Neste artigo para a edição nº 27 da Revista eletrônica e-metropolis, o pesquisador Gabriel Tardelli busca tecer relações entre as ideias de Georg Simmel e Louis Wirth, a partir dos textos seminais “A metrópole e a vida mental” (1902) e de “O urbanismo como modo de vida” (1938). Tomando a cidade como “laboratório” sociológico, veremos que há muitas semelhanças entre as perspectivas destes autores. A releitura de suas análises, bem como a apreensão dos conceitos e teorias elaboradas, pode contribuir para a compreensão dos problemas e conflitos das cidades contemporâneas.
EDIÇÃO 27
A Revista eletrônica e-metropolis é uma publicação trimestral que tem como objetivo principal suscitar o debate e incentivar a divulgação de trabalhos, ensaios, resenhas, resultados parciais de pesquisas e propostas teórico-metodológicas relacionados à dinâmica da vida urbana contemporânea e áreas afins.
É direcionada a alunos de pós-graduação de forma a priorizar trabalhos que garantam o caráter multidisciplinar e que proporcionem um meio democrático e ágil de acesso ao conhecimento, estimulando a discussão sobre os múltiplos aspectos na vida nas grandes cidades.
Abstract
By reading and analyzing Metropolis and Mental Life and Urbanism as a way of life, the present study intends to relate Georg Simmel’s thoughts with Louis Wirth. Considering the city as sociological “laboratory”, it is possible to find many similarities between the perspectives of these authors. The reading of their analysis, as well as the apprehension of their concepts and elaborated theories, can contribute to the understanding of the problems and conflicts of contemporary cities.
INTRODUÇÃO
Por Gabriel Tardelli
Quando a Escola de Chicago foi fundada, em 1895, através de uma doação feita pelo empresário John D. Rockefeller, Georg Simmel (1858-1918) já havia adquirido, em 1881, seu título de doutor em Filosofia pela Universidade de Berlim, ao apresentar a tese A natureza da matéria segundo a monadologia física de Kant. Em 1902, enveredou pelos estudos sociológicos, publicando o texto que aqui será analisado: “A metrópole e a vida mental”.
Contextualmente, o mencionado ensaio surgiu entre as publicações de mais três textos sobre cidades: Roma. Uma análise estética (1898), Florença (1906) e Veneza (1907). Ao analisá-las em conjunto, percebe-se que Simmel faz uma distinção entre a metrópole e as cidades históricas, as quais estão em ruínas ou em vias de extinção. Assim, se Roma é uma relíquia, Veneza é uma cenografia e Florença é uma tragédia – o caráter trágico desta última deriva da luta permanente entre Natureza e Cultura.
Para Fortuna (2003, p. 103), diferentemente de “A metrópole e a vida mental”, “Simmel imprime aos textos sobre as cidades italianas uma lógica analítica diferenciada, de feição puramente estética e simbólica”. Contudo, acredito que as noções de arte e estética estão constantemente presentes no pensamento de Simmel, mesmo em suas reflexões sobre a metrópole. A cidade, portanto, é escolhida enquanto objeto estético. Seu olhar está voltado para a vida humana; por isso, tenta dar conta da variedade de configurações sociais da cidade. Como veremos, Simmel não substancializa a cidade, pois o que lhe interessa é a riqueza das interações que ali são estabelecidas.
Além da influência exercida por Max Weber (1864-1920), pelo pragmatismo norte-americano e pela psicologia experimental, as ideias de Simmel tiveram grande repercussão na Escola de Chicago, sobretudo após a publicação de seus ensaios na American Journal of Sociology.
Tal como Simmel, os membros da Escola de Chicago2 – pelo menos no que concerne às primeiras gerações – preocupavam-se com grupos sociais, já que suas pesquisas eram oriundas de um contexto marcado pela segmentação, pela imigração e pela pobreza (Becker, 1996, p. 177). Não por coincidência, Robert Ezra Park (1864-1944) estudou com Simmel em Heidelberg, o que certamente lhe deixou marcas indeléveis.
Ao ser convidado por William I. Thomas (1863-1947) para ingressar no quadro de docentes da Escola de Chicago, Park escreveu um ensaio sobre a cidade, “encarando-a como um laboratório para a investigação da vida social” (Becker, 1996, p. 180); e a cidade de Chicago seria o lugar ideal para tal pesquisa. Sua ideia pode ser resumida pelo que disse à época: “Hoje, o mundo inteiro ou vive na cidade ou está a caminho da cidade; então, se estudarmos as cidades, poderemos compreender o que se passa no mundo” (Park apud Becker, 1996, p. 180).
As sugestões de Park foram acatadas e desenvolvidas pelos seus alunos, a exemplo de Donaldo Pierson (1990-1995) – que estudou relações raciais no Brasil – e de Louis Wirth (1897-1952). De origem alemã, Wirth seguiu os passos do mestre e contribuiu para o estudo das sociedades urbanas e para a elaboração de uma teoria do urbanismo. Isso fica claro quando lemos “O urbanismo como modo de vida”, texto sobre o qual irei me debruçar mais atentamente.
Neste trabalho, pretendo, a partir da análise de “A metrópole e a vida mental” e de “O urbanismo como modo de vida”, relacionar o pensamento de Simmel e de Wirth, respectivamente. Tomando a cidade como “laboratório”, veremos que há muitas semelhanças entre as perspectivas destes autores. Na verdade, se se pensasse em termos de “linhagem” intelectual, Wirth descende não somente de Park, mas também de Simmel.
Leia o artigo completo “A Cidade como problema sociológico: diálogo com Georg Simmel e Louis Wirth” na edição nº 27 da Revista e-metropolis.
Leia também:
A pretexto de Simmel: cultura e subjetividade na metrópole contemporânea