Recessão, crise social e pós-eleições no Brasil. Que cenário pós-eleitoral é possível prever considerando o quadro de recessão econômica global e sua conexão com a nacional, o aprofundamento da crise social e a permanência do fascismo brasileiro e seus efeitos sobre a sociedade, o Estado e a política? Estes temas foram abordados pelo sociólogo, cientista político e presidente do Instituto Cultiva, Rudá Ricci, durante o Ciclo de Debates “Os desafios do desenvolvimento nacional e a cidade”, que ocorreu no dia 05 de agosto, transmitido no canal do Observatório das Metrópoles no Youtube. “Rudá alia a reflexão teórica e analítica com a prática política”, ressaltou o moderador da live, coordenador nacional do Observatório, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro.
O coordenador do Observatório iniciou explicando que o evento trata de discussões sobre o tema da reforma urbana e o direito à cidade, na perspectiva da reconstrução nacional e da transformação do país. “Este ciclo se insere numa iniciativa do Observatório de elaborar uma reflexão sobre os desafios para a retomada do projeto de reforma urbana e o direito à cidade no país, um projeto que está implicando na publicação de 17 livros, apresentando um diagnóstico dos avanços e recuos desse projeto nos últimos anos no país e, ao mesmo tempo, sugerindo caminhos para a retomada do projeto, na hipótese bastante plausível que possamos vir a ter uma transformação no cenário nacional nessas eleições”, afirmou Ribeiro.
Rudá Ricci é autor dos livros “Fascismo brasileiro: e o Brasil gerou o seu ovo da serpente” e “O fascismo de massa”, este escrito junto com Luís Carlos Petry. Na oportunidade, o sociólogo levantou uma questão geral, que foi a seguinte: com a eleição de outro governo, serão superadas as condições políticas que estão dadas hoje para o Brasil? “A resposta é não. Nós continuaremos com esse cenário político, porque não se romperá com um dos signos do momento atual, que é o clientelismo”, comentou Ricci.
Segundo o sociólogo, outro dado que deve permanecer no cenário atual é o peso da extrema direita. Hoje, segundo pesquisa Vox Populi e Data Folha, existem aproximadamente 25 milhões de brasileiros que destinam valores de extrema direita. “Portanto, são racistas, misóginos, pessoas que usam ou ameaçam o uso da força e da violência para coibir qualquer tipo de oposição, confundem a noção de líder carismático com a de Nação e Estado, são favoráveis à volta da ditadura militar, e assim por diante”, apontou Ricci. De acordo com ele, é uma minoria da população brasileira, algo em torno de 10 a 15%, porém, fanática. “E, do outro lado, temos uma maioria mais reflexiva e ponderada completamente desarticulada”, afirmou.
Cenário de recessão mundial
O sociólogo também entrou na questão do cenário de recessão mundial. “Devemos entrar em recessão no ano que vem, temos uma inflação recorde nos países do hemisfério norte, pois a taxa de inflação nos Estados Unidos já é a maior nos últimos 40 anos”, discorreu. Segundo ele, tudo isso gera taxa de juros crescentes, atividade econômica instável e mercados voláteis, principalmente tendo como motor dessa instabilidade a guerra na Ucrânia, o cenário de tensão entre Otan e Rússia e a incerteza do papel da China.
Pós-eleições
Para Ricci, se o atual candidato da oposição não ganhar no primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro sairá da eleição como a principal liderança de oposição. “E ele vai liderar a base dele. Se ele for para o segundo turno, a probabilidade de ter entre 30 e 40% dos votos válidos é alta. Isso significa que ele vai além da base de extrema direita de 25 milhões”, observou.
O sociólogo também mencionou sobre a fragmentação das organizações populares, incluindo os sindicatos, a partir do que o sociólogo alemão Claus Offe chamou de “estatalização”, que é quando um estado é tão poderoso que acaba se insinuando na vida privada e define a lógica social e política. “Quero dizer que os movimentos de educação no Brasil só falam para a bolha da educação, porque durante mais de uma década aprenderam que para conquistar algo tinham que falar com o Ministério da Educação, o da saúde com o Ministério da Saúde, e assim por diante”. Para Ricci, a tarefa é muito maior do que simplesmente bolar uma estratégia e falar: façam. “Não temos mais a hegemonia política que tínhamos na década de 80 e 90. A hegemonia cultural e política hoje, popular, é liberal conservadora e egocêntrica”, finalizou.