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Maria Angela de A. Souza¹
Wilson Fusco²
Maria Rejane S. Britto Lyra³

O Censo 2022, em seus primeiros resultados, registra 3.726.974 pessoas residentes na Região Metropolitana do Recife, com aumento de pouco menos de 1% em relação ao Censo anterior de 2010. As informações disponibilizadas, que permitem compreender os padrões de crescimento e distribuição da população e dos domicílios no território metropolitano, constituem a base da análise aqui apresentada.

A RM Recife compõe-se de 14 municípios, que se distribuem na direção norte-sul, com 8 de seus municípios dispostos ao longo da costa litorânea do Nordeste brasileiro. Entre esses, o município polo – o Recife, ocupa geograficamente a posição central, mantendo forte integração com seus municípios limítrofes, devido à contiguidade entre as manchas urbanas principais e aos movimentos pendulares para trabalho ou estudo. Assim, a metrópole do Recife se configura como um “arranjo populacional” (AP), conforme o IBGE (2016, p.22), a qual, pelo seu porte populacional, vem se mantendo, nos três últimos Censos, na quinta posição entre as 14 metrópoles brasileiras que se constituem um AP, superada por metrópoles da região sudeste e sul do país – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre.

A Região Nordeste, na qual a metrópole do Recife se destaca, registra 54,6 milhões de pessoas e, segundo Fusco e Ojima (2023), ocupa a segunda posição no ranking nacional, apesar de sua diminuição de participação, uma vez que sua taxa de crescimento foi a menor do país (0,24% ao ano) neste último Censo. Esses autores apontam ainda que “Historicamente, essa região enfrenta desafios econômicos e sociais, e a inércia dos movimentos emigratórios que leva nordestinos para outras regiões há décadas, associada à falta de oportunidades de emprego, pode estar na explicação desse baixo crescimento” (FUSCO; OJIMA, 2023, p.2).

Foto: Bruno Lima (MTUR).

A hipótese da relação entre o baixo crescimento populacional e o saldo migratório negativo só poderá ser confirmado a partir da divulgação dos microdados do Censo 2022. Contudo, os autores se baseiam no fato de que o Nordeste apresenta “a segunda maior taxa de fecundidade do Brasil e a terceira menor taxa de mortalidade”, o que leva a supor que o “maior número de saídas do que de entradas de pessoas na região no período intercensitário pode ter grande peso na explicação do baixo nível de crescimento observado” (Ibidem, p. 2).

Inserida nessa dinâmca regional, a RM Recife também registra uma movimentação migratória significativa, já observada por Lyra e Vasconcelos (2015), em estudo realizado no êmbito do Observatório PE/Núcleo Recife do Observatório das Metrópoles. Contudo, a partir dos dados até aqui divulgados do Censo 2022, somente é possível a formulação de hipóteses sobre a contribuição desse movimento na dinâmica de crescimento demográfico dos municípios da região.

Entre as constatações possíveis, encontra-se a continuidade de queda na taxa geométrica de crescimento populacional da RM Recife. Complementando a trajetória apresentada por Lyra e Vasconcelos (2015), destaca-se o declínio da taxa média geométrica de crescimento anual da população da RM Recife, enquanto síntese dos processos referentes ao crescimento vegetativo e aos movimentos migratórios, a qual passou, nos três últimos períodos censitários, de 1,5% a.a. (1991-2000) para 1,01% a.a (2000-2010), e .0,08 (2010-2022), sempre inferior à média brasileira no mesmo período [1,6% a.a. (1991-2000). 1,2% a.a. (2000-2010) e 0,52 a.a. (2010-2022)], e somente superior à média da região Nordeste no intervalo censitário de 1991-2000 (1,31 % a.a.), mantendo-se inferior nos demais intervalos [1,07 % a.a. (2000-2010) e 0,24 a.a. (2010-2022)] o que demonstra a perda relativa de dinamismo da RM Recife no contexto da região.

A distribuição espacial da população dos municípios em relação ao total da RM Recife, em 2022, revela dinâmicas demográficas e condições específicas de apropriação do espaço por parte da população residente nos diversos municípios que compões a região. O núcleo metropolitano litorâneo, formado pelos municípios do Recife em conjunto com Olinda e Jaboatão dos Guararapes, concentra dois terços da população metropolitana e, não somente confirma a tendência de queda na população residente já identificada em Censos anteriores, mas, pela primeira vez, apresenta crescimento negativo – Recife (-0,27% a.a.), Olinda (-0,64% a.a.) e Jaboatão dos Guararapes (-0,01% a.a.).

