O Fórum Estadual de Reforma Urbana (FERU-RS) encaminhou à Gerência de Negócio e Copa, da Caixa Econômica Federal, regional Porto Alegre, uma carta sobre os Planos de Reassentamentos em curso para as obras da Copa do Mundo na capital gaúcha. No documento, o Fórum denúncia o não cumprimento do Plano Local de Habitação de Interesse Social, a ausência de um projeto de reassentamento por parte do Município de Porto Alegre e o desrespeito aos moradores que serão afetados pelas obras.
Leia, abaixo, a carta na íntegra ou acesse o site do FERU-RS aqui.
Carta à CEF sobre Planos de Reassentamentos das obras para a Copa
Porto Alegre-RS, 08 de agosto de 2011.
Ilmo Sr.
Gerente de Negócios e Copa da Caixa Econômica Federal
Agência Porto Alegre
Rua dos Andradas, 1.000
Porto Alegre-RS
Prezado Senhor,
O Fórum Estadual de Reforma Urbana-RS vem por meio desta carta manifestar sua preocupação em relação aos projetos de reassentamentos das comunidades atingidas pelas obras da Copa do Mundo FIFA 2014.
Em notícia divulgada no site do Município de Porto Alegre 1, este apresentou junto à CEF, no dia 10 de Junho de 2011, o cronograma de entrega dos Projetos Básicos das obras. Destas obras, 3 necessitam diretamente de Plano de Reassentamento. São elas:
a) Duplicação Av. Tronco – Data da Entrega na CEF: 29/07/2011
b) Padre Cacique e Edvaldo Pereira (Beira Rio): Data da Entrega na CEF: setembro/2011
c) Av. Severo Dullius – Data da Entrega na CEF: novembro/2011
A preocupação deste Fórum deve-se à não construção de projetos de reassentamento por parte do Município de Porto Alegre junto aos moradores afetados pelas obras de mobilidade previstas para a Copa de 2014 nesta cidade. Tais projetos são condição necessária para a implantação das obras e é lamentável que o poder público local venha a incluir propostas não discutidas com a população na documentação a ser apresenta à Caixa Econômica Federal para dar concretude aos financiamentos já aprovados. Não é possível aceitar que, a partir de reuniões em que o governo municipal apenas indicou possibilidades e em nenhum momento entregou documentos formais com propostas por escrito, se possa forçar a extração de atas decisórias sem o devido conhecimento de todos os moradores atingidos pelas obras.
Considerando que o Município há mais de um ano vem protelando a elaboração efetiva dos Planos de Reassentamento, num contexto em que os cadastros na área de intervenção da Av. Tronco, por exemplo, já estão acontecendo, corremos o sério risco de que se gere uma situação de calamidade social induzida pelo governo municipal, pois na ausência de propostas concretas, fica a dúvida quanto aos resultados do projeto e se estes garantirão os direitos conquistados por lei aos moradores. O fato de que representantes comunitários integrem o GT da Copa não significa um cheque em branco para que o Município estabeleça por conta própria um plano de reassentamento sem a necessidade de concordância explícita de representantes e comunidades. O GT da Copa, através de seus participantes, não deu a conhecer aos moradores das áreas atingidas sequer uma nota técnica de encaminhamento de solução habitacional para a questão, quanto mais um plano de reassentamento. Em nenhum momento propostas concretas foram levadas à votação no âmbito das comunidades afetadas.
Esta situação denota um descompasso entre os projetos viários e os projetos sociais, uma vez que os projetos técnicos de engenharia para as obras viárias já se encontram em estágio adiantado, enquanto as soluções para as milhares de pessoas atingidas pelo risco de remoção não dispõem sequer de um documento com propostas concretas oficialmente publicado.
Em inúmeras ocasiões a comunidade e outras organizações se manifestaram na tentativa de buscar respostas junto ao poder público, sobretudo sobre as alternativas aos impactos sociais das obras de duplicação da Av. Moab Caldas (Tronco). Em resposta, obtiveram apenas um conjunto contraditório de promessas apresentadas sem espaço e condições para uma discussão séria e efetiva com as comunidades. Até agora ninguém tem certeza de para onde poderá ir, nem em que condições e muito menos se efetivamente todas as famílias e situações estariam contempladas.
