Suzana Pasternak*
Camila D’Ottaviano**
Com a divulgação dos primeiros resultados do Censo 2022, em 28 de junho de 2023, algumas questões se colocaram para a sociedade brasileira. A primeira delas diz respeito ao crescimento populacional, já que a população aumentou menos do que se esperava, inclusive com a identificação de municípios com perda de população no período intercensitário. Entre 2010 e 2022, a população brasileira cresceu 0,52% ao ano, a menor taxa desde o primeiro Censo realizado no país, em 1872. Assim o Brasil chegou em 2022 com 203 milhões de habitantes, menos que 7% a mais que os 190,8 milhões de 2010.
Na Região Metropolitana de São Paulo (Figura 1) ocorreu fenômeno equivalente. A projeção feita pela Fundação Seade para 2022 alcançava 21.483.245 moradores metropolitanos. Pelos dados do Censo 2022, no entanto, a população metropolitana era de 20.743.587 habitantes, portanto quase 740 mil pessoas a menos, ou 3,44% menor que o previsto (Tabela 1). O crescimento total da população metropolitana se deu a uma taxa de 0,44 % anuais, a menor taxa já registrada, com aumento de pouco mais de 1 milhão de pessoas em 12 anos. As taxas de crescimento diminuíram em todas as unidades regionais[1] da RMSP, fenômeno verificado desde o Censo de 1970, com exceções pontuais conforme indicado na Tabela 2. No último período, a única exceção foi na sub-região Oeste, onde a taxa subiu de 1,01% aa, em 2010, para 1,18% aa, em 2022.
Como acontece desde 1950, as taxas de crescimento são maiores nos outros municípios que no município polo. Mas, em 2022, a razão de crescimento entre as taxas da periferia (outros municípios) e do polo atingiu seu máximo: 5,4. Até então, a maior proporção havia acontecido foi no período 1991-2000, quando o crescimento populacional nos demais municípios metropolitanos foi 3,2 vezes maior que no polo. Percebe-se que o município de São Paulo cresceu pouco nas últimas décadas. Teve um incremento de apenas 206.876 habitantes entre 2010 e 2022, um aumento total de apenas 1,8% em 12 anos. Na sub-região Oeste o aumento foi de quase 260 mil pessoas, um aumento de pouco mais de 15%, sobretudo concentrado nos municípios de Osasco e Barueri.
A que se deve este menor crescimento metropolitano em São Paulo? Algumas hipóteses se colocam, entre elas as mortes causadas pela pandemia de Covid-19, as mortes causadas pela epidemia de zika alguns anos antes, a saída de jovens da metrópole pelo enfraquecimento da economia, a queda da natalidade e da fecundidade maior do que as esperadas, a expansão do home office, que estimulou a busca de moradias em local mais tranquilos, menos densos e mais baratos. Pela Tabela 2, observa-se que as maiores taxas de crescimento se dão em regiões menos densas, como as sub-regiões Oeste e Norte. Municípios onde a terra é mais barata, como Cajamar, no Norte, onde houve grande volume de lançamentos de unidades Programa Minha Casa, Minha Vida, mostram taxas elevadas (3,12% aa entre 2010-2022); e Cotia, a Sudoeste, com taxa de 2,60% anuais. Chama a atenção a taxa de crescimento de Santana de Parnaíba entre 2010 e 2022, de 2,94% anual. Mas esta taxa corresponde a um aumento populacional de apenas 8.387 pessoas. Santana de Parnaíba é um município pequeno, com taxas elevadas desde o período 1991-2000, quando crescia a quase 8% ao ano. Na década 2000-2010 atingiu a taxa de 3,82% aa.
