O INCT Observatório das Metrópoles lança o e-book “Curitiba: transformações na ordem urbana” que analisa as principais mudanças e permanências, desafios e perspectivas verificadas na Região Metropolitana de Curitiba nas duas últimas décadas. Segundo as organizadoras do livro Olga Firkowiski e Rosa Moura, a metrópole de Curitiba viveu, no período 1990-2010, processos de periferização e segregação socioespacial, além da inexistência de uma gestão metropolitana. Já em relação às mudanças, destaque para novos arranjos econômicos e sociais, e intensificação da mobilidade pendular.
“CURITIBA: transformações na ordem urbana“ retrata as principais mudanças e permanências, desafios e perspectivas verificadas na Região Metropolitana de Curitiba nas duas últimas décadas. Para tanto, analisa as transformações nas dinâmicas metropolitanas, quer as de natureza intrametropolitanas, quer as que alimentam as relações desta região metropolitana com a rede urbana brasileira, procurando observar as transformações na configuração espacial da metrópole e suas tendências, à luz da base conceitual sobre a metrópole contemporânea.
O livro, com 14 capítulos, está estruturado em três partes: o processo de metropolização; a dimensão socioespacial da exclusão/integração na RM de Curitiba; governança urbana, cidadania e gestão da região metropolitana.
A seguir alguns eixos de análise do livro sobre as permanências e mudanças na RM de Curitiba.
Urbanização e moradias informais
Observa-se a tendência de extensão da urbanização em direção às áreas mais periféricas, em municípios do entorno ao polo, distantes dos serviços e infraestrutura, caracterizadas por maior homogeneidade socioespacial. Ao mesmo tempo, intensifica-se a presença dos espaços informais de moradia em Curitiba, em especial pelo adensamento das favelas mais consolidadas, cuja densificação nas últimas décadas revelou a formação de uma estrutura socioespacial mais heterogênea e fragmentada, mais complexa em relação ao período que antecede a década de 1990.
Favelização e periferização
Embora os espaços informais de moradia, em especial as favelas, continuem sendo marcados pela precariedade da habitação e do assentamento, analisando-se as distintas tipologias socio-espaciais e suas localizações observa-se maior diferenciação dos perfis socioeconômicos dos seus residentes, com os de maior renda vivendo nas proximidades da porção central da aglomeração metropolitana, em loteamentos clandestinos, e os de renda mais baixa nas favelas e áreas mais distantes. Essa característica pode também ser considerada uma permanência, pois aponta a contínua periferização da parcela mais pobre da população, esteja ela morando em áreas formais ou informais.
Mobilidade Urbana e Rede de Transportes
Contemplando precariamente as demandas acentuadas pela elevação da mobilidade, as transformações do transporte apontam, entre os anos de 2000 e 2012, um crescimento de 20,17% na média de passageiros transportados nos dias úteis, acompanhado do crescimento de 11,75% da frota e de 6,93% das linhas da rede integrada de transporte (RIT). No entanto, o crescimento da oferta e do atendimento da RIT se realiza com parcialidade e inadequação da integração, pois não há relação entre o crescimento de passageiros, bastante restrito, e o elevado crescimento da população que realiza movimento pendular. Esse comportamento põe em xeque a reputação positiva do transporte urbano de Curitiba e principalmente da RIT, indicando possível demanda reprimida. Isso se evidencia no aumento da frota de veículos verificado no mesmo período, que aponta uma taxa de crescimento de 5,47% a.a. na frota de veículos de Curitiba.
Condições Educacionais e Condições Sociais
Há uma significativa correspondência entre o desempenho na Prova Brasil e as condições habitacionais e a tipologia socioespacial. Nos tipos médio e popular operário concentra-se a maior porcentagem de alunos com desempenho insatisfatório, deixando claro que a diferenciação e segmentação são características marcantes em relação às oportunidades educacionais na RMC e em Curitiba, e indicando a desigualdade da distribuição das oportunidades educacionais no território.
Programa MCMV
O programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) sinaliza que a ação conjunta desses agentes na RMC está longe de reduzir as desigualdades no acesso à moradia. As maiores ofertas MCMV – Curitiba (66,56%) e São José dos Pinhais (18,50%) – não correspondem aos municípios com maior déficit habitacional relativo – Fazenda Rio Grande, Araucária (10%), Colombo e Almirante Tamandaré (9%). Os financiamentos também não correspondem ao segmento de menor renda, dado que na região ocorre uma concentração de empreendimentos na faixa de renda de 3 a 6 SM (45%), além de que a participação da faixa de 6 a 10 é maior do que a preconizada inicialmente pelo Programa.
Série Transformações na Ordem Urbana das Metrópoles Brasileiras (1980-2010)
O Brasil não é só urbano, é também um país cada vez mais metropolitano. A rede urbana brasileira é composta hoje de 13 cidades com mais de um milhão de habitantes, megacidades (São Paulo e Rio de Janeiro), 52 Regiões Metropolitanas e 9 aglomerações urbano-regionais. Monitorar as tendências de reconfiguração destes grandes aglomerados urbanos, compreender o seu papel na articulação territorial nas escalas global, nacional e regional, bem como as diferenças existentes entre eles tem sido a contribuição que o Observatório das Metrópoles tem dado ao país nos últimos anos.