Em novembro de 2010, este Fórum lançou um manifesto2, o qual estamos anexando a esta carta, apontando para os sérios problemas que serão enfrentados pela cidade como um todo em função da política adotada para a definição de Áreas de Interesse Social (AEIS), tanto para o Programa Minha Casa Minha Vida e como para os atingidos pelas obras da Copa. Através do manifesto, o Fórum propôs alternativas ao Projeto de Lei no 854/10 que altera as regras na definição das AEIS.
Somando-se a estas propostas, a própria comunidade se manifestou em inúmeras ocasiões tentando se fazer ouvir.
– Em 14 de fevereiro de 2011, a Comissão de Habitação da Grande Cruzeiro entregou carta apresentando as reivindicações dos moradores ao Prefeito José Fortunati. Além de sugestões específicas, a carta deixa transparecer a necessidade de participação no processo:
“(…)entendemos que é necessário estreitar ainda mais a relação da Comunidade junto ao Executivo Municipal, seja por meio da presença sistemática de seus técnicos ou com ferramentas de comunicação capazes de garantir informações concretas sobre todos os processos e andamentos deste grandioso projeto.”3 (Blog da Associação de Moradores Vila Tronco Postão).
A própria necessidade da elaboração desta carta já é um indício de que as discussões para elaborar o Plano de Reassentamento não estavam acontecendo.
– Em março de 2011 o Ministério Público Federal instaurou inquérito público e determinou a realização de Audiência Pública, ocorrida no dia 25 de março, para identificar as demandas das comunidades afetadas pelas obras.4
Estas e outras ações formais (tais como o protocolo de correspondência na SECOPA e outras secretarias municipais), promovidas pelas comunidades com o intuito de obter respostas, não foram suficientes. Nas poucas vezes em que o poder público municipal se fez presente para discutir com a comunidade, o motivo foi mais por alguma necessidade urgente do próprio Município do que pelo respeito efetivo ao direito à moradia das comunidades. Veja-se, por exemplo, a afirmação do Sr. Prefeito José Fortunati, em 29 de junho de 20115, de que em função do calendário de entrega de projetos junto à CEF, teria pressa em que os moradores na área da Tronco aceitassem logo o início do cadastro socioeconômico das famílias, que atualmente fornecem os seus dados no escuro, sem saber onde estarão em 2014.
Nesta mesma reunião onde mais uma vez pedia um voto de confiança aos moradores, o prefeito reconheceu que não tem as respostas para a comunidade, como documentado em vídeo disponível no You Tube e no Blog do Comitê Popular da Copa 2014 Porto Alegre6 .
Este tipo de tratamento dado aos moradores revela que não só estão expostos a uma situação de expropriação territorial, como também estão excluídos das discussões e decisões pertinentes ao caso, o que configura flagrante violação de direitos conquistados e firmados através da Constituição de 1988, do Estatuto das Cidades (Lei No 10.257 – 2001), do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) e da MP 2.110/2001, PDDUA .
O Fórum ressalta que qualquer ação governamental que fragilize os direitos humanos, sobretudo no que se refere ao direito à moradia, deve ser repudiada. A presente situação de insegurança e a vulnerabilidade em que se encontram os moradores de áreas atingidas pelas obras da Copa em Porto Alegre constitui abuso de poder e deve ser repudiada pela sociedade e pelas instituições encarregadas de assegurar a legalidade dos atos dos poderes públicos, bem como a garantia de direitos constitucionais, como é o caso do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público, federal e estadual.
O histórico de auditorias e ações na justiça observado em obras como a do Reassentamento da Vila Dique no Loteamento Bernardino da Silveira dá razões suficientes para que este Fórum se manifeste e alerte aos agentes envolvidos para as consequências que podem advir do tratamento desastroso que vem sendo dado à habitação de interesse social em Porto Alegre.