Esses três municípios se inserem, assim, entre os 43% dos municípios brasileiros que, segundo Fusco e Ojima (2023), apresentaram crescimento negativo. Para esses autores, os Censos Demográficos anteriores já apontavam que as sedes das metrópoles cresciam a um ritmo menor do que os municípios do seu entorno. “O que o Censo 2022 revela e pode ter causado uma surpresa é que atingimos um ponto onde algumas sedes metropolitanas passaram a perder população” (Ibidem, 2023, p. 4).

A perda de posição relativa do polo metropolitano em relação à região, alia-se a uma série de fatores, entre os quais se destaca a dinâmica econômica de outros municípios, que compreendem, não somente aqueles que lhe são vizinhos no núcleo metropolitano, mas também os que apontam para uma nova polarização na metrópole, a exemplo dos municípios que se localizam nos extremos norte e sul da RM Recife, que apresentam as maiores taxas de crescimento populacional, no último período intercensitário – Ipojuca, ao sul (1,72% a.a.) e Itapissuma, ao norte (1,30% a.a.) (Tabela 1).

Mudanças na dinâmica econômica metropolitana, que se instalam a partir de meados da década de 2000, impulsionam a formação de novas centralidades na RM Recife, com seus reflexos já nos dados censitários de 2010. Dois processos se instalam em paralelo, favorecendo o crescimento dos municípios periféricos da região.

De um lado, o governo de Pernambuco, com o apoio do governo federal, adota uma série de medidas para impulsionar o setor industrial local, na perspectiva de atrair investimentos externos por meio de grandes projetos estruturadores, nos três eixos de expansão metropolitana, configurando novos polos de desenvolvimento. Foram então implantados, ao sul, o Complexo Industrial Portuário de Suape (CIPS), nos municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho; ao norte, os polos automotivo, farmacoquímico e vidreiro, em territórios limítrofes da RM Recife, e, já em meados da década de 2010, o polo cervejeiro em Itapissuma e Igarassu; e, a oeste, a Arena Pernambuco – primeira etapa da Cidade da Copa, em São Lourenço da Mata.

Em paralelo, grandes empreendimentos imobiliário-turísticos são implantados na orla dos municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, os quais impulsionam economicamente as praias do entorno, atraindo população em busca de oportunidades de trabalho e renda. Voltados, inicialmente, para uma demanda estrangeira de 2ª residência, esses empreendimentos foram redirecionados para o mercado consumidor interno, após a crise internacional de 2008, quando o setor imobiliário passa a buscar novos espaços de atuação no entorno dos empreendimentos industriais e estruturadores implantados, reforçando a dinamização nos eixos de expansão metropolitanos.

Esses processos explicam o crescimento populacional dos municípios diretamente envolvidos, destacando seu crescimento, em especial no período intercensitário 2000-2010, devido à contribuição migratória, a qual se reduz na última década, com reflexo na queda das taxas de crescimento populacional entre 2010-2022: Ipojuca (de 3,12% a.a. para 1,72% a.a.) e Cabo de Santo Agostinho (de 1,92% a.a. para 0,79% a.a.), ao sul; Itapissuma (de 1,68% a.a. para 1,30% a.a.) e Igarassu (de 2,17% a.a. para 1,02% a.a.). ao norte; e São Lourenco da Mata (de 1,30% a.a. para 0,65% a.a.), a oeste.

Como consequência, o Recife, enquanto polo metropolitano, passa a perder não somente dinamismo populacional, mas, também, segundo Rosa e Oliveira (2015), posição relativa na participação no PIB da metrópole, devido, principalmente, ao setor industrial, o que contribui para reafirmar o seu perfil terciário.

O crescimento dos domicílios supera o da população residente e confirma a tendência de crescimento nos polos de desenvolvimento da metrópole do Recife

A tendência de crescimento populacional no território metropolitano é acompanhada, em termos gerais, pelo crescimento de domicílios, com algumas peculiaridades. Como se pode visualizar, na comparação entre o crescimento populacional e o de domicílios (Figuras 1 e 2), todos os municípios da RM Recife apresentam crescimento do número de domicílios particulares permanentes, mesmo aqueles do núcleo metropolitano litorâneo que perdem população. Isto reflete uma produção imobiliária na região, acima da demanda da população residente. A elevada taxa de crescimento de domicílios não ocupados na maioria dos municípios da região, constitui-se um indicador desse processo.

