COMITÊ DAS ZEIS: EM BUSCA DO DIREITO À CIDADE
Por Laboratório de Estudos da Habitação/UFC – Coordenação Renato Pequeno
A inclusão das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) no mapa de Fortaleza se deu somente em 2009, quando da aprovação do seu Plano Diretor (lei 062/2009), como resultado de diversas ações de pressão e articulação dos movimentos sociais urbanos locais. Apesar da previsão legal deste instrumento – reconhecimento bastante tardio, diante das décadas de utilização do mesmo por outras cidades brasileiras – entramos em 2015 sem uma atuação do poder público municipal que significasse a concretização deste zoneamento especial e socialmente includente.
Duas gestões passaram-se e, neste meio tempo, os moradores organizados e alguns movimentos de moradia da cidade, apoiados por setores da universidade, pressionaram o poder publico através de atos, ocupações, reuniões, audiências públicas, etc, e como resposta houve algumas iniciativas em poucas comunidades reconhecidas como ZEIS. Por exemplo, no Lagamar, houve a eleição do seu conselho gestor e este funcionou por um tempo; no Poço da draga, houve a eleição do conselho gestor, mas não foi reconhecido pela gestão que entrou logo em seguida; no Serviluz, foi percorrido todo o processo para a escolha dos conselheiros, mas na véspera da eleição, a prefeitura cancelou o processo.
Apenas no primeiro semestre de 2013, após uma manifestação sob a forma de acampamento em frente à sede da prefeitura, se conseguiu o acordo de que seria criado um Comitê Técnico Intersetorial e Comunitário para tratar da regulamentação das ZEIS em Fortaleza. Este foi então instituído através do Decreto nº 13.241, de 21 de outubro de 2013, com a finalidade de “subsidiar o executivo municipal de informações suficientes para tomadas de decisão relativamente à regulamentação e à implementação destas zonas especiais no âmbito do território municipal”.
O comitê efetivamente iniciou seus trabalhos em 14 de abril de 2014, numa reunião convocada pelo Instituto de Planejamento de Fortaleza (IPLANFOR) que, compartilha com a Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (HABITAFOR – atualmente Secretaria de Habitação de Fortaleza) a sua coordenação.
Para sua composição, além de representantes de vários órgãos do poder municipal, foram convidados representantes de 9 ZEIS – cujo critério, segundo a prefeitura, foi “a reconhecida atuação comunitária em prol da regulamentação das ZEIS” e duas entidades da sociedade civil (Federação de Bairros e Favelas de Fortalezas – que foi apenas para duas reuniões e saiu antes do fim, e CEARAH Periferia, que nunca se fez presente).
O Laboratório de Estudos em Habitação – LEHAB, decidiu acompanhar o comitê e participou efetivamente de todas as suas dez reuniões e atividades correlatas. A nossa atuação neste espaço deu-se por conta do desenvolvimento da pesquisa Direito à Cidade: Fortaleza (apoio Fundação Ford e CNPq) que trata, dentre outros eixos de análise, do monitoramento dos processos de planejamento em curso. A participação no Comitê das ZEIS também se justifica pela nossa atuação na Frente de Luta por Moradia, através da qual realizamos uma assessoria técnica aos movimentos populares e comunidades de Fortaleza, na qual a luta pelas ZEIS tem um papel central.
Sobre o trabalho no comitê: é importante registrar, a princípio, o pouco investimento feito pela Prefeitura neste processo, apesar da dedicação esforçada de alguns membros do Iplanfor e Habitafor. Enquanto para a revisão da LUOS e do Código de Obras e Posturas, bem como para a elaboração do Plano Fortaleza 2040, houve a contratação de dezenas de consultores, esta primeira etapa rumo à regulamentação das ZEIS contou apenas com quadros da própria prefeitura, também envolvidos em outras dinâmicas. A falta de investimento também foi notória ao não se promover a realização de nenhum diagnóstico atualizado da situação das ZEIS 1 e 3, demandadas pelos presentesintegrantes do Comitê. Não haveria também nem tempo para isso, nos respondia a coordenação do Comitê, que informara que o prefeito tinha bastante pressa na conclusão deste processo, para que tivéssemos algum resultado concreto antes do fim da sua gestão (dezembro de 2016).
A previsão inicial era que o trabalho do Comitê se encerrasse em dois ou três meses. Mas por pressão das entidades e comunidades componentes, diversos assuntos foram inseridos na sua pauta, considerados como essenciais para que se pudesse construir uma proposta minimamente consistente. Se demandou então que se conhecesse qual o orçamento disponível/previsto para atuação do município nas ZEIS; qual a ligação desta construção com os outros processos de planejamento em curso na cidade; o que poderíamos apreender das experiências de outras cidades; qual a situação atual dos terrenos vazios assegurados como ZEIS 3, etc. Quase a totalidade das demandas feitas pelos participantes foram atendidas e tais assuntos foram trazidos para discussão no Comitê.
O trabalho então desenvolveu-se por cerca de dez reuniões, em que a participação dos membros do poder público foi ficando cada vez mais escassa, tendo uma presença constante apenas do Iplanfor e Setra – e do Habitafor, menos um pouco, das comunidades ZEIS (presença frequente do Lagamar, Serviluz, Bom Jardim, Poço da Draga e Pici), e uma presença constante de segmentos da Universidade que, como o LEHAB, se dispuseram a assessorar as comunidades neste processo.
O relatório final deste processo foi construído após diversos debates no âmbito do Comitê e objetivou apresentar um relatório situacional das três tipologias estabelecidas no Plano Diretor (as 45 ZEIS 1 (ZEIS de Ocupação), as 56 ZEIS 2 (ZEIS de Conjuntos, Mutirões e Loteamentos irregulares) e as 34 ZEIS 3 (ZEIS de Vazio). Vale registrar que as ZEIS 2 pouco ou nada foram objeto de discussão e deliberação no Comitê.
Na cerimônia de entrega do relatório, em 26 de outubro de 2015, o prefeito garantiu celeridade na posse da Comissão de Proposição e Acompanhamento da Regulamentação das ZEIS, que terá seis meses – prorrogáveis por mais seis – para, dentre outras atribuições, elaborar a proposta de lei que finalmente regulamentará as Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza. Desde então, já se passou mais um mês e nenhuma outra movimentação ocorreu por parte da Prefeitura.
O LEHAB continua a acompanhar e pressionar para que se dê continuidade a este processo, já tão atrasado, pois acredita na importância das ZEIS para a garantia do direito à cidade de milhares de pessoas que vivem em comunidades urbanas de Fortaleza.
Por fim, registramos nossa preocupação no tocante à forma de inserção das Operações Urbanas Consorciadas ao fim deste processo. Tal assunto nunca fora objeto de discussão no Comitê, e, de uma reunião para outra, surge colocado pela prefeitura como uma estratégia de grande peso para a implementação das ZEIS em Fortaleza. Apresentamos questionamentos sobre a efetividade deste instrumento na redistribuição dos ônus e bônus do desenvolvimento urbano e nos opusemos totalmente contra a inserção deste no relatório final para o prefeito, como essencial para o andamento da efetivação das ZEIS na cidade. Mesmo assim, o tema foi mantido no relatório, inclusive com a anexação do posicionamento do LEHAB no texto. Reiteramos aqui que, dado o histórico de aplicação das OUCs no Brasil – e em Fortaleza não tem sido diferente – este não deve ser o instrumento de aplicação prioritária pela gestão municipal, muito menos atrelando-o de forma condicionada à implementação das ZEIS.
Última modificação em 10-12-2015 13:02:26