Em relação à redistribuição da população no espaço, o novo Censo mostrou crescimento menor e até redução do número de habitantes em alguns municípios mais populosos. Causou certo impacto a diminuição da população em municípios como Salvador (9,6% no período), Recife (3,2), Porto Alegre (5,4%), Belém (6,5%) e Natal (6,5%). Algumas metrópoles apresentam taxas de crescimento negativas, levadas sobretudo pela diminuição do polo: as Regiões Metropolitanas de Belém (-0,29% aa), Porto Alegre (-0,05% aa), Rio de Janeiro (-0,13% aa) e Salvador (-0,40% aa). Entre as 15 metrópoles brasileiras, 7 tem taxa positiva. Mas apenas Brasília (1,16% aa), Florianópolis (2,47% aa), Goiânia (1,49% aa) e Manaus (1,14% aa) apresentaram taxas que podem ser consideradas elevadas. Como já foi colocado, a metrópole paulistana cresceu a uma taxa de 0,44% ao ano, menos da metade do que no período intercensitário anterior (0,95%).
Na Região Metropolitana de São Paulo, percebe-se que desde a década de 1970-80 as taxas geométricas anuais de crescimento do município polo vem decrescendo, sendo que no último período a intensidade dessa queda foi muito mais intensa (cinco vezes menor). Da mesma forma, as taxas dos municípios considerados extensão[2] do polo caíram de 6,26% ao ano entre 1970-1980 para 0,55% anuais no período 2010-2022. Já os municípios considerados de nível de integração muito alto e alto ao polo central têm apresentado taxas mais altas de crescimento desde os anos 1970. O crescimento se afasta dos centros mais densos e se espraia nos municípios mais periféricos e, até então, menos integrados. Observando-se as duas maiores taxas de crescimentos por período (Tabela 3), as taxas mais altas, embora cada vez mais reduzidas, acontecem nos chamados municípios com alta e muito alta integração, com exceção do período 2010-2022, quando o único município com baixa integração (São Lourenço da Serra) teve a segunda taxa mais alta (1,13%). A densidade demográfica da metrópole como um todo ainda é bastante baixa, de 26hab/ha. Alguns municípios, entretanto, já apresentam densidades levadas, como Taboão da Serra, com 137,17 hab/ha, Diadema, com 127,96 hab/ha, Pirapora do Bom Jesus, com 114,46 hab/ha, Carapicuíba, com 112,06 hab/ha e São Caetano, com 108,05 hab/ha. O município de São Paulo tem, em 2022, a densidade bruta de 75,28 hab/ha.
Por outro lado, o Censo 2022 mostrou que o número de domicílios cresceu a taxas muito maiores que a população. A quantidade de domicílios particulares permanentes aumentou de 57.324.167 em 2010 para 72.446.745 em 2022, a uma taxa de 2,81% anual, bem maior que a taxa de incremento populacional brasileira, de 0,52% ao ano. Para a metrópole de São Paulo, a taxa de crescimento domiciliar foi de 1,93% anuais, ou seja, 4,39 vezes maior que o crescimento populacional (Tabela 4). No estado de São Paulo a taxa de crescimento populacional foi de 0,65% e a domiciliar, de 1,98, 3,41 vezes maior. Na década 2000-2010 este fenômeno já se dava, mas com menor intensidade: para a metrópole como um todo a taxa de crescimento domiciliar (1,93%) foi 2 vezes maior que a populacional (0,96%) nos anos 2000. Como consequência, houve uma importante redução da média de moradores por domicílio, que passou de 3,58% aa em 2000 para 2,73 % aa em 2022 (Tabela 5).
Em relação ao Brasil como um todo, o Censo mostrou que a quantidade de domicílios particulares vagos é de 11,4 milhões, ou seja, 12,59% do total de domicílios particulares permanentes. Pela metodologia do IBGE, não estão incluídos nesta conta os domicílios de uso ocasional, tanto diretamente com o proprietário ou por locadora ou aplicativo. São os domicílios particulares permanentes à venda, para aluguel ou que a vizinhança indique como vazio na data do censo (IBGE, Manual do Recenseador, p. 67 e 79).