O percentual de domicílios não ocupados na região, atinge, em média, 20%, predominando os domicílios vagos, à exceção dos municípios litorâneos de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, ao sul, e da Ilha de Itamaracá, ao norte, onde os domicílios não ocupados de uso ocasional para veraneio são mais representativos. Esse processo leva a uma queda significativa de população residente por domicílio, que cai de 2,96 para 2,23 entre os Censos de 2010 e 2022 (Tabela 2).

O que a estrutura da população sugere como hipóteses a serem confirmadas nos microdados do Censo 2022?

Os dados disponíveis do Censo 2022 não permitem uma análise do comportamento dos diversos componentes da dinâmica demográfica – o declínio da fecundidade, que se constitui o fator mais determinante da queda na taxa de crescimento populacional; o aumento do ritmo de envelhecimento, e a contribuição migratória, que se situa predominantemente entre as faixas de 25 a 49 anos. Contudo, possibilitam a análise da estrutura da população por faixas etárias, comparativamente aos dois períodos censitários mais recentes, representada por pirâmides etárias, as quais podem sugerir algumas hipóteses a serem comprovadas com os microdados do Censo 2022.

Os gráficos 1 a 4 apresentam as pirâmides etárias da RM Recife e de três de seus municípios – o Recife, polo metropolitano, que representa a população mais envelhecida e em processo de declínio; e dois municípios localizados no extremo sul e norte da região, que apresentam as maiores taxas de crescimento populacional: Ipojuca (1,72%a.a.) e Itapissuma (1,30%a.a.), respectivamente.

Observa-se, em todas as pirâmides apresentadas, uma significativa transformação na estrutura etária, em um curto lapso de tempo (2010-2022), com o estreitamento da base e o alargamento dos grupos etários a partir da idade adulta, variando em função do município, expressando um progressivo processo de envelhecimento da população. Nesse contexto, o Recife se destaca com a população mais envelhecida e Ipojuca com a população mais jovem da região.

A significativa participação relativa da população do Recife (40%) na população metropolitana, contribui para a semelhança da estrutura etária de ambas. Já as pirâmides dos municípios de Ipojuca e Itapissuma se distinguem, sugerindo uma contribuição migratória a ser confirmada. Em Ipojuca, destacam-se as faixas etárias entre 35 e 49 anos, em ambos os sexos, o que leva a supor que são famílias remanescentes do intenso movimento migratório registrado na década anterior. Já Itapissuma, revela de modo mais claro, a participação de migrantes homens, nas faixas etárias de 25 a 44 anos, provavelmente atraídos pelas oportunidades de trabalho no polo de bebidas do município, instalado em meados dos anos de 2010 e em processo de ampliação.

Essas reflexões iniciais ampliam a expectativa da divulgação dos dados completos do Censo de 2022. Uma análise aprofundada dos componentes do crescimento vegetativo da população metropolitana – fecundidade e mortalidade – somados aos impactos da migração, propiciarão uma melhor compreensão da dinâmica populacional da metrópole do Recife, na sua distribuição espacial e na sua estrutura etária, caracterizada pelo paulatino envelhecimento.


¹ Arquiteta Urbanista. Professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco e coordenadora do Observatório PE/Núcleo Recife do Observatório das Metrópoles.

² Demógrafo. Diretor e pesquisador da Diretoria de Pesquisas Sociais da Fundação Joaquim Nabuco.

³ Demógrafa. Pesquisadora do Observatório PE/Núcleo Recife do Observatório das Metrópoles.

REFERÊNCIAS

FUSCO, W.; OJIMA, R. Censo Demográfico 2022. Reflexões iniciais sobre a região Nordeste. Nota Técnica FUNDAJ-DIPES 02-2023

LYRA, M.R.S.B; VACONCELOS, V.M. A metrópole do Recife na dinâmica demográfica brasileira. In Recife: transformações na ordem urbana / organização Maria Ângela de Almeida Souza, Jan Biton; coordenação Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015, p. 70-108

SILVA, H.; MONT-MOR, R. Transições demográficas, transição urbana, urbanização extensiva: um ensaio sobre diálogos possíveis. In Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP): (17:2010. Águas de Lindoia, S) Anais … [recurso eletrônico] XVIII. Modo de acesso: www.abep.nepo.unicamp.br/xviii/anais. 16 p.

ROSA, Jurema R.A.M.; OLIVEIRA, Fábio, L.P. Tendências de reestruturação territorial na Região Metropolitana do Recife: Economia e mercado de trabalho In Recife: transformações na ordem urbana / organização Maria Ângela de Almeida Souza, Jan Biton; coordenação Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015, p. 109-145.