A distribuição espacial do emprego na Região Metropolitana do Rio de Janeiro permanece praticamente estável há pelo menos uma década. Atualmente, o município do Rio de Janeiro concentra 74,2% dos postos de trabalho disponíveis. Neste artigo, o pesquisador Juciano Rodrigues, reflete sobre os efeitos dessa concentração nas condições de deslocamento, que podem se tornar ainda perversos dada a grave crise econômica e institucional vivida pelo estado fluminense.
A concentração do emprego na metrópole do Rio de Janeiro e seus efeitos sobre a mobilidade urbana
Juciano Martins Rodrigues¹
A distribuição espacial do emprego na Região Metropolitana do Rio de Janeiro permanece praticamente estável há pelo menos uma década. É o que se constata ao observar os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS/MTE) entre 2006 e 2016.
Esse aspecto da configuração espacial da metrópole gera efeitos importantes sobre o modo de vida de seus mais de 12 milhões de habitantes. Suas consequências são sentidas sobretudo na mobilidade cotidiana, já que a localização concentrada dos empregos resulta em deslocamento em massa das áreas mais distantes em direção às mais centrais.
Esse padrão de deslocamento exige da infraestrutura e dos serviços uma capacidade fora do comum e, diante da grave crise econômica e institucional vivida pelo Estado do Rio de janeiro, os efeitos dessa concentração podem se tornar ainda mais perversos. Que o transporte público no Rio de Janeiro é um dos piores do Brasil não chega a ser nenhuma novidade. Os péssimos serviços de ônibus, metrô, trens e barcas já se tornaram marcas registradas da cidade. Falta reflexão sobre seus efeitos sociais, especialmente aqueles decorrentes das dificuldades de acesso ao mercado de trabalho. Mas não é possível tratar desses problemas sem tocar, primeiro, na questão da localização dos empregos.
Em 2008, publicamos um trabalho que mostrava o efeito da mobilidade urbana sobre as chances de estar ou não empregado; e, se caso o indivíduo tivesse emprego, nas chances deste ser precário ou não . O estudo mostrava, por exemplo, que moradores de áreas com baixa mobilidade tinham muito mais chance de estar desempregados do que aqueles que residiam em áreas com alta mobilidadei. Na ocasião, as áreas da cidade foram classificadas segundo um índice de mobilidade, que nada mais é que a média do número de viagens que cada habitante teria capacidade de realizar em um dia.
Os resultados desse trabalho indicam, entre outras coisas, que a falta de mobilidade pode ser um infeliz e poderoso fator de exclusão social. Utilizamos nesse estudo, informações do Censo de 2000 do IBGE e, embora tenham se passado 17 anos da coleta desses dados, é possível que essa lógica ainda prevaleça.
O trabalho de Rafael Pereira, doutorando na Universidade de Oxford, apresentado em seminário no IPEA, onde ele também é pesquisador, mostra que as infraestruturas de transporte construídas recentemente na cidade não foram suficientes para promover mais equidade, permitindo o maior acesso aos locais de emprego. Mais que isso, sua tese – que ainda vai ser apresentada – nos faz pensar como as políticas de transporte podem mudar a vida das pessoas – ou pelo menos deveriaii.
Para agravar mais essa situação a metrópole vive uma situação de extremada concentração espacial dos postos de trabalho, como afirmarmos no início. O município do Rio de Janeiro concentra 74,2% dos postos de trabalho disponíveis. Dos 26,8% restantes, 17,1% estão distribuídos apenas entre quatro municípios: Niterói, Duque de Caxias, São Gonçalo e Nova Iguaçu. Portanto, 91,3% dos empregos estão em apenas cinco dos 20 municípios da região metropolitana.
Esses dados mostram também que a distribuição espacial do emprego mantém certa rigidez, com tendência de manterem a mesma localização ao longo do tempo. Em 2006 o percentual dos empregos metropolitanos na cidade do Rio era de 75,1%, enquanto que nesses outros quatro municípios era de 16,9%.
É verdade que o conjunto composto por Niterói, Duque de Caxias, São Gonçalo e Nova Iguaçu ganhou 1,8% de participação ao longo de uma década. No entanto, esse aumento deve ser visto com alguma atenção. Em primeiro lugar, essa leve redistribuição a partir do núcleo metropolitanos se dá de maneira bastante concentrada nesses quatro municípios, com peso maior em Niterói e Duque de Caxias. Em segundo, é necessário ressaltar que, embora ocorra uma pequena queda na participação relativa do município do Rio de Janeiro no emprego metropolitano, ocorreu um importante aumento absoluto entre 2006 e 2016, quando o total de postos formais passam de 1,9 milhão para 2,3 milhões. Isso significa dizer que, de todos os postos formais de trabalho criados na metrópole, 70% ainda são criados no município do Rio. Por fim, conforme publicamos em artigo do livro “Rio de Janeiro: transformações na ordem urbana”iii , o crescimento dos outros municípios tende a ocorrer em poucos setores econômicos, descartando a hipótese de uma completa dinamização econômica de determinados municípios.
Já os demais municípios da metrópole não ganharam participação no mesmo ritmo. A soma de todos os postos de trabalho dos outros quinze municípios, em 2006, representava 8% e passou para 8,7% em 2016.