Não é detalhada na estatística apresentada pelo IBGE a proporção dos imóveis para alugar, venda ou simplesmente vazios. Não se sabe também o estado destes imóveis vazios, se estarão aptos para moradia sem qualquer reforma. Também não se sabe a localização desses imóveis, se em área rural, de risco ou em locais adequados à moradia. De qualquer forma, os números mostram que seguramente parte do déficit habitacional poderia ser enfrentado sem novas construções. Na metrópole paulistana, 11,82% dos domicílios particulares permanentes estão vagos, num total de 975.142 unidades, enquanto o déficit calculado pela Fundação João Pinheiro em 2019 era de 570.803 unidades. Em todas as sub regiões da RMSP o percentual de moradias vagas é grande, variando de 8,99% no polo a 12,12% na sub-região oeste. Entre os 39 municípios metropolitanos, 27 apresentam mais de 10% de domicílios vagos. Em 2000, havia a indicação de 490.680 domicílios vagos, 7,31% do estoque de domicílios particulares permanentes e apenas 5 municípios apresentavam mais de 10% de domicílios vagos. As causas para este aumento de moradias vagas devem ser investigadas com atenção. A hipótese explicativa liga-se à queda de renda, acentuada durante a pandemia, que resultaram em devolução de casas alugadas, além da estagnação econômica do período e da queda do investimento em política habitacional.
Importante notar que a taxa de crescimento do número de domicílios se manteve estável para a RMSP durante as duas décadas (1,93% para os dois períodos intercensitários). Para o Brasil (2,50% e 1,97%) e o estado de São Paulo (2,16% e 1,98%) o incremento do número de domicílios também se manteve estável, apesar da diminuição do crescimento populacional. No entanto, para alguns municípios, os dados censitários apontam para dinâmicas distintas. Salesópolis teve uma taxa negativa de 2,78% para o período 2000-2010 e a maior taxa de crescimento de domicílios na RMSP para o período seguinte: 5,11% ao ano. Ainda que em números absolutos (menos 969 domicílios e mais 2.428 domicílios) a variação seja pequena, a inversão de tendência exige atenção no entendimento e análise dos resultados. Cajamar, Guararema, Santana de Parnaíba e Cotia tiveram um incremento no número de domicílios superior a 4% ao ano, num incremento total de 75 mil domicílios. Já a cidade de São Paulo apresentou uma das menores taxas, 1,60% aa, o que representou um incremento de 746 mil novos domicílios particulares permanentes. Um primeiro olhar para os dados já disponibilizados mostra tendências e impactos muito distintos nas várias regiões da metrópole paulistana, que ainda carecem de melhor detalhamento e análise.
A divulgação de dados mais detalhados do Censo 2022 permitirá verificar a mudança do perfil etário, as especificidades da migração e da fecundidade, o perfil das moradias e da infraestrutura, além de outras variáveis. São informações primordiais para o redesenho das políticas de saúde, educação, previdência, mercado de trabalho e habitação. Não dá para retomar o desenvolvimento sem o conhecimento da realidade.
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* Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e pesquisadora do Núcleo São Paulo do Observatório das Metrópoles.
** Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e pesquisadora do Núcleo São Paulo do Observatório das Metrópoles.
[1] Divisão conforme mapa político da região metropolitana e suas sub-regiões (lei complementar estadual 1.139, de 16 de junho de 2011): Polo: São Paulo; Sub região Norte: Caieiras, Cajamar, Francisco Morato, Franco da Rocha e Mairiporã; Sub- região Leste: Arujá, Biritiba Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Santa Isabel e Suzano; Sub região Sudeste: Diadema, Mauá, Ribeirão pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, Sub-região Sudoeste: Cotia, Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra Juquitiba, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista: Sub região Oeste: Barueri, Carapicuíba, Itapevi, Jandira, Osasco, Pirapora do Bom Jesus e Santana de Parnaíba
[2] Sobre os níveis de integração, ver Relatório de Pesquisa “NÍVEIS DE INTEGRAÇÃO DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS EM RMs, RIDEs e AUs À DINÂMICA DA METROPOLIZAÇÃO”, Observatório das Metrópoles, 2012. Disponível em: https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/wp-content/uploads/2020/01/N%C3%8DVEIS-DE-INTEGRA%C3%87%C3%83O-DOS-MUNIC%C3%8DPIOS-BRASILEIROS-EM-RMs-RIDEs-e-AUs-%C3%80-DIN%C3%82MICA-DA-METROPOLIZA%C3%87%C3%83O.pdf