Em abril de 2020, a sociedade civil do Grande Bom Jardim instituiu o Comitê Popular de Enfrentamento à Crise da Covid-19 no Grande Bom Jardim. O Grande Bom Jardim (GBJ) é formado por cinco bairros na área sudoeste da cidade de Fortaleza – Bom Jardim, Canindezinho, Granja Lisboa, Granja Portugal e Siqueira -, com fronteiras com os municípios de Maracanaú e Caucaia. Trata-se de uma área com população residente estimada em 233 mil pessoas, caracterizada por grave vulnerabilidade social e precariedade urbana, com seus moradores vivenciando violências e violações de direitos múltiplas, intensas e persistentes, por vezes sobrepostas. Nesse contexto, até 13 de maio de 2021 o GBJ detinha 10.471 casos e 583 óbitos confirmados de Covid-19, revelando um dos territórios mais afetados pela pandemia na metrópole fortalezense.
Ao mesmo tempo, o GBJ é reconhecido por ter um movimento popular-comunitário potente, ativo e reconhecido nas lutas urbanas locais e estaduais. O Comitê surge como expressão desse movimento popular-comunitário local, fazendo confluir forças variadas, cabendo indicar a centralidade da Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim (Rede DLIS do GBJ) nesse processo. Promovendo ampla conscientização e mobilização social e política, a Rede DLIS e o Comitê Popular evidenciam representatividade significativa, unificando a população local em defesa da vida e do direito à saúde, agregando agentes com diferentes perspectivas político-ideológicas.
Em 2020, sete campanhas de solidariedade ativadas pela sociedade civil local apoiaram em torno de 30 mil pessoas no território, ressignificando a solidariedade ao vinculá-la à defesa da vida e ao direito à saúde, já evidenciando a participação popular ativa no local. A partir de março de 2021, no contexto da segunda onda de disseminação da Covid-19 em Fortaleza, o Comitê se fortaleceu, realizando reuniões virtuais com a participação semanal de dezenas de lideranças comunitárias, agentes comunitários de saúde, professores e gestores da educação, ativistas de organizações da sociedade civil, de movimentos sociais, coletivos culturais e de juventudes e grupos religiosos variados. A consolidação do grupo trouxe também gestores e técnicos de variados órgãos públicos e legisladores municipais e estaduais e suas equipes para as reuniões, cabendo destacar o Secretário Estadual de Saúde do Ceará, secretários municipais, gestores da atenção básica, das unidades básicas de saúde no território, da vigilância epidemiológica e secretários das administrações regionais.
Em meio a esses agentes, o Comitê constitui efetivamente uma atuação política democrática e participativa ao monitorar a atuação do poder público, produzir dados e análises e gerar recomendações para ações imediatas e de média e longa duração. O grupo se propõe a atuar conjuntamente com o Estado para efetivar demandas, críticas e sugestões e trazer a visibilidade política para enfrentamento à Covid-19 nas periferias urbanas, considerando os seguintes vetores prioritários:
- Evidenciando que a cidade é desigual, reconhecendo sua vulnerabilidade sanitária e demandando intervenções estratégicas contextualizadas;
- Mantendo ações conjuntas com participação direta da população local envolvendo gestores/órgãos públicos e sociedade civil local, para formar decisões e ações de forma sistemática;
- Defendendo a implantação de uma política emergencial territorialmente contextualizada, com dados, análises e ações espacializadas;
- Fazendo convergir ações setoriais (saúde, assistência social, educação, economia, urbanismo e meio ambiente, dentre outras) entre o período da pandemia da Covid-19 e as projetando para o futuro;
- Elaborando, articulando e implantando ações de saúde pública imediatas e/ou emergenciais, de médio e longo prazo, com protocolos e mecanismos de gestão compartilhada e com a qualificação, ampliação e/ou implantação de equipamentos, sistemas, recursos e infraestruturas no território e/ou que possam atender a população local dos territórios periféricos da cidade.
