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Comerciante chinês em São Paulo (reprodução web)

Como caracterizar a migração chinesa no centro de São Paulo? Qual a sua dinâmica? E quais transformações ela trouxe para a capital paulista? Neste artigo para a Revista Cadernos Metrópole nº 41, Carlos Freire da Silva aborda a imigração chinesa na cidade de São Paulo como uma dinâmica migratória transnacional na escala da cidade, com impactos urbanos e nas dinâmicas transnacionais que se articulam a essa imigração. “Trata-se de pensar a incorporação de processos migratórios transnacionais em seu impacto na reestruturação das localidades”, defende.

Segundo o pesquisador, os migrantes chineses atuam para a circulação de produtos made in China no comércio popular, refletindo uma dinâmica transnacional que deslocou a centralidade desses fluxos de comércios de Ciudad del Este no Paraguai para São Paulo. As vendas de produtos nas galerias na rua 25 de Março “estão no centro de um agenciamento transnacional que coloca em movimento pessoas e mercadorias e, muito concretamente, circulam entre mercados no centro de São Paulo, principalmente aos mercados das cidades de Guangzhou e Yiwu”.

O artigo Conexões Brasil-China: a migração chinesa no centro de São Paulo integra o dossiê “Mobilidade Espacial” da Revista Cadernos Metrópole edição nº 41.

Abstract

From the economic opening of China in 1979 until these days, a socioeconomic dynamics has been forming, linking wholesale centers between China and Brazil through trade flows and migratory mobilities. These are routes that supply popular markets and involve a constant movement of people, especially between São Paulo and the cities of Guangzhou and Yiwu. This article discusses the establishment of Chinese migrants in the popular trade of downtown São Paulo, through galleries and the “dawn market” located in the neighborhood of Brás and on a street called 25 de março – currently, the country’s largest distributor of goods imported directly from China. It is not only a question of locating a migratory process in space, but of how it affects the restructuring of places by promoting the articulation of transnational socioeconomic dynamics.

INTRODUÇÃO

Por Carlos Freire da Silva

A diáspora chinesa ocupa lugar de destaque na ordem global das migrações, sendo a China a principal provedora de migrantes no mundo distribuídos por mais de 150 países (Wei, 2010). A migração chinesa para o exterior vem de longa data, com um incremento significativo a partir de meados do século XIX, depois da primeira guerra do Ópio (1839 a 1842) através do sistema coolie. No período entre a revolução comunista e a abertura econômica, em que a saída da China continental era restrita, a migração para o exterior ocorria basicamente a partir de Hong Kong e Taiwan. Depois da abertura e da viabilidade legal para migração dada pelo governo central para qualquer pessoa que conseguisse um visto para o país de destino, os incentivos econômicos dos governos locais tiveram participação ativa na promoção da migração, principalmente nas províncias de Guangdong, Zhejiang e Fujian (ibid., pp. 33-34).

Os países do sudeste asiático foram os principais receptores da diáspora chinesa, seguidos pelos Estados Unidos e pelo Canadá, na América do Norte, e pela Itália, Inglaterra, Espanha e França, na Europa. Apesar de ter mais de 200 anos de história, o crescimento recente da migração chinesa para o Brasil acompanha uma reorientação de vetores que faz com que esse fluxo migratório tenho crescido ultimamente entre a América Latina e África, estando o Brasil situado atrás apenas do Peru como principal concentração de chineses em países sul-americanos (Stenberg, 2012). O redirecionamento dos fluxos migratórios traz elementos importantes para pensarmos sobre dinâmicas transnacionais que não se resumem apenas as orientações globais dos mercados financeiros. Podemos tomar a migração chinesa como vetor analítico para se pensar a dinâmica das relações entre Brasil e China.

A mobilidade de chineses para o País constitui um dos principais fluxos migratórios das últimas décadas. Tomando como indicadores alguns dados do Ministério da Justiça sobre estrangeiros que procuraram regularizar sua situação no País durante a última anistia em 2009, eles constituíram o segundo maior grupo por nacionalidade com 5,5 mil inscritos, atrás apenas dos bolivianos com 17 mil inscritos.

Nas tabulações dos microdados da amostra do Censo de 2010, a estimativa seria de 12.554 pessoas nascidas na China vivendo no estado de São Paulo, das quais 63,5% estariam na cidade de São Paulo; e, para todo o Brasil, a estimativa seria de 23.156 pessoas (Freire da Silva, 2014). Porém, reconhecidamente os dados do censo tendem a subdimensionar certas dinâmicas migratórias. Na sessão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em homenagem aos 200 anos da migração chinesa para o Brasil, registrada no Diário Oficial de 23 de maio de 2012, o consulado Chinês em São Paulo e a Associação Chinesa do Brasil estimavam em 250 mil o número de chineses e de seus descendentes no Brasil, 180 mil morando em São Paulo. Embora a migração em si não seja propriamente uma novidade, as informações dos microdados da amostra do Censo de 2010 indicam que mais de 60% dos chineses residentes na RMSP teriam se estabelecido no País depois de 1995 e ao longo da década de 2000 (ibid., p. 142).

Este artigo reflete pesquisa desenvolvida entre 2010 e 2014 durante o doutorado (ibid.) e sua continuação em um pós-doutorado em curso desde o final de 2015. A pesquisa consistiu em observação em campo junto à região da 25 de Março e do Brás, nas galerias comerciais e na feira da madrugada, em entrevistas com comerciantes chineses e representantes de associações chinesas, além de fontes secundárias como os canais de notícias dos migrantes no wechat (aplicativo muito popular entre os chineses usado como rede social e para trocas de mensagem, entre outras funções). Também foram realizados dois períodos de pesquisa na China (dois meses em 2013, quatro meses em 2016), sobretudo em Guangzhou e Yiwu.

Em termos teórico-metodológicos, procuramos refletir sobre essa dinâmica migratória transnacional na escala da cidade, pensando em seu impacto urbano e nas dinâmicas transnacionais que ela articula. Trata-se de pensar a incorporação de processos migratórios transnacionais em seu impacto na reestruturação das localidades (Glick-Schiller e Çaglar, 2008). Procuramos levar em consideração as críticas ao “nacionalismo metodológico” em estudos de migração transnacional, que consistiria em uma tendência a abordar processos sociais e históricos como se eles estivessem contidos dentro de Estados nacionais (ibid.); e também buscando se distanciar da abordagem “étnica” sobre a mobilidade transnacional.

Desse modo, não se trata de uma discussão sobre a migração chinesa para o Brasil de modo geral. Também não se trata de uma discussão sobre “nicho étnico” ou “empreendedorismo étnico” que procure explicar pela origem nacional ou por uma identidade étnica que coincida com a nacionalidade, o tipo de engajamento que os migrantes terão nas atividades em que eles se concentram. Trata-se aqui antes de analisar um processo específico da migração chinesa e o seu impacto no desenvolvimento dos mercados populares no centro de São Paulo, bem como a dinâmica transnacional que se estabelece com alguns mercados em cidades no sul da China.

O desenvolvimento e as transformações dos mercados populares da 25 de março e do Brás, em conjunto com a influência da migração chinesa na produção e renovação desses espaços, revelam-nos uma dimensão importante da relação entre os dois países, mostrando conexões com alguns espaços específicos na China que são estruturantes para esse tipo de comércio transnacional.

Leia o artigo completo na edição nº 41 da Revista Cadernos Metrópole.