Cabe lembrar à CEF as inúmeras infrações ocorridas no Projeto Básico do reassentamento da Vila Dique, que justificaram a Auditoria Pública7 realizada pela 3º Secretaria de Fiscalização de Obras – 3º SECOB no início de 2010: problemas licitatórios, não cumprimento dos condicionantes ambientais, execução de serviços com baixa qualidade e até a entrega de unidades habitacionais de péssima qualidade, com falta de infraestrutura e outros requisitos básicos que pudessem garantir a renda e o sustento das famílias. Todas as consequências recaem sobre a sociedade, principalmente sobre os moradores envolvidos.
Segundo relatório da Auditoria Pública citada acima, o DEMHAB se valeu da aquisição de projeto de particulares para atender o prazo exíguo exigido “O DEMHAB afirma (…) que parte dos projetos foi adquirida de particulares e que estes projetos previam originalmente o uso industrial para outro loteamento, os quais foram aproveitados e adaptados…” (pg. 2). Atitude esta avaliada pelos relatores como “…trabalhar com prazo exíguo para elaboração de projetos, como afirma o DEMHAB, apenas denota falta de planejamento da própria organização.” (pg.3).
Ações improvisadas adotadas pelo Município de Porto Alegre estão prestes a se repetirem. O Fórum Estadual de Reforma Urbana – Rio Grande do Sul repudia esta situação, pois mais uma vez se colocará em situação de vulnerabilidade milhares de pessoas que, em termos concretos, para além da repetição discursiva de promessas sem assinatura, estão excluídas do processo de discussão de seu próprio destino.
Cabe lembrar que o Município de Porto Alegre elaborou recentemente o seu Plano Local de Habitação de Interesse Social, condição inclusive para acessar recursos no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida. O Plano apresenta conteúdo que garante os direitos dos cidadãos em relação à moradia, inclusive o direito à participação na elaboração do próprio documento. Ora, por que é que este Plano não é cumprido na prática? Por que é que até agora não está disponível ao público em sua integralidade, se é anexado a pedidos de financiamentos? A exclusão social que se verifica atualmente na construção dos Planos de Reassentamento viola os princípios de participação e desconsidera as lutas históricas dos movimentos sociais.
Diante deste quadro, este FÓRUM vem até esta instituição manifestar sua extrema preocupação em relação ao que poderão conter os Planos de Reassentamentos para os atingidos pelas obras da Copa 2014 em Porto Alegre. Os moradores não sabem o seu conteúdo, as organizações da sociedade civil também não. A CEF saberá, mas não pode ser responsável por aprovar propostas desconhecidas daqueles que serão objeto delas. Portanto, este Fórum solicita que a Caixa Econômica Federal torne público o Projeto de Reassentamento, principalmente para que as organizações, sociedade e moradores atingidos possam discutir seu conteúdo.
Assinam esta carta as organizações que atuam no Fórum Estadual de Reforma Urbana – FERU/RS
ACESSO – Cidadania e Direitos Humanos
AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros
AMOVITA – Associação de Moradores da Vila São Judas Tadeu
CAMP – Centro de Assessoria Multiprofissional
CIDADE – Centro de Assessoria e Estudos Urbanos
CMP – Central dos Movimentos Populares
Comitê Popular Copa 2014 Porto Alegre
CONAM – Confederação Nacional de Associação de Moradores
FEGAM – Federação Gaúcha de Associações de Moradores
Fórum de Justiça e Segurança Região Nordeste
Fórum Nacional de Reforma Urbana
Grupo de Extensão e Pesquisa em Saúde Urbana – UFRGS
IdhES – Instituto de Direitos Humanos
IPES
MNLM-RS – Movimento Nacional de Luta pela Moradia
Observatório das Metrópoles Núcleo Porto Alegre
Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo
Rede Planos Diretores Participativos
SAJU/UFRGS – Serviço de Assessoria Jurídica Universitária
SEMAPI – Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do RS