É nesse contexto que o instituto promove o lançamento, no dia 19 de novembro, da Série “Transformações na Ordem Urbana das Metrópoles Brasileiras (1980-2010)” com o propósito de oferecer a análise mais completa sobre a evolução urbana do país, servindo assim de subsídio para a elaboração de políticas públicas e para o debate sobre o papel metropolitano no desenvolvimento nacional.
A Série “Transformações na Ordem Urbana” representa o maior projeto do Observatório das Metrópoles no âmbito do Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT/MCT&I). Segundo o coordenador nacional da Rede, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, o Observatório vem acumulando expertise sobre a temática metropolitana há mais de 15 anos, a partir da consolidação de um trabalho em rede multidisciplinar, de produção de conhecimento científico, de metodologias e ferramentas para a pesquisa da questão metropolitana.
“Para o coletivo de pesquisadores do Observatório, qualquer estratégia de desenvolvimento nacional está fortemente condicionada à capacidade da sociedade brasileira em enfrentar os desafios urbanos, sociais e ambientais que se manifestam de forma multifacetada e multiescalar nas metrópoles brasileiras”, afirma.
APRESENTAÇÃO – Série Transformações na Ordem Urbana
Por Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
O Observatório das Metrópoles vem se dedicando desde 1996 à pesquisa da dimensão metropolitana da questão urbana brasileira. Foi fundado em 1996 como um projeto focado na metrópole fluminense; em 1997, passa a integrar o Programa Nacional de Núcleos de Excelência – PRONEX, e, em 2005, o Programa Nacional Institutos do Milênio; em 2009, passa a se constituir como Instituto de Ciência e Tecnologia (INCT).
O presente livro integra uma coletânea pela qual apresentamos à comunidade acadêmica, aos atores e instituições governamentais e à sociedade a reflexão dos seus pesquisadores sobre as transformações em curso nas principais metrópoles brasileiras nos últimos 30 anos.
Resulta do programa de trabalho “Metrópoles: território,, coesão social e governança democrática” realizado entre 2009 e 2014 por uma grande equipe multidisciplinar de pesquisadores integrantes de programas de pós-graduação centralmente integrantes das subáreas das Ciências Sociais Aplicadas e organizados em Núcleos Locais presentes em 15 principais aglomerações urbanas do país (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Baixada Santista, Curitiba, Porto Alegre, Maringá, Goiânia, Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza, Natal e Belém), tendo o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ) como sede da Coordenação Nacional.
Resulta, portanto, de uma experiência acadêmica pouco comum na área das ciências sociais por se tratar de uma pesquisa cooperativa, colaborativa e comparativa de longa duração, tornando-a uma Pesquisa em Rede – mais que uma Rede de Pesquisa.
O cimento desta experiência é o compartilhamento pelo coletivo de pesquisadores do Observatório de que qualquer estratégia de desenvolvimento nacional está fortemente condicionada à capacidade da sociedade brasileira em enfrentar os desafios urbanos, sociais e ambientais que se manifestam de forma multifacetada e multiescalar nas metrópoles brasileiras.
Os resultados aqui apresentados indicam que atravessamos, por um lado, um momento histórico favorável ao enfrentamento destes desafios por ingressarmos em uma nova transição urbana cujo marco mais visível é a drástica diminuição da pressão demográfica global que marcou a nossa metropolização desde a segunda metade dos anos 1940. Mas, por outro lado, constatamos que mantêm-se as dificuldades para superar a atrofia política das metrópoles, dotando-a de instituições com real capacidade de governabilidade, não obstante a sua relevância econômica e societária.
A maior expressão desta atrofia é a ausência da dimensão metropolitana nas políticas públicas e no sistema de representação no sistema político. A questão urbana, quando tem presença na burocracia pública e nas parlamentos, se expressa através de concepções e modelos de ação setoriais e localistas. Há, portanto, uma orfandade técnica e política na metrópole.
Esperamos que os resultados da pesquisa realizada pelo Observatório, que agora difundimos, possam contribuir com dados, análises e reflexões para o melhor entendimento da natureza, complexidade e importância destes desafios para o desenvolvimento nacional e que também possam servir de insumos para a construção de um incontornável projeto de reforma urbana-metropolitana do país.
Incontornável porque os resultados do nosso trabalho de pesquisa nos autorizam afirmar que as metrópoles sintetizam os efeitos da disjunção entre nação, economia e sociedade inerentes à nossa condição histórica de semiperiferia da expansão capitalista, acelerados pela subordinação à globalização hegemonizada pelo capital financeiro.
É imperativo a adoção de uma estratégia de desenvolvimento nacional que dê respostas às necessidades de um outro modelo metropolitano sem o qual, como sociedade, estaremos condenados a uma variante da maldição de Sísifo: o que a economia produz como promessa de bem-estar individual, a metrópole transforma em mal-estar-coletivo.