Para operacionalizar essas demandas o Comitê instituiu um grupo interssetorial¹, para coletar, construir e analisar dados buscando a transparência das informações. Diagnósticos e análises territorializadas sistematizados e disponibilizados publicamente através de produção textual, visual e cartográfica permitiram que o Comitê pudesse se apoiar em dados sanitários para gerar/qualificar demandas e proposições para os órgãos e gestores públicos.
Como metodologia, foram efetuados 11 grupos focais de mapeamento participativo, com participação da população local, inclusos agentes comunitários de saúde, para identificar áreas de aglomeração e de concentração de casos e óbitos, à escala das quadras, lotes e vias. Como resultado, o Relatório “Mapa Participativo da Covid-19 no Grande Bom Jardim: Leitura Comunitária de Pontos de Aglomeração e de Casos”, compilou treze recomendações para o poder público estadual e municipal, dentre outros trabalhos ainda em andamento. Cabe evidenciar a vulnerabilidade nos meios de transporte, nos estabelecimentos comerciais, aglomerações em locais de culto religioso e a necessidade de medidas educacionais com a população sobre a severidade do vírus e importância do isolamento e uso de máscaras.
O relatório promoveu também um diálogo com a Célula de Vigilância Epidemiológica do município para cruzar os dados participativos com as informações epidemiológicas oficiais de registros de casos e óbitos. As reuniões de trabalho com a Célula trouxeram reflexões sobre o valor da cartografia social para qualificar dados oficiais e explicar possíveis causas de subnotificação. Através de atuação multidisciplinar, inclusas análises geoestatísticas com softwares de Sistemas de Informação Geográfica, o Comitê trouxe atenção para aspectos do ambiente construído, ligados à estrutura e dinâmica urbana em várias escalas, e à precariedade habitacional e de saneamento, que tem efeito significativo na proliferação da Covid-19 no GBJ. Também cabe indicar que o Comitê tem conseguido construir articulações relevantes com a FIOCRUZ-CE, os Médicos Sem Fronteiras, a Articulação do Complexo de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro, dentre outras, indicando que o esforço realizado tem conseguido abrir espaços de diálogos e gerar conquistas significativas para a sociedade civil do GBJ.
A equipe técnica do Comitê Popular conta com a participação de pesquisadores do Observatório das Metrópoles Núcleo Fortaleza: o professor associado da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Eduardo Gomes Machado, e a doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará, Regina Balbino da Silva. Ambos integram o Grupo Diálogos de Extensão e Pesquisas Interdisciplinares.
Também participam da equipe técnica Adriano Paulino de Almeida (Rede DLIS), Rogério Costa (Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza – CDVHS), o grupo de bolsistas do Programa de Educação Tutorial do curso de Arquitetura e Urbanismo (ArqPET/UFC), vinculados ao Laboratório de Experiências Digitais (LED/UFC), Sara Moura Pinto, Milena Verçosa Vieira, Rebeca Freitas Fiuza, sob orientação da professora Clarissa Freitas (PPGAU+D), além de Lara Sucupira Furtado (UNIFOR), Lígia Kerr (UFC), Fernando Carneiro (FIOCRUZ-CE), Edivânia Marques (ABG Fortaleza), Victor Régio da Silva Bento (UFAC), Beth Silva (UNILAB), Beatriz Carneiro (PMF/Regional X) e Adelina Feitosa (PMF/Regional V).
Acesse o Relatório “Mapa Participativo da Covid-19 no Grande Bom Jardim: Leitura Comunitária de Pontos de Aglomeração e de Casos”.
Para maiores informações sobre o Grande Bom Jardim e seu movimento popular-comunitário:
- Periferias urbanas, redes locais e movimentos sociais em Fortaleza, Ceará;
- Perfil da Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim (REDE DLIS do GBJ);
- Violações de direitos no contexto da pandemia da Covid-19 na periferia de Fortaleza: o caso do Grande Bom Jardim;
¹ Formado por representantes técnicos da Prefeitura e por uma equipe técnica com pesquisadores de várias áreas disciplinares (sociologia, geografia, arquitetura e urbanismo, psicologia e epidemiologia), de quatro universidades.