A Agência Pública de Jornalismo produziu a séria especial “Coleção Particular”, no qual investiga a privatização de espaços públicos nas cidades brasileiras. São diversos casos de praias fechadas por ricaços, ruas fechadas por empresas de segurança privada e prédios que construíram acima do gabarito permitido – tudo isso em conluio com políticos.
Por que a apropriação indébita de dinheiro público causa tanta indignação – vide o enorme apoio popular à Operação Lava Jato – e a apropriação de espaços públicos não?
Além de dez reportagens sobre o que se denomina “Corrupção Urbana”, a Agência Pública está fazendo um mapa colaborativo com casos de praias privatizadas, ruas fechadas ou prédios irregulares. Qualquer pessoa pode participar. Já são mais de 65 denúncias. Se conhecer alguma história, basta colocar no mapa!
O INCT Observatório das Metrópoles apoia a produção da Agência Pública, por acreditar que o jornalismo investigativo tem um papel relevante nas sociedades democráticas.
COLEÇÃO PARTICULAR
Se algum deputado propusesse uma lei permitindo a privatização ou concessão de praias, com certeza seria rechaçada pelos eleitores.
No entanto, sem nenhuma permissão legal, o público e o privado vêm se confundindo nas faixas de areia do litoral brasileiro, deixando apenas uns poucos usarem um território que pertence a todos. São mansões de luxos, resorts, clubes, entre outras estruturas que inibem a circulação e promovem segregação na areia. Assim o deslumbramento de alguns pode passar do limite do razoável ao limite da ilegalidade.
A lei federal 7.661, de 1988, estabelece, no seu artigo X, que no Brasil as praias “são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica”. Ou seja, pisar na areia no Brasil é fazer valer um direito.
Em países da Europa e nos Estados Unidos, praias privatizadas por grandes empreendimentos são permitidas por lei – diferentemente do Brasil.
A fim de animar as ocupações nas praias, a geógrafa Irene Chada Ribeiro, criada em Angra dos Reis, escreveu sua dissertação de mestrado usando como fio condutor o conceito do “comum”. Ela distingue o público, o privado e o comum. O que é privado pertence a agentes particulares. O “público” é ligado, no Brasil, à propriedade do Estado. Já a diferença entre o que é “público” e o que é “comum” é o acesso, segundo ela. Um hospital público, por exemplo, é obviamente público, mas não se pode circular nele sem obedecer a critérios associados à saúde.
“Essa dimensão não estatal das praias deveria impedir que elas fossem privatizadas e se tornassem, por exemplo, de uso exclusivo por condomínios ou hotéis”, diz a advogada Virgínia Totti, professora da PUC-RJ. Segundo ela, o “comum” é uma categoria difusa, que pertence a toda a coletividade, e “não exatamente ao Estado”. Assim, os governos deveriam agir como um gestor dos interesses da sociedade, resguardando o cumprimento da legislação. Não é bem assim.
“Muitos são os casos autorizados pelo próprio Estado, que se ausenta de seu dever fiscalizador, permitindo a privatização de praias”, diz. “Isso denota a proximidade do poder público com certos setores privados”.
Irene definiu, em seu mapeamento das praias de Angra dos Reis, diferentes tipos de “privatização”: acesso privatizado, ou seja, proibido ao público e franqueado a proprietários e hóspedes; acesso livre, mas com trilhas, ruas e escadas que não são confortáveis ao caminhar em quaisquer dias e horários; acesso controlado, com a entrada na praia franqueada sob condições, como seguranças em portarias e cancelas exigindo identificação do usuário ou estabelecendo horários à circulação e permanência; acesso de interesse estatal, como áreas militares; e, por fim, falta de acesso pela impossibilidade de se chegar por terra.
Nesta série especial, elaborada ao longo de cinco meses, nossa reportagem mergulhou nos diferentes aspectos da privatização das praias fluminenses. Viajamos até Angra dos Reis, Paraty, perscrutamos as areias da capital. Usando a nomenclatura criada pela geógrafa, elaboramos um mapa interativo pelo qual você, leitor, vai poder denunciar que uma praia foi privatizada.
Mas não adianta só denunciar. Ir à praia é um ato de preservação do direito. Que se juntem a nós aqueles que adoram pegar uma praia.
Acesse a reportagem completa no site da Agência Pública.