) – Programa Interdisciplinar de Capacitação de Conselheiros Municipais – Nova Iguaçu
• 2007 – Programa Interdisciplinar de Capacitação de Conselheiros Municipais
• 2008 (3 de novembro a 10 de dezembro) – Curso de capacitação de agentes sociais e conselheiros municipais da cidade para a elaboração do Plano Municipal de Habitação de Interesse Social – Nova Iguaçu
• 2009 – Programa Interdisciplinar de Capacitação de Conselheiros Municipais
• 2010 (3 de novembro a 15 de dezembro) – Curso de Capacitação de agentes sociais e conselheiros(as) municipais da cidade, habitação e meio ambiente para elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Ambiental – São João de Meriti
• 2011 (30 de maio a 7 de julho) – Curso de Formação de Agentes Sociais e Conselheiros Municipais – Mesquita
Além da Baixada Fluminense, o Curso também foi implementado em diversas cidades brasileiras através da Rede nacional do Observatório das Metrópoles, como Belém, Recife, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Maringá e Fortaleza.
O Curso de Formação voltado para conselheiros municipais também resultou em uma série de outros cursos temáticos, os quais foram desenvolvidos na Baixada Fluminense e no Rio de Janeiro, para debater questões referentes à habitação, orçamento participativo e orçamento público, plano diretor, gestão de recursos hídricos, entre outros.
“Desde a criação do Conselho Nacional das Cidades, o Observatório das Metrópoles organizou e participou, conjuntamente com o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), dos processos de formação e capacitação de conselheiros para o ConCidades, o que mostra o seu comprometimento com as várias esferas do poder público”, explica Regina Fátima Ferreira, pesquisadora do Observatório.
Dos produtos gerados dos Cursos de Formação, merecem destaque os Cadernos Didáticos. O Observatório publicou quatro volumes, ao longo de doze anos, organizando o debate em torno dos conselhos locais e do tema urbano. “Os Cadernos são materiais muito importantes para o instituto porque tem o propósito de aproximar o debate acadêmico da sociedade”, argumenta Orlando Júnior.
A seguir os dois últimos livros lançados:
Cadernos Didáticos Políticas Públicas e Direito à Cidade: Política Habitacional e o Direito à Moradia Digna Programa Interdisciplinar de Formação de Agentes Sociais e Conselheiros Municipais
Cadernos de Formação – Políticas Públicas e Direito à Cidade
Conhecimento para transformar a cidade
Em julho de 2011, a pesquisadora do Observatório das Metrópoles e doutoranda do IPPUR/UFRJ, Thêmis Aragão, participou do Curso de Formação em Mesquita, região metropolitana do Rio de Janeiro, ministrando aulas sobre a temática da habitação – com enfoque para os PMCMV e PAC, visto que naquele período as obras desses programas federais impactavam a região da Baixada Fluminense. “No processo de formação, os alunos conseguiram diferenciar o que era PAC do que era PMCMV, já que normalmente no discurso político as diferenças não aparecem de forma tão clara. A partir dali, eles passaram a entender as diferenças das obras do PAC na Baixada; e também começaram a ter conhecimento para transformar essa realidade, sabendo como pressionar dentro de um conselho ou outra esfera de participação pública para influenciar as políticas de habitação”, explica Thêmis.
Ao final do curso, a equipe do Observatório das Metrópoles e Ação Urbana promoveram a dinâmica “Percurso Urbano”, com visitas programadas num empreendimento do PAC, numa urbanização em área de risco e numa comunidade de área ribeirinha. O objetivo era comparar o que havia sido discutido em sala de aula com a realidade urbana, no tocante aos problemas de meio ambiente, habitação, gestão urbana e saneamento básico. “A dinâmica ofereceu a possibilidade de os alunos lerem os espaços, construir perspectivas e resolução de problemas”, explica Thêmis e completa.
“Para mim foi um processo de aprendizado importante ao lidar com subjetividades diferentes. Nesse processo, a academia tem muito a apreender, assim como também tem muito a transmitir para as lideranças sociais”.