Essa concentração majoritária do emprego no município do Rio de Janeiro e o peso forte dos outros quatro destoa do modo como se distribuição a população pelo território. Sem dúvida, esse descasamento entre os locais de trabalho e moradia cria um desafio adicional para política pública e é um ingrediente imprescindível para o planejamento metropolitano de longo prazo.
Quando comparada a outras regiões metropolitanas, esse descompasso fica ainda mais evidente. A metrópole do Rio de Janeiro está entre as quatro onde a diferença entre a proporção de empregos e população no núcleo metropolitano é maior. Entre as 15 principais regiões metropolitanas do país, a maior diferença está em Recife, onde o núcleo concentra 65,7% dos empregos e apenas 41,3% da população, uma diferença, portanto, de 24,5% (Gráfico 1). No Rio, como vimos, o núcleo tem praticamente três quartos dos empregos, mas pouco mais da metade da população.
Se a hiperconcentração no município núcleo já não fosse suficiente, o emprego se dispõe de maneira bastante localizada no interior do município. A Área de Planejamento 1 (AP1), onde está o Centro, concentra em torno de 35% de todo o emprego da cidade do Rio de Janeiro. Nesta mesma região estão localizados 26,5% dos postos de trabalho da região metropolitana. Quando se compara com a distribuição da população, a diferença é absurda. A AP1 responde por 4,5% da população do município e contribui com apenas 2,5% de toda a população metropolitana.
O Bairro de São Cristóvão ilustra bem esse descasamento entre local de moradia e de trabalho na metrópole. Localizado nessa área e vizinho imediato ao Centro, tem quase 3 vezes mais empregos do que moradia. Além de próximo à área central, é um território relativamente bem servido de infraestrutura de transportes, com estações de trem e metrô. No entanto, é um bairro conhecido por seus amplos vazios urbanos.
Essa configuração, caracterizada por esse descasamento radical entre o local de moradia e trabalho, determina, em boa medida os padrões de mobilidade metropolitana e molda as condições de deslocamento da população.
Quando olhamos para os tipos de deslocamento conforme a origem e o destino no território metropolitano, eles reforçam a constatação de há um efeito da segmentação territorial do emprego. Dados trabalhando também no livro “Rio de Janeiro: transformações na ordem urbana” revelam, por exemplo, que as piores condições de deslocamento são das pessoas que saem diariamente da periferia para o núcleo, cujo tempo médio é de 73,8 minutos, sendo três vezes maior do que o tempo das pessoas que se deslocam no interior dos próprios municípios.
O Rio de Janeiro, vale ressaltar, vive sua mais grave crise no setor de transportes. As empresas concessionárias dos serviços de ônibus foram atingidas em cheio pela Operação Lava-Jato. Na última investida, que prendeu mais uma vez o maior empresário do ramo, o Ministério Público Federal contabilizou que o Estado deixou de arrecadar mais de R$ 183 bilhões em impostos. Se isso já não fosse demasiadamente grave, estamos falando do Estado que, em junho de 2016, declarou estado de calamidade pública em função de sua falência financeira. Sem dúvida, a atual incapacidade governamental de oferecer soluções para os problemas do transporte acumulados ao longo dos últimos anos é fruto dessas ações e omissões.
Quando instado a oferecer soluções para remediar os impactos da crise, o poder público tem agido mais no sentido de prejudicar a população, ao mesmo tempo que procura preservar os prestadores de serviços, como no caso dos ônibus. Basta ver o empenho do Governo do Estado e da Prefeitura para barrar sistematicamente as tentativas de abrir CPI’s para investigar as irregularidades tanto na Assembleia Legislativa quanto na Câmara Municipal. Essas investigações poderiam ajudar a esclarecer o absurdo aumento nos preços das passagens ocorridos nos últimos anos, apesar de terem sido reduzidos recentemente por um sequência de ordens judiciais.
No plano municipal, a chamada Racionalização das Linhas de Ônibus na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, prejudicou muito quem faz o trajeto da AP3, área mais populosa da cidade (38,1% da população), para o Centro e, especialmente, para a Zona Sul da cidade, regiões concentram a maior parte dos empregos metropolitanos.
O Bilhete Único, que poderia ser um grande facilitador para os deslocamentos, já que nele está embutido um subsídio importante e com ele as pessoas podem pegar dois ônibus pagando uma única passagem, tem sido renegado enquanto política pública de transporte. As dificuldades de recarga, por exemplo, inibem o seu uso e prejudicam o acesso para a população. Em toda a cidade só existe 1000 postos de recarga para 4 milhões de usuários.
Apesar da conjuntura negativa que exige soluções rápidas e emergenciais, não se deve fugir da discussão sobre as questões estruturais. É fundamental para o futuro da metrópole do Rio de Janeiro pensar em soluções para a enorme pressão cotidiana sobre suas áreas centrais. Nesse sentido, Políticas Públicas orientadas por uma visão de longo prazo deveriam considerar talvez um duplo movimento. Por um lado, no sentido de incentivar de alguma forma instalação de polos de empregos na periferia, como tem sido cogitado. Por outro, o caminho pode ser o aproveitamento de bairros adjacentes às áreas centrais, ocupando e redistribuindo os empregos que hoje se encontram extremamente concentrados no Centro e na Zona Sul.
¹ Pesquisador do Observatório das Metrópoles (IPPUR/UFRJ), Coordenador Científico do Laboratório de Mobilidade Sustentável (LABMOB-PROURB/UFRJ). Bolsista Capes.